Amanhecer de uma eleição agitada

Imagem: Juan Pablo Lancia
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Por EMILIO CAFASSI*

A Frente Ampla do Uruguai já não é mais aquela esperança, mas uma trajetória de gestão de 15 anos (2005-2020), com seus indubitáveis claro-escuros

A longa noite parece estar dando trégua na margem oriental do Rio da Prata, onde um primeiro clarão apareceu suavemente no horizonte, embora apenas no dia 24 de novembro saberemos se estará acompanhado do necessário vento dissipador do manto escuro que nos envolve nos últimos cinco anos. Neste caso, deixaríamos para trás cinco anos de ruína social, destruição de direitos e liberdades, juntamente com os infames escândalos de corrupção que marcaram este período.

Estou entusiasmado com esta perspectiva, embora o resultado eleitoral em seu conjunto me deixe certo ressaibo agridoce. Não por me contagiar com o entusiasmo exultante que floresceu entre os militantes da Frente Ampla nos territórios, induzidos pelo desejo encorajador de um avanço avassalador neste primeiro turno, que em alguns se transformou em desalento subjetivo logo em seguida, diante do rigor dos fatos. Embora eu reconheça que as margens de erro das pesquisas podem se ampliar, parecia pouco provável que todos os institutos tivessem previsões mais ou menos convergentes e que todos excluíssem uma vitória no primeiro turno.

Eu não esperava mais votos no resultado legislativo. Por isso, não viajei, embora minhas memórias remetam para as celebrações das vitórias da Frente Ampla em Montevidéu, que sempre foram dos momentos mais felizes de minha vida. Sobretudo naquela noite, quando Pepe Mujica ganhou a presidência e os braços foram milhares de abraços em profusão e as gargantas os cantos que fizemos soar até o amanhecer, já não literário, mas literal, pelas ruas do centro da cidade e pela orla.

Não posso deixar de me alegrar com a maioria absoluta no Senado, com a aproximação da maioria na Câmara dos Deputados, e menos ainda, em termos subtrativos, com a exclusão parlamentar do ultradireitista Manini Ríos e do multisserviçal Mieres. Embora ofuscada pela derrota da cédula branca do Sim, um espinho que reaviva desilusões passadas, como aquela, também naquele 2009 de alegria, com o mesmo contraste amargo. Perderam-se então os referendos da cédula rosa, revogando a sinistra lei da caducidade, e da cédula branca incorporando o voto no exterior para a diáspora, ambas ainda expressões de atraso e falta de escrúpulos, agravando nossa dívida com a história.

Discordo da conclusão crítica da ex-vice-presidente Lucía Topolansky sobre a pertinência da iniciativa do PIT-CNT [Plenário Intersindical dos Trabalhadores – Convenção Nacional dos Trabalhadores] de convocar um plebiscito para alterar um artigo da Constituição a fim de garantir e ampliar a seguridade social. Em declarações à estação de rádio de sua região, M24, afirmou que a discussão sobre o plebiscito “desvia esforços e energias” ao mesmo tempo que “gerou conflitos e tensões nos comitês de base”.

Não nego que estas tensões tenham surgido, embora desconheça os detalhes, mas o mais provável é que se devam à atitude dilatória da própria Frente Ampla, de adiar os debates e esperar por consensos quase excludentes, particularmente quando se trata de iniciativas dos movimentos sociais, para evitá-los através do atalho da “liberdade de ação”. Não é a primeira vez, é uma conta a mais num grande colar de freios e posteriores fracassos de iniciativas de democracia direta que surgiram na dinâmica de construção identitária e de reivindicação dos movimentos sociais.

Inversamente, creio que qualquer debate político não partidarizado, como os gerados pelos institutos de democracia direta (referendos ou plebiscitos), permite que as discussões sejam transversais, enriquecendo a argumentação, em oposição à mera emotividade ou tradição, um campo em que a esquerda e o progressismo devem se sentir à vontade. Além disso, embora não seja a única forma de apelar para estes institutos, a convergência com a eleição nacional é talvez a forma mais viável de utilizar esta ferramenta de poder dos cidadãos.

Assim, atribuir-lhes um caráter de distração não só desencoraja, como desincentiva mecanismos que deveriam ser ampliados tanto em frequência quanto em alcance, entre outras razões, para incentivar um contato mais assíduo com os cidadãos e distanciar-se dos partidos tradicionais. Mais ainda neste caso, sobre o qual argumentei num artigo anterior, concluindo que o movimento operário uruguaio lançou, com a iniciativa, uma contraofensiva oportuna e precisa, superando o momento defensivo para levar adiante um questionamento contundente, que demonstra outra vez ser um exemplo em nível mundial.

Não obstante, compartilho a opinião de Lucía Topolansky, que, ademais, é uma referência histórica do setor que arrebatou quase metade dos votos da Frente – o Movimento de Participação Popular (MPP) –, de que a Frente Ampla tem grandes possibilidades na eleição, uma previsão que se baseia também, como indicou o pesquisador e cientista político Oscar Bottinelli, na estrutura e na capacidade organizativa da Frente Ampla, que não é apenas um lema, mas uma força coesa que articula sua militância com os cidadãos.

Em contrapartida, parece pouco provável que o candidato do Partido Nacional (PN), Delgado, consiga reunir todos os votos do primeiro turno dos membros da coalizão governamental que ele próprio aspira a recriar. Delgado deve tentar conservar para si a totalidade dos votos que foram para os partidos da atual coalizão governamental. Se me permitem ironizar com a teoria do desenvolvimento psicossexual de Freud, ele estaria com fixação na fase de retenção anal. A Frente Ampla, pelo contrário, deverá captar alguns fragmentos de tal eleitorado, ainda que não exclusivamente dele.

Ambas as forças deverão desenvolver estratégias para capturar os votos necessários à vitória. Lucía Topolansky considera a possibilidade de buscar algumas coincidências programáticas com partidos que não ingressaram no parlamento, enquanto Bottinelli sugere apelar à exacerbação de rivalidades e incompatibilidades atuais e históricas. Sem dúvida, o programa atual da Frente, com sua forte ênfase ambientalista, poderia captar algo do eleitorado do Partido Ecologista Radical Intransigente (PERI) ou, em menor medida, do Partido Verde Animalista (PVA).

Acho difícil que a Unidade Popular-Partido dos Trabalhadores (UP-PT), que participaram com o lema “Assembleia Popular”, possa transmitir algo de sua já muito escassa contribuição, pois praticamente se baseou na crítica à Frente Ampla diante do suposto abandono das bandeiras mais radicais ou comprometidas com os mais submersos. No entanto, creio que há algo que a Frente Ampla pode resgatar se for receptiva às reivindicações e opiniões de ex-militantes descontentes. É provável que uma parte significativa deles se expresse através do voto em branco ou nulo, expressões que têm revelado uma tendência crescente na série de seis eleições realizadas desde a reforma constitucional de 1996.

A tabela e o gráfico abaixo mostram essa tendência com a particularidade de que o voto nulo foi o mais baixo precisamente quando, em 2004, a Frente Ampla ganhou no primeiro turno, levando Tabaré Vázquez à primeira presidência, momento em que se concitaram as maiores esperanças. Mas, se o voto nulo, depois disso, tendeu a subir, o voto em branco registrou a maior queda da história em 2009, quando Pepe Mujica foi eleito. O número atual não é, de modo algum, de se ignorar.

Muitos setores gostariam de obter essa colheita eleitoral se fosse uma expressão organizada. Sairiam dela com pelo menos um senador e vários deputados. A questão é saber se as expectativas desses dois momentos fundadores da experiência de governo da Frente Ampla podem ser estimuladas, atraindo algumas dessas vontades desanimadas.

Ultrapassaríamos o limite de espaço, além de sobrecarregar o leitor com mais tabelas e gráficos, se fôssemos detalhar ao mesmo tempo a evolução do comportamento comparativo da Frente Ampla entre o primeiro e o segundo turno, o que deixaremos para outra oportunidade. Adiantemos apenas que, como sempre foi a primeira minoria, sua razão de expansão é mais limitada do que a daqueles que a seguiram (Partido Colorado e Partido Nacional nas cinco eleições anteriores), embora esta escassez se inverta se deixamos de considerar a segunda minoria e a comparamos com a soma de todos os seus adversários.

Tal como a Frente Ampla já não é mais aquela esperança, mas uma trajetória de gestão de 15 anos (2005-2020), com seus indubitáveis claro-escuros, tampouco a coalizão oficialista (2020-2025) é uma possibilidade apenas regressiva, mas a encarnação comprovada e ainda vigente da decadência, da venalidade e do sofrimento popular.

Série histórica de votos em branco e nulos no primeiro turno

AnoVoto em branco (Primeiro turno)Voto nulo (Primeiro turno)Total
19991.04%22.4331.64%35.3022.68%57.735
20041.43%31.0310.99%21.5412.42%52.572
20090.96%21.4531.22%27.1492.18%48.602
20141.95%44.6881.46%33.4193.41%78.107
20191.86%43.5971.91%44.8023.77%88.399
20241.36%31.1602.35%53.8473.71%85.007

Progressão de votos em branco, nulo e total (primeiro turno)

Sempre serão necessários os balanços, os olhares retrospectivos e os debates teóricos e programáticos para nos interrogarmos com o maior rigor possível sobre nossa própria produção de desilusões. Mas até o dia 24, as degustações terão que dar lugar a uma alimentação constante. O sibaritismo ideológico que explica muitos impactos subjetivos – e que muitas vezes leva ao meu travo agridoce – requer agora um enxágue para uma concentração em todos os passos e detalhes necessários para a recuperação do leme do progressismo uruguaio encarnado na Frente Ampla. O rumo e a carta de navegação estão indelevelmente definidos no programa.

Ao embarque!!!

*Emilio Cafassi é professor sênior de sociologia na Universidade de Buenos Aires.

Tradução: Fernando Lima das Neves.


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