A cena brasileira – XVI

Imagem: Bran Sodre
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por BENÍCIO VIERO SCHMIDT*

Comentários sobre acontecimentos recentes.

A CPI do Senado Federal sobre pandemia assume, neste momento, uma feição mais dramática e decisiva frente às possibilidades de desestabilização institucional, seja no âmbito do governo federal, seja no âmbito do sistema decisório responsável pela saúde pública, especialmente no pertinente à administração de vacinas para a população.

Uma enorme rede de interesses, com participação de diversos atores – dentro e fora do governo, mas muito atuantes no funcionamento do sistema montado pelo bolsonarismo – tem sido paulatinamente revelada à opinião pública. Na verdade, não havia falta de vacinas disponíveis, mas faltava tempo para negociações que atendessem os diversos grupos de interesse no fornecimento das próprias vacinas.

Além dos lobistas de costume no cotidiano de Brasília, sempre alertas às possibilidades de vendas de bens e serviços ao Estado, chama a atenção a presença ativa de militares e assessores evangélicos no processo de decisão sobre compras e administração de vacinas provenientes do Exterior. A presença de número próximo a sete mil militares – da reserva e ativos – na estrutura federal de governo, finalmente se torna visível em seus aspectos mais deletérios e marcando novas dimensões do histórico patrimonialismo nacional, que assume como privado e familiar aquilo que é público.

Lamentável repetição de um fenômeno histórico brasileiro, assumindo novas feições a cada momento de nossa conjuntura. Laços religiosos, familiares e grupais que são solidificados pelo modo como se organiza e se comporta o sistema de representação política em nosso país.

Mais uma vez, o Estado é capturado por estas forças particularistas que alimentam um sistema político onde o fundamental é sua continuidade, por qualquer mecanismo desde que não flagrado como desvio ou crime pelos pares e pela claudicante Justiça. Espera-se que a CPI dê continuidade aos esclarecimentos e à devida apuração das respectivas responsabilidades.

O pedido de impeachment de Bolsonaro, encaminhado por representantes da sociedade civil e de organizações partidárias ao Congresso Nacional, consolidando os cerca de cem pedidos já formulados, compõe o quadro adverso para a Presidência da República. A combinação de pressões, entre o pedido de impeachment e os trabalhos de esclarecimento da CPI, poderá resultar em interrupção do mandato presidencial; ainda que hoje isso pareça pouco provável.

A Reforma Tributária, cujo projeto fatiado foi apresentado pelo ministro Paulo Guedes ao presidente do Congresso Nacional, deputado Arthur Lira, contém mudanças na faixa de isenção tributária, na possibilidade de declaração simplificada do IRPF e medidas que tributarão lucros e dividendos das empresas, a partir de R$ 20 mil mensais. Outras medidas, como aumento do IRPJ, estão em estágio inicial; na verdade, mais uma consulta aos grupos de pressão instalados no Congresso Nacional e às corporações empresariais, do que propriamente uma decisão firme e convicta do governo.

Cabe destacar, na esfera da representação política, a manifestação de 11 partidos contra o voto impresso para as próximas eleições, apesar do voto favorável do relator da comissão na Câmara de Deputados.

Ressalte-se finalmente que o Ministro Alexandre Moraes decidiu realizar investigação sobre organização criminosa digital que atenta contra a democracia, envolvendo inclusive familiares do Presidente da República.

*Benicio Viero Schmidt é professor aposentado de sociologia na UnB e consultor da Empower Consult. Autor, entre outros livros, de O Estado e a política urbana no Brasil (LP&M).

 

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Mísseis sobre Israelmíssel 07/10/2024 Por MÁRIO MAESTRI: Uma chuva de cintilantes mísseis iranianos cortando os céus de Israel, passando pelo mítico Domo de Ferro, como a farinha por peneira
  • A felicidade negadapexels-enginakyurt-2174627 10/10/2024 Por MARCIO SALES SARAIVA: Comentário sobre o livro de Domenico De Masi
  • A poesia no tempo dos incêndios no céucultura quadro branco 04/10/2024 Por GUILHERME RODRIGUES: Considerações sobre a poesia de Carlos Drummond de Andrade
  • Israel: que futuro?luminoso 09/10/2024 Por CARLOS HENRIQUE VIANNA: Não há dúvida que Israel, seus cidadãos e seus governos, consideram-se um país especial no concerto nas nações. Um Estado com mais direitos que os demais
  • Ultrapassando os limites constitucionaissouto-maior_edited 06/10/2024 Por JORGE LUIZ SOUTO MAIOR: Luís Roberto Barroso leva adiante a sua verdadeira Cruzada, destinada a atender a eterna demanda do setor empresarial de eliminação do custo social da exploração do trabalho
  • A queda de Israelpexels-nemanja-ciric-241845546-12301311 10/10/2024 Por SCOTT RITTER: Mesmo alguns sobreviventes do Holocausto reconhecem que o Israel moderno se tornou a manifestação viva do próprio mal que serviu de justificação para sua criação – a ideologia brutalmente racista da Alemanha nazista
  • Annie Ernaux e a fotografiaannateresa fabris 2024 04/10/2024 Por ANNATERESA FABRIS: Tal como os fotógrafos atentos ao espetáculo do cotidiano, a escritora demonstra a capacidade de lidar com aspectos da civilização de massa de maneira distanciada, mas nem por isso menos crítica
  • Coach — política neofascista e traumaturgiaTales-Ab 01/10/2024 Por TALES AB´SÁBER: Um povo que deseja o fascista brand new, o espírito vazio do capitalismo como golpe e como crime, e seu grande líder, a vida pública da política como sonho de um coach
  • Pablo Marçal na mente de um jovem negroMente 04/10/2024 Por SERGIO GODOY: Crônica de uma corrida de Uber
  • A vingança do bom selvagemRenato Janine Ribeiro 10/10/2024 Por RENATO JANINE RIBEIRO: Posfácio do livro recém-lançado de Gérard Lebrun.

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES