Por BRUNO MACHADO*
Qualquer governo no Brasil fica em situação de falta de soberania monetária e não pode buscar o desenvolvimento das suas forças produtivas, já que nem controle sobre o próprio orçamento público tem
Levando em conta o que é exaustivamente repetido nos noticiários, o medo da inflação parece ter se tornado a maior arma contra o povo brasileiro. Baseado no passado de hiperinflação dos anos 1980 que atingiu o Brasil, o medo da alta da inflação tem sido usado como freio para todo governo vigente.
Entretanto, como a hiperinflação só é casuada pela forte desvalorização da moeda frente ao dólar, que ocorre quando há grande escassez de dólares disponíveis na economia doméstica, esse medo não é racional no Brasil de hoje, com uma moeda estável e mais de 300 bilhões de dólares em reservas em dólar.
Além disso, a hiperinflação dos anos 1980 não foi uma jabuticaba brasileira, tendo ocorrido em toda América Latina e foi causada pela opção pelo desenvolvimento via dívida externa, associado à subida abrupta dos juros do Banco Central dos EUA. O mesmo ocorreu em relação ao Plano Real, que apesar de particularidades heterodoxas como a URV que assustaram até o FMI nos anos 1990, foi só mais um entre os múltiplos planos econômicos que resolveram o problema da hiperinflação latino-americana.
Desfeitos os mitos, há ainda um debate que precisa ser feito a respeito de qual taxa de inflação é esperada no Brasil. Desde a criação do real, a inflação anual média brasileira foi próxima de 5%, tendo muitos altos e baixos, o que no mínimo coloca em dúvida se uma meta de inflação em torno de 3% (que nunca é cumprida) faz sentido.
A exigência de uma inflação baixa, que só costuma ser cumprida no Brasil com recessão, suspeita ser muito mais uma exigência de estabilidade para o mercado financeiro do que uma busca por preservar o poder de compra do trabalhador, que depende de uma economia em crescimento para ter renda crescente.
Dessa maneira, a desvalorização do dólar pela via financeira se torna uma arma do mercado financeiro que busca segurança em seus lucros, servindo de desestabilizador da economia nacional sempre que seus interesses não forem amplamente colocados como prioridade. A existência de reservas em dólar serve de defesa contra esses ataques especulativos no curto prazo, mas não é ampla o suficiente para blindar nenhum governo do mercado financeiro internacional, principalmente o Brasil que tem o sistema bancário privado e pouco regulado, além de não deter um sistema de controle de fluxos de capitais.
Mas o problema é ainda maior. Como a taxa básica de juros da economia tem um impacto direto e imediato na taxa de câmbio, a tarefa do Banco Central na definição da SELIC se torna um papel mais de intermediador entre governo e mercado do que um papel de tomador de decisão. Na periferia do capitalismo, os países que não são centrais têm moedas fracas e, por isso, se tornam totais reféns do dólar, colocando seus bancos centrais em posições quase decorativas.
A saída para reduzir a instabilidade no preço do dólar doméstico é sofisticar o setor produtivo da economia. Enquanto no Brasil e em outros países periféricos o preço do dólar facilmente pode triplicar em quinze, em países centrais essa variação costuma ser muito menor, e isso tem a ver com o perfil de bens exportados pelo país em questão.
Enquanto o Brasil exporta majoritariamente commodities (que tem forte variação de preços ao longo dos anos), países centrais que exportam bens manufaturados (que tem menor variação de preços ao longo dos anos) têm moedas mais estáveis que o real. Dessa forma, quanto mais fraca e instável uma moeda nacional maior terá que ser os juros pagos como prêmio de risco aos detentores da dívida estatal emitida nessa moeda.
Isso não justifica, entretanto, uma SELIC que signifique 8% de juros real anual. Andre Lara Resende passou a defender nos últimos anos que a SELIC deveria ser composta pela previsão de inflação anual somada a um prêmio de risco associado ao real como moeda fraca. Entretanto, tal estratégia de finanças funcionais dependeria da política fiscal para controle sobre a demanda agregada, e os governos brasileiros perderam o poder de decisão sobre a política fiscal devido às desonerações e incentivos fiscais que na prática estão vinculadas ao controle do Congresso sobre o orçamento.
Só um plano de desenvolvimento econômico baseado no catching-up (alçamento) tecnológico, talvez até associado a uma paulatina estatização do sistema bancário poderia tornar um cenário de soberania monetária possível, mas encontraria enormes desafios econômicos e principalmente políticos. Qualquer tentativa de desenvolvimento via industrialização no Brasil assumiria riscos econômicos que a elite nacional não está disposta a assumir, além de significar também uma mudança na estrutura do poder econômico do país, hoje majoritário no agronegócio.
Do ponto de vista internacional, o desafio político seria ainda maior, já que o Brasil não foi convidado a se desenvolver economicamente pelos países centrais como foram, em diferentes proporções, os EUA, o Japão e a Coreia do Sul, por exemplo. Um plano nacional de desenvolvimento, como o elaborado por Ciro Gomes, não poderia ser posto em prática, portanto, sem algum grau de ruptura na estrutura social brasileira.
Dessa maneira, refém do dólar, o Banco Central do Brasil não tem todo esse poder de definir uma taxa de juros baseada em uma estratégia de equilíbrio entre inflação e emprego. Além disso, o governo federal sequer pode fazer uma política fiscal racional, que permita a retirada do teto de gastos de investimentos que trarão aumento da produtividade no futuro e que portanto não prejudicariam a famigerada relação dívida/PIB no longo prazo.
Como o mercado financeiro, com seus arsenais de dólares, não está interessado no desenvolvimento econômico, mas exclusivamente em reduzir riscos e garantir lucros, qualquer movimento desse tipo feito pelo governo federal levaria a uma forte saída de dólares do país e faria o Banco Central ser convocado a subir ainda mais a SELIC. Dessa maneira, qualquer governo no Brasil fica em uma situação de falta de soberania monetária (com uma atuação do Banco Central do Brasil que não poderia ser mais do que decorativa) e não pode também buscar o desenvolvimento das suas forças produtivas, já que nem controle sobre o próprio orçamento público tem.
Na periferia do sistema, tudo é muito mais complicado.
*Bruno Machado é engenheiro.
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