O otimismo atroz de Elon Musk

Imagem: Yusuf Timur Çelik
image_pdf

Por VILMAR DEBONA*

O otimismo de Elon Musk e dos multipoderosos das Big Techs é atroz. O pessimismo existe para denunciar, inclusive, suas atrocidades

“Otimismo” é substantivo do latim optimum, “o melhor”. “Pessimismo”, como substantivo de pessimus, “o pior”, nasceu na condição de mero neologismo, mas bem poderia ser assumido como um neologismo de resistência.

Na seara filosófica ou sob as mais diversas camadas culturais que acabaram por dinamizá-lo, pessimismo resiste à afirmação do que se pretende maravilhoso, sumo, Absoluto. Foi criado para contestar as teses do “melhor dos mundos”, com o que, de partida, denuncia quem fica para trás ou não cabe nesse suposto tão atrativo mundo. Não foi cunhado para registrar lamúrias e desesperanças. Pessimismo contesta a absolutização da razão, do saber, da ciência e da técnica, ao tempo em que aponta para as vítimas que o bem permite. Em termos críticos, não tem muito a dizer do futuro, mas pode ajudar a desentranhar o mal do presente, ao tempo em que atesta a impossibilidade de compensar o mal do passado.

Em meio a tantos crápulas com superpoderes, autoafirmados como absolutos, hoje, está Elon Musk com suas máquinas. Por acaso ou não, consciente ou não sobre a etimologia, sabem como se chamada o robô humanoide de Musk? Optimus! Se o mundo humano revela o pessimus, é certo que parte disso se deve a humanos autoproclamados sem limites, como Elon Musk, agora secretário da “eficiência trumpista”.

Antes de se reduzir a “metade cheia do copo”, o otimismo afirma; antes de se reduzir a “metade vazia do copo”, o pessimismo nega. O otimismo afirma e positiva; o pessimismo nega e resiste ao positivado e aos positivadores. O otimismo domina, o pessimismo pode ajudar a libertar os dominados. Nesse sentido, Donald Trump, Elon Musk, Steve Bannon e Mark Zuckerberg são exemplos flagrantes de quem encarna o otimismo opressor. Suas vítimas não são apenas imigrantes, refugiados, clandestinos deportados acorrentados, LGBTQIA+, trabalhadores empobrecidos em geral. São todos os manipulados por suas máquinas de poderes mil, realizadoras do mais avançado progresso positivo. Todas essas vítimas, crentes de serem beneficiárias, encarnam e atualizam o pessimus como peças manipuláveis.

O otimismo, em especial o de Elon Musk, supõe a liberdade como positiva e irrestrita, e oprime em nome dela; o pessimismo assume a liberdade como negativa: só existe na medida em que nega a opressão. O novo-velho otimismo oficial domina o globo desde sempre, mas acabou de assumir o poder da nação – supostamente ainda – mais poderosa. Ele busca cegamente “a justiça”, tem certeza prévia do que é justiça, de quem é digno dela, e faz triagem para aplicá-la. O pessimismo é afeito às lutas por menos injustiças.

O otimismo sorri e faz um gesto nazista. O pessimismo não se afasta para fora da possibilidade do alcance do braço em gesto nazista, não lamenta nem chora. O pessimismo denuncia o motivo do gesto, o alcance do braço e a perversidade do riso.

O otimismo justifica a dor em nome de um “futuro melhor”; o pessimismo é especialista em dores do mundo, individuais ou sociais, e gostaria de garantir que nenhuma fosse justificada. O otimismo, não por acaso, faz par perfeito com o capitalismo – em suas mais variadas formas e fases. O pessimismo, se pudesse tanto, sufocaria a sanha incontrolável dos – velhos e novos – donos do capital. Secaria seus quereres insaciáveis, esgotaria suas inesgotáveis energias positivas, privatistas e acumuladoras; gostaria de derrotá-los em praça pública.

O otimismo, grandiloquente e falsamente incondicionado, coloniza Marte e instala Starlink na Floresta Amazônica. O pessimismo, esse pessimismo anti-conformista, espelha a canção de Caetano Veloso, em que “um índio descerá de uma estrela colorida”, e “pousará no coração do Hemisfério Sul, na América”. O otimismo multibilionário de Elon Musk e Jeff Bezos garantirá o futuro uniforme, liso e plano, embrulhado em plástico bolha, controlado por Big Techs. O pessimismo da resistência, esperançoso sem pretender a vitória histórica, garantirá o passado da diversidade, com “a mais avançada das mais avançadas das tecnologias”.

Elon Musk, com seu otimismo infalível e como membro do governo de Donald Trump, será um ótimo secretário de Eficiência Governamental. A ineficiência, comumente identificada com o pessimismo do common sense, associada a derrota, teria de ser, hoje, a mais desejada das incapacidades. A eficiência de Elon Musk e Donald Trump impõe a liberdade estratosférica de alguns indivíduos – a deles próprios. O pessimismo dos sufocados, voz do negativo da história, continuará acusando a farsa insana ao falar em nome dos inimigos, dos perseguidos e da morte coletiva em potencial.

Foi pensando a negatividade histórica que Max Horkheimer, o fundador da Teoria Crítica, afirmou algo em uma nota de 1956 que nos choca por sua atualidade: “Os espíritos negativos, negativistas, que veem e dizem apenas o que é horrível, apenas o que não deve ser, que têm medo de nominar Deus, o que esses espíritos, afinal, desejam? Que as coisas melhorem! Os positivistas agem em Seu nome, dizem sim ao mundo e ao Criador. Unem-se – não são contra os sacros valores. Os têm sempre na ponta da língua. Assim Hitler uniu os alemães, fazendo dos judeus a vítima designada; Nasser os árabes, designando Israel ao papel de vítima” (Notizen, 1956).

O que poderemos diante dos neonazis que se unem hoje e, com seus robôs absolutamente Optimus, unem a humanidade?

O otimismo de Elon Musk e dos multipoderosos das Big Techs é atroz. O pessimismo existe para denunciar, inclusive, suas atrocidades. Atenta a essa resistência pessimista, nos anos 1980 a filósofa brasileira Olgária Matos sintetizava a ideia ao investigar o Arthur Schopenhauer de Max Horkheimer: “O que une os homens é o desconsolo e o desamparo; o que os separa são os fanatismos e as divisões políticas”.

Pessimistas de todo o mundo, uni-vos!

*Vilmar Debona é professor do Departamento de Filosofia da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
3
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
4
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
5
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
6
A riqueza como tempo do bem viver
15 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: Da acumulação material de Aristóteles e Marx às capacidades humanas de Sen, a riqueza culmina em um novo paradigma: o tempo livre e qualificado para o bem viver, desafio que redireciona o desenvolvimento e a missão do IBGE no século XXI
7
A crise do combate ao trabalho análogo à escravidão
13 Dec 2025 Por CARLOS BAUER: A criação de uma terceira instância política para reverter autuações consolidadas, como nos casos Apaeb, JBS e Santa Colomba, esvazia a "Lista Suja", intimida auditores e abre um perigoso canal de impunidade, ameaçando décadas de avanços em direitos humanos
8
Norbert Elias comentado por Sergio Miceli
14 Dec 2025 Por SÉRGIO MICELI: Republicamos duas resenhas, em homenagem ao sociólogo falecido na última sexta-feira
9
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
10
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
11
Ken Loach: o cinema como espelho da devastação neoliberal
12 Dec 2025 Por RICARDO ANTUNES: Se em "Eu, Daniel Blake" a máquina burocrática mata, em "Você Não Estava Aqui" é o algoritmo que destrói a família: eis o retrato implacável do capitalismo contemporâneo
12
A anomalia brasileira
10 Dec 2025 Por VALERIO ARCARY: Entre o samba e a superexploração, a nação mais injusta do mundo segue buscando uma resposta para o seu abismo social — e a chave pode estar nas lutas históricas de sua imensa classe trabalhadora
13
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
14
Benjamim
13 Dec 2025 Por HOMERO VIZEU ARAÚJO: Comentário sobre o livro de Chico Buarque publicado em 1995
15
Violência de gênero: além do binarismo e das narrativas gastas
14 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Feminicídio e LGBTfobia não se explicam apenas por “machismo” ou “misoginia”: é preciso compreender como a ideia de normalidade e a metafísica médica alimentam a agressão
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES