Washington Novaes (1934-2020)

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Por MARCO ANTONIO SPERB LEITE*

Comentário sobre a vida e a morte do jornalista e documentarista

Parte da gente vai embora quando um amigo nos deixa. O que permanece, se isso serve de consolo, é o que foi incorporado ao nosso ser pela convivência sem maiores interesses, pela amizade. No mistério da vida, a inexorável morte faz parte, mas como dói. Mais um amigo se foi: Washington Novaes.

Washington mudou-se para Goiânia para produzir um jornal projetado para ter padrão e repercussão de nível nacional, junto com um time de jornalistas de primeira grandeza. O projeto chegou a correr na pista, mas não decolou, bombardeado pela ditadura quando o jornalismo investigativo encontrou cadáveres no sul de Goiás, prova de execuções de militantes políticos. Seus colegas foram embora, Washington ficou. Assim ganhei um amigo, um grande contador de casos.

Com sua vasta experiência contribuiu muito para melhorar o nível do jornalismo local. Trabalhador incansável, ajudou a alavancar o Festival Internacional de Cinema Ambiental – FICA, que projetou Goiás para fora de suas fronteiras. Sua ligação com a TV Cultura de São Paulo, aprofundada ao longo de anos, lhe possibilitou realizar documentários sobre o lixo, sobre a ausência de saneamento, sobre a destruição do cerrado, da Amazônia, do Pantanal. Todos fazem parte de seu grito de alerta. Os prêmios recebidos, inclusive os internacionais, eram tratados por ele como pontos de apoio para uma luta maior.

Crítico implacável, lutador pela vida, tinha clareza de que fazemos parte do meio ambiente e, para preservar a vida, tínhamos que preservar todos os biomas. As riquezas do cerrado, suas plantas trabalhadas durante milênios pela natureza foram por ele divulgadas com afinco, pois sabia que estávamos jogando no lixo fármacos ainda não descobertos, na ânsia imbecil do lucro imediato obtido pelo plantio da soja ou da criação de gado. O bioma cerrado foi sua última paixão.

Criticava abertamente o desmonte dos órgãos ambientais nos últimos governos, assim como a construção da usina de Belo Monte, a falta de sensibilidade da Presidente Dilma, da mesma forma que não poupou Marina Silva por não lutar contra a introdução da soja transgênica no Brasil sem obedecer à precaução exigida. Em relação ao atual governo, por seus crimes cometidos, era ainda mais duro. Alertava para a necessidade de denunciar os absurdos patrocinados por um bando de imbecis perigosos apoiados por interesses maiores. Usou sua pena, sem dó ou medo, como uma espada de guerreiro.

Muitos chorarão sua partida: sua companheira de décadas, Virginia, seus quatro filhos. E também chorarão os povos indígenas do Xingu, que recentemente lamentaram a partida do  cacique Aritana Yawalapiti, amigo de Washington, que a Covid levou. Todos os que lutam por um mundo mais justo, fraterno que respeite a vida – o meio ambiente nela incluso – choraremos pela perda de um grande companheiro de luta.

Em seus artigos, centenas deles, o meio ambiente foi o fio condutor nos últimos 30 anos. Um profeta que denunciava a destruição da vida. Profeta do óbvio, segundo ele mesmo dizia, pois a degradação que estamos criando é evidente para os que têm olhos para ver e coração para sentir. Os interesses econômicos, quando a terra é moeda, dizia, gera a especulação imobiliária que destrói cidades, que acaba desnecessariamente com as matas, com o cerrado. Considerava como sua missão resistir a essas forças poderosas.

O futuro sombrio que a humanidade vai enfrentar, e em vários lugares já enfrenta, era seu tema recorrente. No Brasil as políticas públicas se voltarão – a médio e a longo prazo – contra o próprio capitalismo na medida em que contribuem para o esgotamento dos recursos hídricos e para o empobrecimento do solo, alertava. As elites e seus asseclas, pelo menos os mais próximos, podem ir para lugares mais preservados e ainda não sentem a falta de ar. Será que só acordarão quando a falta de ar for generalizada? A atual pandemia mostrou que o vírus não distingue pobres e ricos.

Nos últimos tempos Washington continuava na ativa, embora cansado. O museu das águas foi um projeto não realizado. Estava abalado pela morte de amigos, como Newton Carlos, compadre que batizou um de seus filhos e de Aritana, entre outros. E ainda pelo enfraquecimento do movimento ambientalista. Aliás, detestava o epíteto “ambientalista”, pois sabia que sua luta era maior, era pela vida. “Ambientalista é a mãe”, foi o título de um artigo seu para Bundas, revista de curta duração, criada pelo amigo Ziraldo.

Para encerrar, cito um pequeno acontecimento. Estávamos, Washington e eu, indo para uma cidade do interior de Goiás para dar palestras sobre o meio ambiente, quando paramos em uma cidadezinha no meio do caminho para tomar um café. Na saída, um jovem pediu carona. No banco de trás, neste momento Washington dirigindo, ele olha bem para ele e pergunta seu nome. Ao confirmar a suspeita, disse que tinha assistido toda a série sobre o Xingu e que usava os vídeos para mostrar aos seus alunos a importância da cultura indígena. São acontecimentos que mostram estar sua obra no mundo e, como disse Pedro Casaldaliga, suas causas transcendem sua vida.

*Marco Antônio Sperb Leite é professor aposentado do Instituto de Física da UFG.

 

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