A cena brasileira – XXX

Imagem: Catherine Sheila
image_pdf

Por BENÍCIO VIERO SCHMIDT*

Comentário sobre acontecimentos recentes

A pós-graduação brasileira encontra-se, novamente, em perigo. Além do desinvestimento recorde havido (CAPES, CNPq e FNDCT), a direção da CAPES age abertamente em favor do ensino a distância, ao nível da pós-graduação; bem como pressiona pelo reconhecimento de cursos novos, sem a devida e criteriosa avaliação. Isto levou à renúncia de três coordenadores de áreas seguida dos consultores por eles chamados para a avaliação. Atualmente são mais de 40 áreas entre ciências exatas, da vida e humanas.

Ressalte-se, para ilustração, que o ensino superior privado – com forte presença da atividade virtual por meio dos polos de ensino a distância – já abrange cerca de 80% das matrículas existentes. De outro lado, como atestam pesquisadores renomados, alguma áreas (como física experimental) exigem ensino presencial, dadas suas características laboratoriais. Registre-se, ainda, o elevado número de bolsas de estudo cortadas pela atual administração.

A interferência do Judiciário, agora se manifesta novamente “liberando” o processo das avaliações dos cursos, mas mantendo a suspensão da publicação dos resultados. Ou seja, desde que os resultados sejam mantidos em segredo. Fere-se frontalmente o princípio de publicidade e de igualdade de acesso aos critérios de avaliação e suas consequências. Mais um desastre institucional, apontando para o desprezo das autoridades federais para com a educação superior. É fundamental que a área científica leve ao Judiciário o modo de se fazer avaliação científica entre pares: se os parâmetros normativos macro são feitos desde o início da avaliação, o processo de avaliação é dinâmico e exige incorporação de aprimoramento proposto e consensuado em grandes seminários intermediários de cada área com todos os coordenadores de cursos de pós-graduação. A avaliação faz parte de toda a política nacional de pós-graduação.

A PEC dos precatórios foi aprovada pelo Senado. Volta à Câmara para detalhes de operação. Além do calote, está garantido o Auxilio Brasil até o final de 2022, estendendo recursos ao governo em cerca de R$ 106 bilhões de reais. O Auxílio Brasil foi disciplinado para impedir o crescimento do número de beneficiários, a partir de 2022. Como foi criado por Medida Provisória, necessita de aprovação das duas Casas do Congresso até 7 de dezembro para ter validade. O Senado, na prática, solidifica a existência de fila de espera (hoje 1,4 milhão) para os próximos anos, dada a inexistência previsível de recursos ao já aventado (R$ 80 bilhões). O Auxilio passará a ser pago ainda este mês a 17,4 milhões de beneficiários.

As emendas orçamentárias do relator e sua destinação secreta abrem nova área de confronto entre os parlamentares sequiosos de recursos politicamente manobráveis em função das próximas eleições e o STF; cujo plenário ratificou (8 x 2) a liminar da ministra Rosa Weber em função da plena publicidade de origem e do destino das emendas (R$ 16 bilhões) sob controle do relator. Isto é, em última instância, sob o controle de Arthur Lira e Rodrigo Pacheco, presidentes da Câmara e do Senado. Os dois líderes estão manipulando as opiniões, com base na pretensa impossibilidade de identificação dos portadores destes verdadeiros cheques ao portador. Prometem, outrossim, maiores esclarecimentos daqui para o futuro. Cerca de R$ 8 bilhões de emendas do relator não foram ainda empenhadas, esperando posição do STF sobre liberação ainda em 2021.

O Senado aprovou a condução de André Mendonça ao STF. Frente ao Senado ele defendeu a laicidade do Estado. Em entrevista posterior, publicamente defendeu sua ascensão como um “salto do evangelismo”. Suas posições serão de alinhamento tácito à Presidência da República e certamente um fato nada alvissareiro para os defensores da laicidade e do estado democrático de direito.

Tecnicamente, com dois trimestres de crescimento econômico negativo, estamos em recessão. Além das dificuldades enfrentadas pela indústria (câmbio, falta de insumos, problemas logísticos, etc.) chama a atenção o decréscimo do setor agropecuário (-8,0% no trimestre). Questões ambientais são alegadamente as grandes responsáveis pela debacle conjuntural. O meio ambiente cobra seu preço, enquanto as pressões sobre as commodities brasileiras no exterior aumentam pelas origens de produtos obtidos com a devastação das florestas.

Lula, com boa performance midiática, vai amealhando apoios na opinião de vários segmentos. O diálogo com Alckmin, de destino partidário ainda incerto, vai alimentando projeções de vitória com a possível composição, ainda em primeiro turno. Dado, aliás, confirmado por algumas das pesquisas em circulação.

*Benicio Viero Schmidt é professor aposentado de sociologia na UnB e consultor da Empower Consult. Autor, entre outros livros, de O Estado e a política urbana no Brasil (LP&M).

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
A rede de proteção do banco Master
28 Nov 2025 Por GERSON ALMEIDA: A fraude bilionária do banco Master expõe a rede de proteção nos bastidores do poder: do Banco Central ao Planalto, quem abriu caminho para o colapso?
2
A poesia de Manuel Bandeira
25 Nov 2025 Por ANDRÉ R. FERNANDES: Por trás do poeta da melancolia íntima, um agudo cronista da desigualdade brasileira. A sociologia escondida nos versos simples de Manuel Bandeira
3
O filho de mil homens
26 Nov 2025 Por DANIEL BRAZIL: Considerações sobre o filme de Daniel Rezende, em exibição nos cinemas
4
A arquitetura da dependência
30 Nov 2025 Por JOÃO DOS REIS SILVA JÚNIOR: A "arquitetura da dependência" é uma estrutura total que articula exploração econômica, razão dualista e colonialidade do saber, mostrando como o Estado brasileiro não apenas reproduz, mas administra e legitima essa subordinação histórica em todas as esferas, da economia à universidade
5
A disputa mar e terra pela geopolítica dos dados
01 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: O novo mapa do poder não está nos continentes ou oceanos, mas nos cabos submarinos e nuvens de dados que redesenham a soberania na sombra
6
Colonização cultural e filosofia brasileira
30 Nov 2025 Por JOHN KARLEY DE SOUSA AQUINO: A filosofia brasileira sofre de uma colonização cultural profunda que a transformou num "departamento francês de ultramar", onde filósofos locais, com complexo de inferioridade, reproduzem ideias europeias como produtos acabados
7
Raduan Nassar, 90 anos
27 Nov 2025 Por SABRINA SEDLMAYER: Muito além de "Lavoura Arcaica": a trajetória de um escritor que fez da ética e da recusa aos pactos fáceis sua maior obra
8
A feitiçaria digital nas próximas eleições
27 Nov 2025 Por EUGÊNIO BUCCI: O maior risco para as eleições de 2026 não está nas alianças políticas tradicionais, mas no poder desregulado das big techs, que, abandonando qualquer pretensão de neutralidade, atuam abertamente como aparelhos de propaganda da extrema-direita global
9
O empreendedorismo e a economia solidária
02 Dec 2025 Por RENATO DAGNINO: Os filhos da classe média tiveram que abandonar seu ambicionado projeto de explorar os integrantes da classe trabalhadora e foram levados a desistir de tentar vender sua própria força de trabalho a empresas que cada vez mais dela prescindem
10
Totalitarismo tecnológico ou digital
27 Nov 2025 Por CLAUDINEI LUIZ CHITOLINA: A servidão voluntária na era digital: como a IA Generativa, a serviço do capital, nos vigia, controla e aliena com nosso próprio consentimento
11
Walter Benjamin, o marxista da nostalgia
21 Nov 2025 Por NICOLÁS GONÇALVES: A nostalgia que o capitalismo vende é anestesia; a que Benjamin propõe é arqueologia militante das ruínas onde dormem os futuros abortados
12
Biopoder e bolha: os dois fluxos inescapáveis da IA
02 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Se a inteligência artificial é a nova cenoura pendurada na varinha do capital, quem somos nós nessa corrida — o burro, a cenoura, ou apenas o terreno onde ambos pisam?
13
O arquivo György Lukács em Budapeste
27 Nov 2025 Por RÜDIGER DANNEMANN: A luta pela preservação do legado de György Lukács na Hungria de Viktor Orbán, desde o fechamento forçado de seu arquivo pela academia estatal até a recente e esperançosa retomada do apartamento do filósofo pela prefeitura de Budapeste
14
Argentina – a anorexia da oposição
29 Nov 2025 Por EMILIO CAFASSI: Por que nenhum "nós" consegue desafiar Milei? A crise de imaginação política que paralisa a oposição argentina
15
O parto do pós-bolsonarismo
01 Dec 2025 Por JALDES MENESES: Quando a cabeça da hidra cai, seu corpo se reorganiza em formas mais sutis e perigosas. A verdadeira batalha pelo regime político está apenas começando
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES