Opinião 65

Roberto Magalhães, Sem Título , 1965 , Reprodução fotográfica Paulo Scheuenstuhl
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Por CELSO FAVARETTO*

Comentário sobre a exposição, marco histórico das artes plásticas no Brasil.

Mais que uma exposição de jovens e talentosos artistas brasileiros e de representantes estrangeiros do “novo realismo”, a mostra de 1965 foi o momento em que os artistas plásticos voltaram a “opinar”, artística e politicamente. Opondo-se, quase todos, à abstração, associavam-se às tendências internacionais de uma “nova figuração”, de renovação da imagem, inclusive com ressonâncias pop. De modo mais ou menos explícito, em boa parte deles a alusão ao contexto sociopolítico manifesta a atitude de inconformismo face à situação provocada pelo golpe de 1964.

Assim como ocorria em outras áreas artísticas e culturais, estes artistas respondiam ao imperativo do momento: articular linguagens que dessem conta da rearticulação estética e das exigências ético-políticas da reação ao regime militar. O imaginário da ruptura e da invenção imbricava o artístico e o político, pelo menos nas propostas mais eficazes: aquelas que, diferentemente da politização direta dos anos anteriores, não distinguiam renovação estética e crítica política.

A denominação do espetáculo-show, “Opinião”, de dezembro de 64, já criara o signo feliz: a música de Zé Kéti, cantada por Nara Leão e depois por Maria Bethânia, dava o mote para a contestação: “Pode me prender/pode me bater/que eu não mudo de opinião”. Uma opinião que, em toda parte, significava inconformismo e resistência, hoje desatualizados. Embora diversos na contundência, o show do Teatro de Arena e a exposição geraram direções para a maioria das manifestações que estenderam (e distenderam) o signo da contestação até dezembro de 1968.

À Opinião 65 seguiram-se Propostas 65, Opinião 66, Nova Objetividade Brasileira (1967) e outras. Heterogênea, sem constituir-se, propriamente, num movimento com unidade de pensamento, a atividade dos artistas plásticos constituiu uma posição específica da vanguarda brasileira, considerada por Hélio Oiticica “um fenômeno novo no panorama internacional”.

O específico e o novo referem-se ao modo como a redistribuição estética, processada em todos os centros artísticos, foi aqui transfigurada culturalmente, pois, além de veicular toda sorte de inovação, articulou a crítica da arte (e do sistema de arte) à contestação política com particular eficácia. É a proposta de participação coletiva, que desintegra o objeto da arte e implica redimensionamento dos protagonistas (artistas e público), que no Brasil foi novo e singular. Em Opinião 65 já havia mostras disso, pelo menos com os “parangolés” de Hélio Oiticica, muito embora obras de Escosteguy, Vergara, Gerchman, Antonio Dias e Flávio Império, por exemplo, também indicassem caminhos determinantes da arte do período.

A exposição de 65, no Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro, foi idealizada pelo marchand Jean Boghici, da Galeria Relevo, e pela crítica de arte Ceres Franco, que vislumbraram conexões entre o trabalho de artistas brasileiros interessados na “volta à figuração” e alguns artistas franceses ou residentes em Paris que iam na mesma direção, inclusive na preocupação político-social. A iniciativa tinha por objetivo a atualização do meio artístico, aliando contribuição estética e visão de mercado. E isto foi também importante, pois evidenciou artistas desconhecidos ou pouco conhecidos e iniciou o processo de “dialetização” do meio.

O confronto serviu para diferenciar claramente o “novo realismo” europeu das experimentações brasileiras, tanto no trabalho com a imagem e nas maneiras de oposição ao informalismo e ao concretismo, como na figuração (ou alegorização) do político. Embora a intenção não fosse propor uma “ótica política”, como várias vezes declararam Jean Boghici e artistas participantes, o resultado não a desmentia, começando pela designação da mostra e traduzida em várias obras expostas. Expunham-se tendências diversas, do pop ao realismo mágico, dos objetos neoconcretos e neodadá ao figurativismo expressivo. Mas, em tudo, pretendia-se ser “anti” e “contra”.

*Celso Favaretto é crítico de arte, professor aposentado da Faculdade de Educação da USP e autor, entre outros livros, de A invenção de Helio Oiticica (Edusp).

 

 

 

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