PCO e a extrema direita

Imagem: Mariano Ruffa
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Por FRANCISCO FERNANDES LADEIRA*

O PCO é um partido político cujo objetivo não é necessariamente eleitoral, mas servir aos interesses particulares de seu presidente Rui Costa Pimenta

“O único candidato capaz de derrotar o Lula é Jair Bolsonaro, por isso a perseguição”. A frase que abre este artigo foi compartilhada por Jair Bolsonaro em suas redes sociais. A princípio, poderia ser mais um dos devaneios do ex-presidente inelegível se não fosse um detalhe que chamou a atenção. A frase – que insinua uma suposta perseguição do “sistema” a Jair Bolsonaro para favorecer Lula – foi dita por Rui Costa Pimenta, presidente do Partido da Causa Operária (PCO), organização classificada por muitos como “extrema esquerda”.

No entanto, quem acompanha o cenário político nacional dos anos últimos não se surpreendeu. Trata-se de mais uma etapa da estratégia discursiva do PCO para atrair o público de extrema direita. Ao que tudo indica, foi muito bem-sucedida, haja vista a repercussão positiva da fala de Rui Costa Pimenta entre a bolha bolsonarista.

Isso não significa compactuar com a chamada “teoria da ferradura”, que parte do falacioso argumento de que extrema esquerda e extrema direita seriam opostos de um espectro político linear e contínuo que se aproxima, da mesma forma que o fim de uma ferradura.

Para entender o porquê do (aparentemente paradoxal) interesse do PCO no público do espectro ideológico oposto é importante tecer algumas palavras sobre o modus operandi dessa organização partidária.

Como bem pontuaram Pedro Zambarda e Kiko Nogueira, em live do Diário do Centro do Mundo (DCM), o PCO é um partido político cujo objetivo não é necessariamente eleitoral, mas servir aos interesses particulares de seu presidente Rui Costa Pimenta. Não por acaso, praticamente toda a família de Pimenta ocupa cargos na direção partidária.

Caso se tratasse de uma empresa, não haveria problema algum em empregar parentes, mas o PCO é um partido político que, como tal, recebe recursos públicos (Fundo Eleitoral). Portanto, as contas do partido, em boa medida pagas por todos nós, são de interesse nacional.

Em quase três décadas de existência, o PCO só elegeu um vereador (em uma aliança com a direita, no estado do Amazonas, que os membros do partido fazem questão de ocultar). Ao que tudo indica, o PCO não prioriza as vitórias eleitorais de seus quadros, pois não são raras as candidaturas indeferidas (por motivos banais, como falta de documentos) ou entrega de materiais de campanha para os candidatos somente após os processos eleitorais. “Não entramos nas eleições para vencer, mas para denunciá-las”, diz um dos mantras dos candidatos do PCO. Pura cortina de fumaça para esconder as reais intenções do partido.

Além do Fundo Eleitoral, o PCO obtém recursos financeiros por meio de rifas virtuais, financiamentos coletivos, superchats em canal do YouTube e nas vendas de jornais impressos, revistas e outros produtos em sua loja virtual. Portanto, para os propósitos do PCO, “consumidores” e “engajamento digital” são mais importantes do que “eleitores” e “votos”.

Diante disso, não é por acaso que boa parte dos discursos do PCO se alinha às bandeiras bolsonaristas (cujos adeptos atuam bastante nas redes sociais). Entre as últimas polêmicas do partido estão a campanha pelo voto impresso, a postura negacionista frente à pandemia da Covid-19, a negação de que o 8 de janeiro foi uma tentativa de golpe e a defesa de figuras ligadas ao pensando conservador, como Monark, Maurício Souza, Daniel Silveira, Allan dos Santos, Robinho e Daniel Alves. Nesse flerte com a extrema direita, também foram notórias as participações de Rui Costa Pimenta no Flow Podcast, no canal Arte da Guerra e no programa Pânico, da Jovem Pan.

Outra estratégia do PCO para obter maior engajamento digital (e consequentemente angariar mais potenciais “consumidores”) são as matérias com títulos sensacionalistas publicadas no jornal digital do partido (Diário Causa Operária). Alguns exemplos são categóricos: “Talibã faz mais pelas mulheres do que as feministas histéricas”, “Obrigado, Trump”, “Como as palhaçadas de Boulos levaram ao 7×1 contra a Alemanha”, “Vacina obrigatória: um devaneio autoritário e fascista do STF” e “Luta da mulher não pode ser usada como aríete contra direitos” (sobre a condenação do ex-jogador Robinho por estupro).

Desse modo, o PCO está frequentemente em evidência, sendo alvo de críticas da esquerda por seu “fogo amigo” e recebendo rasgados elogios de bolsonaristas. Maior engajamento digital, maior possibilidade de lucro.  Parafraseando um conhecido programa televisivo: “pequeno partido, grandes negócios”.

*Francisco Fernandes Ladeira é doutorando em geografia na Unicamp. Autor, entre outros livros, de A ideologia dos noticiários internacionais (CRV). [https://amzn.to/49F468W]


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