Ampliar o emprego industrial

Imagem: Erik Mclean
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Por VALTER POMAR*

Resposta ao artigo de Renato Dagnino

1.

Acabo de ler o artigo “Eleições no PT e a reindustrialização solidária”, do professor Renato Dagnino, postado no site A Terra é Redonda.

De saída, agradeço ao professor ter dedicado seu tempo a escrever um artigo a respeito da polêmica travada entre dois candidatos à presidência nacional do PT. Agradeço em particular o fato dele dedicar a maior parte do artigo a polemizar com minhas opiniões (ou pelo menos com o que ele acha serem minhas opiniões).

Confesso que algumas passagens do texto de Renato Dagnino são, para mim, de difícil compreensão. Assim vou me limitar a responder aquilo que eu consegui entender.

Renato Dagnino começa seu artigo afirmando que teria havido uma “falsa polarização entre Edinho e Valter Pomar nas eleições do PT: enquanto um defende economia solidária e outro reindustrialização, ambos ignoram que apenas 0,02% do PIB vai para redes solidárias contra 23% de subsídios à classe proprietária.”

Sobre a polarização ser falsa, discordo, pelos motivos que exponho a seguir. Sobre os fatos, no que me diz respeito obviamente não ignoro que o grande empresariado privado é subsidiado. A “eficiência” do capitalismo privado, por exemplo do agro pop, é em certa medida uma farsa contábil.

Além disso, como o próprio Renato Dagnino reconhece no seu texto, minha posição é defender a economia solidária & a reindustrialização. Quem defende uma coisa ou outra não sou eu.

Renato Dagnino trata como “natural” que tenha havido uma polarização entre “os candidatos à presidência do PT das duas correntes que se têm confrontado no seu interior e na mídia de esquerda: Edinho (Construindo Um Novo Brasil) e Valter Pomar (Articulação de Esquerda)”.

Que a polarização ocorreu, é um fato. Que outras candidaturas preferem muitas vezes fazer um debate oblíquo, também é verdade. Mas a polarização Articulação de Esquerda versus Construindo Um Novo Brasil não tem, na minha opinião, nada de “natural”, até porque Edinho faz um grande esforço para fugir do debate. Nós da Articulação de Esquerda somos muitas vezes forçados a provocar, para que algum debate explícito possa ocorrer.

Renato Dagnino afirma que “a corrente representada por Valter Pomar tem mostrado não considerar a proposta de Edinho, de que a economia solidária é portadora daquela condição essencial para um desenvolvimento mais igualitário, sustentável etc. E que, por isso, ela não é merecedora da importância que seu oponente a ela confere.”

Minha opinião não coincide com esta síntese feita por Renato Dagnino. Pelo contrário, nós da tendência petista Articulação de Esquerda defendemos que a economia solidária é parte do mix de políticas estruturais da esquerda brasileira, tanto agora quanto no socialismo.

2.

Minha divergência com Edinho é que, na minha opinião, ele trata a economia solidária como se fosse uma alternativa estrutural tanto à industrialização quanto ao socialismo.

Renato Dagnino afirma, também, que “alguns integrantes dessa corrente [a AE] a consideram um resquício fora de lugar e tempo das propostas do socialismo utópico superadas pela consolidação do capitalismo e suplantadas pelas experiências socialistas. Como algo desmobilizador e diversionista que deve ser denunciado como um tipo de colaboracionismo e até de traição à classe trabalhadora”.

Eu desconheço quem são os “integrantes dessa corrente” que pensam isso. Apreciaria que Renato Dagnino nos informasse quem são estas pessoas, no plural. Mas se existem, não representam a posição da nossa tendência.

Falo isso na condição de quem participou da redação de praticamente todas as resoluções da Articulação de Esquerda e nunca, absolutamente nunca, escrevemos e aprovamos algo tão idiota quanto falar da economia solidária como “resquício fora de lugar e tempo”, “desmobilizador”, “diversionismo”, “colaboracionismo” e “traição”.

Por esses e outros motivos, acho que Renato Dagnino viaja na maionese ao atribuir à tendência petista Articulação de Esquerda algo que nunca pensamos, que nunca dissemos e que nunca defendemos. Lembro que somos das poucas tendências do PT que realiza sistematicamente congressos e aprova regularmente documentos públicos com nossas posições.

Talvez por nos atribuir uma posição que não é a nossa, Renato Dagnino afirme que minha fala no encerramento do debate de 3 de junho talvez tenha sido feita “devido à insistência de Edinho”.

Lembro o que eu disse: “Eu sou 100% a favor da economia solidária, do cooperativismo. Mas, eu gostaria de ouvir a mesma ênfase para a industrialização. O Brasil não vai sair da situação primário-exportadora sem industrialização”.

Cá entre nós, não precisamos da “insistência” de ninguém para dizer a obviedade acima. O espantoso é que tenhamos que “insistir” em reafirmar a necessidade da industrialização. Mas a triste realidade é que existem pessoas no Partido, como Edinho, que não compartilham da mesma ênfase.

Renato Dagnino fez em seu texto toda uma digressão sobre “uma interpretação possível” da minha observação. O mais divertido nessa digressão é que seu foco está no que eu supostamente penso acerca da industrialização. Com isso, o que eu perguntei no debate de 3 de junho – a saber, por qual motivo Edinho não dá ênfase para a industrialização – simplesmente desaparece. O que faz Renato Dagnino nessa passagem do seu texto é um clássico da retórica: inverter a direção do inquérito.

3.

Acerca do mérito da digressão de Renato Dagnino, faço duas observações. Primeiro: eu não confundo industrialização com subsídios concedidos pelo Estado à fração industrial da classe dominante. Segundo: o tipo de industrialização que eu defendo não é uma repetição do que houve no passado.

Aliás, simplesmente não acho possível – na atual etapa do capitalismo – uma industrialização similar a ocorrida entre 1930 e 1980.

Noutras palavras, o que eu defendo não é o que está fazendo o governo Lula 3. Entre outros motivos porque não acho crível que “os mesmos atores que desindustrializaram o País em busca de oportunidades de lucro mais atrativas estejam dispostos, mediante relativamente pequenos subsídios adicionais que ela promete, a voltar à cena da indústria”.

Ademais, sou favorável a ampliar muito os recursos destinados à chamada economia solidária. E acho que isso cumpriria um papel importante no tipo de reindustrialização que necessitamos. Mas não estou de acordo com a premissa de Renato Dagnino, segundo a qual metade da nossa força de trabalho “provavelmente nunca [terá] emprego e salário”.

Esta premissa de Renato Dagnino é, na minha opinião, o ponto de contato entre as posições dele e as de Edinho. Ao contrário de ambos, eu parto da premissa de que é possível ampliar significativamente o emprego industrial, se houver a devida combinação entre ampliação do bem-estar social, investimento na infraestrutura, altas doses de ciência e tecnologia, reforma agrária, estatização do capital financeiro, substituição de importações e redução da jornada de trabalho.

Renato Dagnino diz que “ao contrário do que deu a entender o Valter Pomar, o apoio à economia solidária é muitas ordens de grandeza menor do que aquele que recebe a ‘industrialização’.”

Como afirmei noutra passagem deste texto, eu não “dei a entender” absolutamente nada disto. E obviamente não penso isto. Minha impressão é que Dagnino está espancando uma caricatura que ele próprio criou, mas que não coincide com o que eu penso.

Aliás, ressalto que no debate com Edinho acerca da industrialização e da economia solidária, em nenhum momento eu discuti o que está sendo feito pelo governo Lula 3.

4.

Se eu estivesse discutindo o que está sendo feito agora, eu diria mais ou menos o seguinte: o que está sendo denominado de reindustrialização não vai produzir a reindustrialização que o país necessita. E diria, também, que o Estado segue subsidiando as frações dominantes do capital com muito mais recursos do que os destinados a todos outros setores da sociedade. E isso tampouco produzirá o tipo de reindustrialização que necessitamos.

No final de seu texto, Renato Dagnino fala da “obsolescência do conceito de indústria que nos lega um passado capitalista em ruínas”. Infelizmente isto é não é verdade. Basta olhar para a queda de braço titânica entre Estados Unidos e China para perceber que o conceito e a realidade prática da “indústria” seguem sendo decisivos. Logo, se o Brasil abrir mão da reindustrialização, seguiremos estruturalmente dependentes e servis frente àqueles que possuem liderança industrial, científica e tecnológica.

Uma grande novidade é que hoje, diferente do passado, nenhuma fração da classe capitalista brasileira tem interesse e/ou capacidade de liderar a reindustrialização do país. Esta novidade torna possível e necessária uma industrialização de novo tipo, seja na relação com os trabalhadores assalariados, seja na relação com o meio ambiente, seja na relação com os trabalhadores que são pequenos proprietários ou “contapropistas”, seja no padrão científico e tecnológico.

Que nessa industrialização de novo tipo a chamada economia solidária terá muito a contribuir, não tenho dúvida alguma. Assim como não tenho dúvida de que os maiores interessados num discurso que relativiza, minimiza, secundariza e omite o papel da industrialização são aqueles que defendem manter o Brasil como economia primário-exportadora e paraíso do capital financeiro.

Uma observação mais: o candidato que defende o status quo criticado por Renato Dagnino não sou eu, é Edinho. Mas tirante uma gozação inicial, Edinho é no fundamental poupado das críticas. Por quais motivos a preferência, só Renato Dagnino poderá responder.

*Valter Pomar é professor da Universidade Federal do ABC e membro do Diretório Nacional do PT.


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