Religious-political essays on judaism

Koshelev Egor, Acrílico na janela, 2010
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Por ARI MARCELO SOLON*

Comentário sobre o livro de Margaret Susman, organizado por Elisa Klapheck

1.

Elisa Klapheck reuniu seis ensaios de Margaret Susman, significativos sobre o judaísmo. É digno de nota o esforço da organizadora em compilar e apresentar elementos da obra de Margaret Susman – considerada uma das mais importantes filósofas do Século XX – traduzidos, no caso, do alemão à língua inglesa, motivo pelo qual procedemos a uma breve apresentação.

A editora, Elisa Klapheck, nascida em Dusseldorf, em meados de 1962, tornou-se rabina da Comunidade Judaica de Frankfurt e professora responsável pela cadeira de estudos judaicos na Universidade de Paderborn. Com enfoques variados, vale mencionar seu tópico central: a relação entre ideias políticas e judaísmo. Passemos agora a um tratamento especificamente voltado ao livro.

Sem abordar os títulos específicos dos artigos, destacam-se os temas centrais: diálogo judeu-cristão, emancipação das mulheres, revolução, socialismo religioso, anarquismo, renascimento judaico, messianismo secular, diáspora, exílio, expiação política, teshuvá e lei divina.

Agora, especificamente a respeito dos títulos dos escritos de Margaret Susman presentes no compilado proposto por Elisa Klapheck, temos: (i) The Revolution and the Jews (1919); (ii) The Question of Job in Franz Kafka (1929); (iii) Judaism: A World Religion (1932); (iv) The Problem of Emancipation (1934); (v) Ezekiel: The Prophet of Return (1942); (vi) Israel’s Path (1948).

Na década de 1920, Basileia e Zurique abrigavam numerosos intelectuais judeus ligados ao círculo do poeta Stefan George. Entre eles estava Margaret Susman (1872–1965), inicialmente poetisa e membro do grupo em torno de George. Margaret Susman se uniu à Revolução Soviética na Baviera, liderada por Gustav Landauer, e, posteriormente, no exílio suíço, engajou-se pelo socialismo religioso de Leonhard Ragaz.

2.

A Revolução de 1918 na Baviera aconteceu no contexto do fim da Primeira Guerra Mundial e da queda da monarquia alemã. Inspirados pelos ideais socialistas da Rússia, trabalhadores e soldados proclamaram a República Soviética da Baviera, um governo radical que buscava reformas sociais profundas. Esse governo durou pouco, sendo esmagado por tropas conservadoras e milícias. Entre os líderes estava o anarquista Gustav Landauer, que foi capturado e morto durante a repressão, tornando-se um símbolo da luta e do sofrimento dos revolucionários na Baviera.

No ano de 1918, Margaret Susman apoiou a Revolução de Novembro e a República Soviética de Munique, fundada por Gustav Landauer e outros. Além de seu engajamento político, característico dela era a construção de uma ponte entre o judaísmo e o cristianismo, enfatizando, na simbiose judaico-alemã da época, a aproximação das duas tradições metafísicas em vez da separação.

Na reflexão de Margaret Susman sobre a teodiceia do livro de Jó, a grande questão é: onde se encontra a justiça da vida? Enquanto a feminista Bertha Pappenheim, curada por Breuer, concentrava-se no desenvolvimento da Halachá, a lei judaica, Margaret Susman propunha uma nova filosofia da lei divina (Klapheck; Dämmig, 2003).

Aliás, Bertha Pappenheim era ninguém menos do que a paciente Anna O., cujo caso paradigmático firmou os conceitos de cura pela fala e de transferência, conforme posteriormente desenvolvido por Freud (2016). A questão central do Jó de Margaret Susman é enfrentar todas as catástrofes do século sem ceder à perda da fé.

A respeito da obra O livro de Jó, trata-se de um dos livros da seção dos “Escritos” (Ketuvim) da Bíblia hebraica (Tanach) e o primeiro dos livros poéticos do Antigo Testamento da Bíblia cristã. A narrativa aborda o problema da teodiceia – a justificação da justiça de Deus à luz do sofrimento da humanidade – e é uma obra teológica que apresenta diversas perspectivas sobre a questão.

Resposta a Jó (em alemão: Antwort auf Hiob) é um livro de 1952 de Carl Jung que trata do significado do Livro de Jó no “drama divino” do cristianismo. Argumenta que, embora tenha se submetido à onipotência de Javé, Jó mostrou-se, ainda assim, mais moral e consciente do que Deus, que o atormentou sem justificativa, incitado por Satanás. Esse escândalo tornou necessário que Deus se unisse ao homem. Satanás foi banido do céu e Deus se encarnou como pura bondade, por meio de um nascimento virginal, no redentor sem pecado Jesus Cristo.

3.

Para Margaret Susman (1932), a justiça divina, à luz do livro de Jó, não se manifesta de forma imediata ou tangível. Ela se revela na experiência existencial do desabrigo humano, no sofrimento coletivo e histórico do povo judeu e na responsabilidade ética do indivíduo. A proibição de imagens divinas (Entbildlichung) indica que a justiça de Deus não pode ser limitada ou totalmente concebida, sendo um processo ético e espiritual contínuo.

A principal condição humana é o desabrigo existencial do indivíduo. O judaísmo acolhe essa condição ao aceitar o exílio como situação coletiva fundamental e desenvolve ainda mais esse conceito. A partir dessa perspectiva, Margaret Susman (1932) interpreta historicamente a proibição de imagens divinas, mostrando que o primeiro mandamento exige um poder primordial de não imaginar: Entbildlichung.

No que concerne à conclusão, pudemos verificar que a coletânea de ensaios de Margaret Susman revela-se uma contribuição indispensável aos estudos judaicos, em função de demonstrar como o pensamento da autora sintetiza, de forma singular, um valoroso engajamento político-social com uma profunda reflexão de caráter teológico.

O ponto fulcral da obra de Margaret Susman reside na interpretação da condição humana como um “desabrigo existencial”, onde a justiça divina, à luz do livro de Jó, não se manifesta de forma tangível, mas no âmbito da responsabilidade ética e do sofrimento histórico.

Por fim, o exílio não deve ser compreendido como mera contingência, mas como o espaço por excelência para um contínuo processo de busca por justiça e teshuvá.

*Ari Marcelo Solon é professor na Faculdade de Direito da USP. Autor, entre outros, livros, de Caminhos da filosofia e da ciência do direito: conexão alemã no devir da justiça (Prisma). [https://amzn.to/3Plq3jT]

Referência


Margaret Susman. Religious-Political Essays on Judaism. Organizado por Elisa Klapheck. Tradução: Laura Radosh. New York, Palgrave Macmillan, 2022, 142 págs. [https://amzn.to/4nE6xil]

Bibliografia


KLAPHECK, E.; DÄMMIG, L. Bat Kol—Die Stimme der Bertha

Pappenheim. In: B. Pappenheim (Ed.), Gebete, mit einem Nachwort von

Margarete Susman. Berlin: Hentrich & Hentrich, 2003.

FREUD, S. Obras completas, volume 2: estudos sobre a histeria (1893–1895) em coautoria com Josef Breuer. Tradução: Laura Barreto. Revisão da Tradução: Paulo César de Souza. São Paulo: Companhia das Letras, 2016.

SUSMAN, M. Das Judentum als Weltreligion. Mitteilungsblatt der jüdischen Reformgemeinde Berlin, 1 jul. 1932.


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