Por ANDREW KORYBKO*
A tomada de Avdeevka mostra que a guerra por procuração da OTAN através da Ucrânia é uma causa perdida após a queda da última cidade-fortaleza da antiga República Soviética
A Rússia finalmente capturou a cidade-fortaleza ucraniana de Avdeevka, após uma prolongada batalha que terminou com a retirada caótica de Kiev e o abandono de suas tropas feridas. O momento ocorreu no fim de semana exatamente quando a elite ocidental se reunia na Alemanha para a Conferência de Segurança de Munique deste ano, o que lhes permitiu, convenientemente, planejar seus próximos passos nesta guerra por procuração. No entanto, não se espera qualquer ajuda financeira ou militar significativa, apesar dos pactos de segurança fechados recentemente pela Ucrânia com a Alemanha e a França.
Em vez disso, como foi explicado aqui no início do mês ao analisar a última Cúpula Biden-Scholz em Washington, D.C., o foco do Ocidente será a contenção a longo prazo da Rússia na Europa para além das fronteiras da antiga República Soviética. Para esse fim, o papel da Alemanha como parceiro preferido dos EUA na União Europeia para “liderar a partir de trás” se tornará mais proeminente, o que assumirá a forma da conexão do “Schengen militar” com o Triângulo de Weimar revivido, a fim de acelerar a construção da “Fortaleza Europa”.
As três análises anteriores explicam estes conceitos de forma mais aprofundada, assim como sua relação, mas que podem ser resumidas em como a Alemanha está explorando sua subordinação abrangente da Polônia para retomar sua trajetória de superpotência há muito perdida, após um hiato de quase oito décadas. A razão pela qual a atenção do Ocidente se voltará para a aceleração desta mudança geoestratégica em vez de se agarrar à sua guerra por procuração contra a Rússia através da Ucrânia depois de Avdeevka é porque agora está claro que esta última é uma causa perdida.
A Rússia já ganhou a “corrida logística”/“guerra de atrito” com a OTAN que o secretário-geral Stoltenberg declarou há quase exatamente um ano, como ficou provado pelo fracasso da contraofensiva e a subsequente inversão da dinâmica deste conflito, em que a Ucrânia está agora de novo na defensiva. O substituto do ex-comandante-em-chefe Zaluzhny, Syrsky, admitiu isto explicitamente na semana passada, antes da desastrosa retirada de Avdeevka, que é considerada a última grande fortaleza de Kiev no Donbass.
O palco agora está montado para uma ofensiva russa, que poderá arrasar muito em breve o resto da região, na melhor das hipóteses, da perspectiva de Moscou, e, na pior das hipóteses, do ponto de vista do Ocidente. Isto não quer dizer que de fato acontecerá dessa forma, porque o chamado “nevoeiro de guerra” torna impossível discernir com precisão todas as capacidades defensivas da Ucrânia atrás da Linha de Contato, mas não é sem razão que o Ocidente está em pânico e Volodymyr Zelensky decidiu culpá-lo pela sua última derrota.
Ele queixou-se de que a responsabilidade era da chamada “falta artificial de armamento”, numa alusão ao impasse no Congresso sobre mais ajuda à Ucrânia, com o qual Joe Biden concordou para pressionar seus adversários políticos. A morte inesperada de Navalny na sexta-feira foi aproveitada pelos falcões anti-russos para exigir que a Câmara aprovasse o projeto de lei do Senado de financiamento da guerra por procuração quando retomar a sessão no final deste mês, mas mesmo que seja aprovado, o problema é que os EUA já utilizaram seus estoques.
Embora seja possível que possa mergulhar nas reservas que guardou para satisfazer suas necessidades de segurança nacional e coagir seus vassalos a fazer o mesmo, o fato é que o fracasso da contraofensiva, apesar da ajuda muito maior dada a Kiev até então, sugere que isso não fará diferença. O que quer que fosse enviado seria utilizado apenas para manter a Linha de Contato o maior tempo possível e impedir um avanço russo, a fim de perpetuar o impasse que Zaluzhny foi o primeiro a admitir que se tinha instalado no outono.
Na verdade, essa descrição era inexata, uma vez que a Linha de Contato continua deslocando-se gradualmente para oeste e o ritmo poderá acelerar após a captura de Avdeevka pela Rússia. O presidente Vladimir Putin já deu sinais de que não vai parar enquanto seus pedidos de garantia de segurança não forem atendidos por meios militares ou diplomáticos, depois de ter lamentado recentemente não ter ordenado o início da operação especial mais cedo e de ter dito no domingo, após a queda da cidade-fortaleza ucraniana, que a vitória é “uma questão de vida ou de morte” para a Rússia.
Ainda não está claro quando e em que termos o conflito terminará, mas a escrita está na parede e diz claramente que os pedidos de garantia de segurança da Rússia serão satisfeitos de uma forma ou de outra, razão pela qual o Ocidente está agora planejando uma “confrontação” de décadas com a Rússia, segundo as próprias palavras de Stoltenberg. É aqui que reside o significado da mudança geoestratégica que foi identificada anteriormente nesta análise relativamente ao papel da Alemanha como o principal parceiro dos EUA para “Liderar a partir de trás”, a fim de conter a Rússia na Europa.
Para atingir esse objetivo, os exercícios continentais da OTAN “Steadfast Defender 2024” – os maiores desde o fim da Guerra Fria – terão como objetivo otimizar a implementação parcial do “Schengen militar” entre Alemanha, Polônia e Países Baixos, ao qual a França deverá aderir em breve. É provável que os países bálticos também participem, uma vez que necessitam de apoio para construir sua chamada “Linha de Defesa do Báltico”, que poderá se estender até o Ártico se a Finlândia também se envolver, como é esperado.
O Triângulo de Weimar reavivado entra em jogo, uma vez que a Alemanha necessita do apoio francês, pois Berlim não pode, de modo realista, fazer tudo isto sozinha, o que, por sua vez, exigiu a subordinação militar da Polônia ao seu vizinho ocidental, através do pacto logístico acima mencionado entre ambos. Um corredor militar da França à Estônia, que poderia chegar à Finlândia através da Dinamarca-Suécia (a segunda é aspirante à OTAN e é esperado que se junte a este novo “Schengen”), está, portanto, tomando forma perante os olhos do mundo.
A tomada de Avdeevka pela Rússia repercutirá, portanto, em toda a Europa, acelerando a implantação destes planos de contenção de longo prazo, uma vez que a guerra por procuração da OTAN através da Ucrânia é obviamente uma causa perdida após a queda da última cidade-fortaleza da antiga República Soviética. É a esta dinâmica geoestratégica que os observadores devem prestar mais atenção do que a qualquer outra coisa, uma vez que a retomada da trajetória de superpotência da Alemanha, há muito perdida, é um desenvolvimento de importância global.
*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]
Tradução: Fernando Lima das Neves
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