Por ANDRÉ MÁRCIO NEVES SOARES*
É preciso perseverar e esperançar por dias melhores
As últimas pesquisas do Ipec e do DataFolha anunciam o fim de quatro anos de escuridão para a maioria da sociedade brasileira. De fato, desde a eleição de Bolsonaro, chegamos a ter lampejos de barbárie com a negação da vacina COVID-19 por parte desse governo, a passagem da boiada por parte do agronegócio ilegal, capitaneada pelo ex-ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, além do recente escândalo da compra de 25 imóveis pela família do presidente em dinheiro vivo, totalizando mais de 50 milhões de reais. Isso tudo apenas para ficar em alguns poucos exemplos.
O show de horrores desse final de semana passado, em Londres, no funeral da rainha Elisabeth II, com discursos para uma módica tropa de apoiadores no local; figurino da primeira-dama que mais parecia um desfile de moda fúnebre; e gafes medonhas praticadas pelo presidente, parece sepultar de vez os ânimos dos últimos acólitos do “centrão” já dividido. A última cartada do governo Bolsonaro parece ter sido o discurso de abertura da Assembleia Geral da ONU. Todavia, este se revelou mais do mesmo, pelo forte apelo eleitoral combinado com fakes news. Por exemplo, ter dito que no seu governo foi extirpado a corrupção; ter se gabado de uma suposta queda de 7,7% no número de feminicídios; além de ter assumido a conclusão do projeto de transposição do rio São Francisco.
A sinalização contrária ao golpe vinda dos Estados Unidos, por mais de uma vez, se for a valer como parece, é a pá de cal nas intenções golpistas dos desesperados da vez. Infelizmente, quer queiramos ou não, o adágio que diz que “o que é bom para os Estados Unidos é bom para o resto das Américas” ainda é verdadeiro. Daí a torcida fanática deste escriba pela vitória de Joe Biden contra Donald Trump. Menos por afinidades políticas do que por praticidade. De fato, o soft power dos democratas é, nesse momento, menos danoso para nossas eleições do que o “trumpismo” desvairado. Sem a chancela de Washington, são poucas as chances dos militares “lesas-pátrias” avançarem contra a ordem democrática nacional.
Por conseguinte, à medida que as pesquisas eleitorais se avolumam, próximo das eleições, já é possível verificar movimentos disfarçados de desembarque do navio bolsonarista. Por exemplo, a maior igreja evangélica do país, a saber, a Igreja Universal do Reino de Deus, que tem como seu líder máximo o bispo Edir Macedo, já prepara seu abandono das hostes da extrema direita (pelo menos no discurso).[1] Também alguns integrantes do “centrão” já estão recalculando suas rotas políticas para se aproximar da candidatura de Lula.[2]. O próximo passo deve ser a grande mídia que ainda continua vociferando contra Lula amenizar seus ataques. Com efeito, se a própria Rede Globo fez uma espécie de “mea culpa” a Lula, na entrevista de 25 de agosto, é provável que outros meios de comunicação de grande porte, como o SBT de Silvio Santos, e seu ministro-genro, pensem em breve mais no próprio bolso do que em ideologias.
Isto posto, fato é que desde que Lula anunciou sua candidatura, na verdade até mesmo antes disso, o cenário só fez piorar para as hordas do governo atual. De fato, até o presente momento, Lula sempre esteve à frente nas inúmeras pesquisas eleitorais, dos mais diversos vieses ideológicos (sim, as pesquisas possuem ideologias, ainda que mitigadas pela narrativa da técnica).
É verdade que houve apreensão na campanha “lulista” com o início do pagamento da esmola de R$ 600,00 reais, dado pelo governo Bolsonaro a uma parcela dos mais miseráveis, na vã tentativa de reverter sua queda. Entretanto, parece claro, há duas semanas do pleito eleitoral, que a esmola chegou tarde demais e para poucos, apesar do grande alarde oficial.
Nesse sentido, é igualmente verdade que a redução dos combustíveis, e da inflação por tabela nesses últimos dois meses, também serviu para que os congressistas aliados do presidente tentassem enaltecer a capacidade interventora do mesmo na economia, a despeito do claro predomínio do paradigma neoliberal do seu governo, no intuito de criar uma imagem de protetor dos mais desfavorecidos. Tarde demais. Após quase quatro anos de uma política econômica de completo desmantelamento da economia nacional, apenas os que Brecht chama de “criminosos” ainda são capazes de defender o, de longe, pior governo civil da história desse país.[3]
Contudo, é preciso ter em mente que a vitória ainda não está ganha. Se as pesquisas eleitorais indicam a possibilidade de uma vitória no primeiro turno, esta não pode ser dada como favas contadas. A meu ver, um cenário de segundo turno, com a disputa entre uma minoria de extrema direita desesperada e bárbara, contra a maioria da população brasileira que só quer voltar a viver em paz, com o mínimo necessário para sobreviver dignamente, como foi nos dois governos de Lula, e no primeiro governo de Dilma Rousseff, parece mais plausível. Infelizmente. Daí não vermos o desembarque em massa da tropa de choque do “centrão”. Como abutres, eles ainda farejam a carniça do governo Bolsonaro.
Por tudo o que foi exposto acima, é preciso perseverar e esperançar por dias melhores. É bom ver que a campanha de Lula não está parada em “berço esplêndido”, só esperando o resultado das urnas. De resto, que Padre Júlio Lancelotti nos abençoe. E tomara que eu não volte a escrever sobre isso, em um possível segundo turno.
*André Márcio Neves Soares é doutorando em políticas sociais e cidadania na Universidade Católica do Salvador (UCSAL).
Notas
[2] https://www.canalmeio.com.br/edicoes/2022/09/19/centrao-comeca-a-se-reaproximar-de-lula/
[3] Para Bertold Brecht, “aquele que não conhece a verdade é simplesmente um ignorante, mas aquele que a conhece e diz que é mentira, este é um criminoso”;