Por ANGELITA MATOS SOUZA*
A comunicação ruim reflete a dificuldade para se competir com as forças da extrema-direita nas redes sociais
Aos 100 dias do governo Lula 3, publiquei [no GGN] um artigo intitulado “Cem dias de alegrias”. Seria possível agora escrever um texto intitulado 365 dias de alegrias?
Infelizmente, não. Na época, estávamos no auge da sensação de alívio com a retirada do bode da sala, sensação que já se dissipou. Além disso, o Brasil não é uma ilha, sem comunicação com o mundo exterior, e a tragédia em Gaza proíbe a palavra alegria para se abordar o ano de 2023. Para piorar, los hermanos elegeram El loco, sendo a Argentina aquele irmão que criticamos, mas não queremos perder, pois parte de nós. E poderia prosseguir com mais tristezas internacionais, porém nada se compara ao massacre em Gaza.
No entanto, considerando apenas o Brasil, concordo com Celso Rocha de Barros, não dá para classificar de ruim um ano que começou com uma tentativa de golpe e terminou com uma reforma tributária. Durante o qual foi possível dormir sem medo de acordar em uma ditadura, ou de passar alguma grande vergonha internacional (sim, eu me importo com os olhos do estrangeiro).
Como andam dizendo, “o Brasil voltou”, não é mais um pária no cenário internacional, em boa medida porque o governo “rompeu com a ruptura” do combate ao desmatamento da floresta amazônica, que arrefeceu, trazendo esperança à preservação do meio ambiente. Ademais, o presidente é uma liderança carismática, cuja biografia encanta o mundo.
Do ponto de vista político-institucional e econômico, as relações com o Legislativo fluíram, custosamente, mas a dita governabilidade compareceu. Assim como o crescimento da economia, contrariando todas as previsões do tal mercado, e o desemprego caiu. Provavelmente, poderia ter sido melhor, não fossem as previsões do mercado desestimulantes aos investimentos, sem falar nos juros altos. Neste contexto, o novo arcabouço fiscal pareceu-me a resposta possível.
Muita gente escreveu sobre os aspectos positivos do primeiro ano do governo Lula 3, não serei repetitiva, e anotarei apenas um aspecto negativo sublinhado por vários analistas: a comunicação ruim, refletida na estabilidade dos índices de aprovação ao governo, apenas satisfatórios.
É provável que melhore quando os efeitos de várias iniciativas políticas, no campo socioeconômico, começarem a aparecer ao longo deste ano. Por enquanto, a polarização política segue intensa e a sensação de bem-estar material insuficiente para elevar os índices de aprovação ao governo.
A comunicação ruim reflete a dificuldade para se competir com as forças da extrema-direita nas redes sociais, uma vez que o instrumento principal utilizado por elas é a espetacularização baseada em mentiras deslavadas. Um governo social-democrata deve combater esse submundo e não adentrar nele. Durante a campanha, certa concessão ao janonismo foi útil, mas basta. O fato é que nas redes sociais dificilmente o governo vencerá, mas certamente tem incompetência na condução da comunicação, sendo possível melhorar.
Por seu turno, a mídia tradicional atua com uma arma apontada para o governo Lula 3, qualquer desvio dos desejos do tal mercado, mandam chumbo. Vejam como criticaram as declarações do presidente sobre os juros altos. Nesta guerra, até descobri uma vantagem na independência do Banco Central, não que vá defendê-la, contudo apreciei ouvir o presidente Lula criticar a política de juros altos ao longo de 2023. Algo impossível nos governos Lula 1 e 2.
Agora imagino que quando o presidente fala contra uma diretriz isso tenha peso, muito mais que a mesma crítica da parte de economistas heterodoxos. Aguardo ansiosamente o Banco Central pós-Bob, inclusive (ou sobretudo) porque estudo os limites estruturais impostos pelas situações de dependência, contrapostos à vontade política, e torço por esta (mas costumo perder).
Por fim, se as previsões do mercado acertarem com relação a 2024 e o crescimento do PIB desapontar, acho que eleitoralmente não será muito grave, pois dois anos são suficientes para virar o jogo e ganhar as eleições com expansão dos gastos e a máquina do Estado em mãos. Bolsonaro perdeu porque seu governo foi muito ruim, em especial na condução da pandemia, e o adversário era o Lula. Também não teve o apoio do governo Biden para saídas golpistas
Já Lula é bem capaz de conquistar Trump (se ele voltar) e, internamente, creio que ajudaria se o PT renunciasse ao hegemonismo e compusesse uma chapa encabeçada por alguém de outro partido. Nem penso na reeleição porque acho que octogenários não devem carregar o peso de uma presidência. Mas se não tiver tu, vai tu mesmo.
*Angelita Matos Souza é cientista política e professora no Instituto de Geociências e Ciências Exatas da Unesp. [https://amzn.to/47t2Gfg]
Publicado originalmente no GGN.
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