Carta a Geraldo Alckmin

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA*

Tarifas ainda são o principal instrumento de qualquer política industrial bem-sucedida

Meu caro vice-presidente e ministro do Desenvolvimento, escrevo-lhe esta carta para lhe falar de política industrial e de tarifas aduaneiras. Sim, tarifas aduaneiras. Li hoje uma excelente reportagem na revista Carta Capital sobre o projeto de política industrial que você e sua equipe estão prestes a concluir. Como seus assessores observam, é realmente uma nova política industrial.

Nova porque ela não se estrutura por setores, mas por missões: construir cadeias industriais sustentáveis, consolidar o complexo industrial da saúde, desenvolver a infraestrutura, promover a transformação digital, desenvolver a bioeconomia, desenvolver tecnologias estratégicas. Para cada missão haverá um grupo de trabalho a cuidar da implantação e da supervisão das políticas industriais. Parece-me tudo ótimo. Não tenho nada a acrescentar.

Quero, porém, discutir os instrumentos. Curiosamente, a expressão “política industrial” só passou a ser regularmente utilizada depois da “virada neoliberal” de 1980. Antes, os países em desenvolvimento praticavam a política industrial, mas não usavam esse nome, e, sim, política de substituição de importações.

O grande instrumento de política industrial que era então usado eram as tarifas aduaneiras. O neoliberalismo naturalmente criticou violentamente a política de substituição de importações, chamando as tarifas de “protecionistas”. Tiveram êxito porque, a partir dos anos 1980, o neoliberalismo se tornou dominante em toda parte e porque o modelo de substituição de importações já estava dando sinais de relativo esgotamento.

O que sobrou para o mundo subdesenvolvido, para nós, foi a política industrial, que também era criticada pela nova “verdade”, mas com menos ênfase. Porque estava baseada em subsídios fiscais e creditícios que o Império sabia serem limitados porque caros. Mesmo, portanto, que usássemos política industrial, não iríamos longe.

Na periferia do capitalismo, nos países em desenvolvimento, nós, economistas desenvolvimentistas, aceitamos docemente a nova ordem das coisas. Criticávamos duramente o neoliberalismo, mas esquecemos as tarifas, como se elas houvessem perdido sentido.

Meu caro Geraldo Alckmin, as tarifas não perderam sentido. Elas continuam ou devem continuar a ser o principal instrumento de qualquer política industrial bem-sucedida. Estou propondo que você as considere no seu projeto de política industrial.

Estaria sugerindo que voltemos à política de industrialização por substituição de importações? Não, a indústria brasileira já não é uma indústria infante. Pode sê-lo em novos setores, mas isso não legitima voltarmos a essa política. Ela foi fundamental no início da industrialização, mas essa fase está superada.

Como justificar, então, que voltemos a usar tarifas? As tarifas elevadas que tivemos até 1990 – o ano da desastrosa liberalização comercial – não se justificavam apenas pelo argumento da indústria infante (que não era mais aplicável), mas também pelo argumento da neutralização da doença holandesa. Como esse segundo fato não foi considerado, a liberalização comercial desencadeou um violento processo de desindustrialização.

Mas há uma justificação mais geral. Os dois argumentos anteriores – o da indústria infante e o da neutralização da doença holandesa – supõem que, não existindo os dois problemas, o mercado internacional garantirá que os recursos econômicos serão aplicados pelos países de forma ótima. Ora, sabemos que essa é a tese da ortodoxia neoliberal – que sempre se mostrou falsa quando aplicada.

Não estou propondo que voltemos às tarifas elevadas adotadas no período de grande desenvolvimento do Brasil (1950-1980) e ainda na crise dos anos 1980. Devemos, porém, usar tarifas aduaneiras sistematicamente. Usá-las como instrumento de política industrial ao lado dos subsídios.

Mas, poderão alguns arguir, o sistema tarifário brasileiro tem problemas –especialmente o fato de protegermos mais os insumos do que os bens acabados. Isso é verdade, mas daí não segue que devamos, primeiro, fazer uma reforma tarifária e depois usar as tarifas como instrumento de política industrial. Reduzir as tarifas de importação de insumos básicos envolve um processo difícil e demorado; usar tarifas aduaneiras no quadro da nova política industrial é algo que pode ser feito imediatamente.

*Luiz Carlos Bresser-Pereira é professor Emérito da Fundação Getúlio Vargas (FGV-SP). Autor, entre outros livros, de Em busca do desenvolvimento perdido: um projeto novo-desenvolvimentista para o Brasil (Ed. FGV).

Publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Plínio de Arruda Sampaio Jr. Valerio Arcary Milton Pinheiro Benicio Viero Schmidt Bernardo Ricupero Armando Boito Rafael R. Ioris Carlos Tautz Daniel Afonso da Silva Berenice Bento Igor Felippe Santos Ari Marcelo Solon Gerson Almeida Érico Andrade Luiz Roberto Alves Leonardo Avritzer Antônio Sales Rios Neto Luis Felipe Miguel Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Bruno Fabricio Alcebino da Silva João Carlos Salles Flávio R. Kothe José Luís Fiori Sandra Bitencourt Luciano Nascimento Luiz Renato Martins Denilson Cordeiro Ricardo Fabbrini Paulo Martins Maria Rita Kehl Mário Maestri Dennis Oliveira João Feres Júnior Michel Goulart da Silva Caio Bugiato Andrew Korybko José Raimundo Trindade Walnice Nogueira Galvão Luiz Bernardo Pericás Marilia Pacheco Fiorillo Michael Löwy Jean Pierre Chauvin João Carlos Loebens Leonardo Boff João Lanari Bo Matheus Silveira de Souza Ronald León Núñez Celso Favaretto Flávio Aguiar Eugênio Trivinho Airton Paschoa Thomas Piketty Anselm Jappe Paulo Capel Narvai Liszt Vieira Francisco Pereira de Farias Antonio Martins Vanderlei Tenório João Adolfo Hansen Ricardo Musse Osvaldo Coggiola Claudio Katz Marjorie C. Marona André Márcio Neves Soares Tales Ab'Sáber Ladislau Dowbor Marcus Ianoni Luiz Werneck Vianna André Singer Luiz Eduardo Soares Henry Burnett Jorge Branco Marcelo Guimarães Lima João Paulo Ayub Fonseca Luiz Carlos Bresser-Pereira Gilberto Lopes José Dirceu Bruno Machado Leda Maria Paulani Afrânio Catani Antonino Infranca Elias Jabbour José Micaelson Lacerda Morais Juarez Guimarães Ronald Rocha Celso Frederico Priscila Figueiredo Annateresa Fabris Julian Rodrigues Michael Roberts Carla Teixeira Luís Fernando Vitagliano Tadeu Valadares Fernando Nogueira da Costa Ricardo Abramovay Heraldo Campos Alexandre de Freitas Barbosa Yuri Martins-Fontes Everaldo de Oliveira Andrade Marilena Chauí Atilio A. Boron Manuel Domingos Neto Remy José Fontana Eleonora Albano Manchetômetro Marcos Silva Alexandre de Lima Castro Tranjan Chico Whitaker Leonardo Sacramento Mariarosaria Fabris José Machado Moita Neto Salem Nasser Lorenzo Vitral Renato Dagnino Vinício Carrilho Martinez Eliziário Andrade Dênis de Moraes Rodrigo de Faria José Costa Júnior Jorge Luiz Souto Maior Eduardo Borges Francisco de Oliveira Barros Júnior Ricardo Antunes Rubens Pinto Lyra Fernão Pessoa Ramos Valerio Arcary Paulo Nogueira Batista Jr Jean Marc Von Der Weid Kátia Gerab Baggio Daniel Costa Bento Prado Jr. Andrés del Río Otaviano Helene Samuel Kilsztajn Lucas Fiaschetti Estevez Paulo Fernandes Silveira Chico Alencar Slavoj Žižek Lincoln Secco Henri Acselrad Francisco Fernandes Ladeira Marcelo Módolo João Sette Whitaker Ferreira Vladimir Safatle Alexandre Aragão de Albuquerque Alysson Leandro Mascaro Eleutério F. S. Prado Boaventura de Sousa Santos Eugênio Bucci Fábio Konder Comparato Tarso Genro Daniel Brazil Luiz Marques Gabriel Cohn Gilberto Maringoni José Geraldo Couto Marcos Aurélio da Silva Ronaldo Tadeu de Souza Sergio Amadeu da Silveira Paulo Sérgio Pinheiro

NOVAS PUBLICAÇÕES