Por ANDRÉ FLORES
A luta contra o bolsonarismo não se encerrará no dia 30 de outubro
Esse artigo foi redigido para um periódico estrangeiro. Por esse motivo, há uma breve digressão sobre a crise que vivemos nos últimos anos, sem a qual não é possível compreender o significado das eleições de 2022 e avaliar politicamente os seus resultados. Caso o leitor considere esta introdução dispensável, sugiro que inicie a leitura na segunda parte.
A crise brasileira
O golpe do impeachment contra a presidente Dilma Rousseff, em abril de 2016, liberou forças sociais que aqueles que o perpetraram, em particular o capital internacional e a burguesia brasileira a ele associada, jamais conseguiram controlar novamente. O movimento de massas das classes médias e da pequena burguesia, que inicialmente saiu às ruas para demandar a deposição do governo petista, paulatinamente adquiriu feições fascistas e se radicalizou à medida que o sistema partidário foi atingido e descredibilizado pela operação Lava Jato, tornando-se autônomo em relação à grande burguesia.
A ofensiva judicial dirigida desde o U.S Department of Justice, que se tornou o paradigma da ingerência imperialista na América Latina neste início de século, foi bem-sucedida em destronar a hegemonia da grande burguesia interna para retomar, ou, em alguns casos, aprofundar, as políticas neoliberais dos anos 1990. Para alcançar este objetivo, a ofensiva judicial dependeu do apoio e da mobilização das classes intermediárias que se opunham aos governos petistas, movidas pelo preconceito de classe e pelo anti-igualitarismo, cuja força social foi indispensável para curvar as demais instituições estatais e legitimar as arbitrariedades e ilegalidades cometidas pela ação do sistema de justiça. A pretensão da Lava Jato de depurar o sistema político fortaleceu nas classes médias e na pequena burguesia as suas tendências de fascistização. A difusão da ideologia da antipolítica agravou a crise de representação dos partidos burgueses tradicionais, criando as condições “para um personagem medíocre e grotesco representar o papel de herói” e liderar um movimento reacionário de massas.
A ascensão de Jair Bolsonaro ao governo, portanto, não foi um raio em céu azul. Resultou de uma combinação particular de contradições, que se identifica precisamente com aquilo que Nicos Poulantzas caracterizou, em Fascisme et dictature (1970), como o tipo de crise política que permite a chegada do fascismo ao poder: (1) A intensificação do conflito distributivo de classes e das disputas entre as frações burguesas pelo controle do aparelho estatal; (2) a ofensiva do bloco no poder contra as massas populares; (3) as sucessivas derrotas e a defensiva das classes trabalhadoras; (4) o irrompimento do movimento pequeno burguês e de classe média na cena política; (5) a crise dos partidos burgueses tradicionais e a ruptura das relações entre representantes e representados. Trata-se de uma crise de hegemonia em que as classes dominantes cooptam o movimento reacionário em ascensão para garantir o controle do aparelho de Estado e implantar medidas regressivas contra os trabalhadores, que se encontram desmobilizados e incapacitados para esboçar uma reação.
Apesar de ter ascendido espetacularmente e em nível nacional como representante deste movimento reacionário de massas, Jair Bolsonaro só pôde vencer as eleições de 2018 porque Lula foi preso e teve seus direitos políticos cassados. Mesmo com todo o desgaste provocado pela ofensiva judicial e com o crescimento do antipetismo na sociedade, Lula permaneceu como liderança política inconteste e com a preferência da maioria dos eleitores, sobretudo entre os mais pobres. O caráter político de sua prisão ficou ainda mais evidente quando o juiz Sérgio Moro, autor desta decisão, foi nomeado por Bolsonaro como ministro da Justiça.
Uma vez no governo, Jair Bolsonaro promoveu a barbárie. Deu prosseguimento às reformas neoliberais implementadas após o golpe de 2016, que agravaram dramaticamente a crise econômica e social no país, levando 33 milhões de pessoas à miséria e à fome. Difundiu o negacionismo científico durante a pandemia da Covid-19, incentivando aglomerações, sabotando as medidas de isolamento social e atrasando propositalmente a compra das vacinas, fazendo do Brasil o segundo país com mais mortes no mundo, com quase 700 mil óbitos, atrás apenas dos Estados Unidos.
No meio-ambiente, desmontou os principais órgãos de fiscalização e controle, incentivando as queimadas, a grilagem e o garimpo ilegal em terras indígenas. Nas relações exteriores, fez o Brasil atingir a condição de pária internacional ao se associar ao trumpismo e à internacional fascista dirigida por Steve Bannon, assumindo o isolamento diplomático como a linha oficial de sua política externa. No plano doméstico, incentivou a violência política e agitou diuturnamente o golpe de Estado, armando seus apoiadores e convocando manifestações pelo fechamento do Congresso Nacional e do Supremo Tribunal Federal.
Apesar (ou por conta) disso, a política de Jair Bolsonaro atendeu a interesses sociais específicos e poderosos, o que lhe garantiu, até o momento, a impunidade. As desregulamentações trabalhistas e as privatizações unificaram o apoio do médio e do grande capital ao governo, sobretudo a burguesia comercial varejista, que demonstrou uma adesão mais orgânica e explícita ao bolsonarismo. A distribuição de milhares de cargos civis para militares no governo, a concessão de regalias e privilégios para oficiais de alta patente, e a substituição dos comandos da Marinha, do Exército e da Aeronáutica permitiram a Bolsonaro estabelecer o seu controle sobre as forças armadas. As igrejas evangélicas conservadoras, que fornecem uma base popular para o governo neofascista, foram beneficiadas com o aumento das verbas de publicidade estatal para as suas rádios e TVs, e com a ocupação de cargos estratégicos para a luta ideológica contra os movimentos feminista e LGBT (como o ministério da Educação e o ministério da Mulher, Família e Direitos Humanos).
Os partidos de patronagem, clientelistas e fisiológicos, que são característicos do sistema partidário brasileiro e que possuem a maioria no Congresso Nacional – conhecidos como “centrão” – aderiram ao governo durante a crise da Covid-19, após terem obtido aumento significativo de recursos no Orçamento Federal para barrar a abertura dos pedidos de impeachment contra Bolsonaro. Os proprietários de terras foram favorecidos pelo desmonte das proteções ambientais e pela flexibilização do porte de armas, o que levou ao agravamento do desmatamento e da violência no campo, com a formação de milícias que constituem a base rural do fascismo brasileiro.
Nos centros urbanos, o bolsonarismo avançou na organização armada de sua base militante, ampliando assustadoramente o registro de armas de fogo e de clubes de tiro, e consolidou a sua influência sobre os escalões inferiores das forças armadas e de segurança (incluindo soldados, cabos, sargentos e capitães). Emulando Benito Mussolini, o Duce brasileiro tem mantido a sua base mobilizada em “motociatas”, desfiles de Harley-Davidsons e motocicletas de luxo que ocorrem em diversas cidades do país com a participação do presidente e seus apoiadores.
Em resumo, Jair Bolsonaro formou uma poderosa frente política, envolvendo a sua base pequeno-burguesa e de alta classe média, os proprietários de terras, o médio e o grande capital (sobretudo a burguesia comercial varejista), as forças armadas, as igrejas evangélicas conservadoras e os partidos fisiológicos e clientelistas.
No entanto, devido à sua natureza pequeno-burguesa e de classe média, os conflitos entre o bolsonarismo e o grande capital não demoraram a se desenvolver. O conflito em torno da gestão negacionista da pandemia da Covid-19, que fez com que três em cada quatro mortes pudessem ter sido evitadas e agravou a crise econômica no país; o conflito em torno da política ambiental predatória, que provocou retaliações da comunidade internacional e prejudicou o setor agroexportador, que depende de compromissos ambientais adotados pelo governo para adentrar o mercado europeu; o conflito em torno da política de preços dos combustíveis da Petrobras, que atinge diretamente os caminhoneiros (base pioneira do bolsonarismo) em benefício dos acionistas da estatal; e o conflito em torno da questão democrática, que provocou uma instabilidade política permanente e contribuiu para afugentar investimentos externos. Esses conflitos precipitaram o rompimento de parte do grande capital e a formação de uma oposição burguesa ao governo, a autoproclamada “3a via”.
O conflito entre a burguesia e o bolsonarismo também repercutiu no interior das instituições estatais, opondo o governo Bolsonaro ao Supremo Tribunal Federal (STF) e ao Congresso Nacional. Ao longo de 2020, 2021 e 2022 o bolsonarismo realizou manifestações de massas em todo o país, agitando a sua base para o fechamento das instituições democráticas e para o golpe de Estado. No bojo destes conflitos, em abril de 2021, após uma série de reportagens na imprensa que expuseram trocas de mensagens ilegais entre o juiz Sérgio Moro e os procuradores da Lava Jato, que tornavam ainda mais evidente o caráter fraudulento e político desta operação, o STF anulou os processos contra o ex-presidente Lula e devolveu os seus direitos políticos. Desde então, a campanha eleitoral de 2022 foi antecipada e estabeleceu-se um quadro de aguda polarização entre Lula e Bolsonaro, sendo cada um deles a expressão de fenômenos de massas distintos e opostos entre si.
Se por um lado o bolsonarismo é a expressão do neofascismo brasileiro, enquanto um movimento reacionário de massas das classes médias e da pequena burguesia, por outro lado o lulismo constitui um fenômeno neopopulista, que representa um enorme contingente de trabalhadores manuais informais, correspondente àquilo que o sociólogo argentino José Nun classificou como “massa marginal” e o economista brasileiro Paul Singer classificou como “subproletariado”.
Diferentemente do bolsonarismo, que mobiliza e avança na organização de sua base social, o lulismo é, em sua essência, desmobilizador: constitui-se como uma relação fundamentalmente eleitoral, de gratidão dos beneficiários das políticas sociais aos governos petistas, e que recusa a organização e a educação política de sua base social. Por esse motivo, de acordo com o cientista político André Singer, autor deste conceito, o lulismo não é necessariamente um fenômeno de esquerda, mas um fenômeno popular.
Apoiado na força eleitoral dos trabalhadores da massa marginal, na baixa classe média, e no proletariado e no campesinato organizados nos movimentos sindical e camponês, Lula rapidamente ocupou as cabeças das sondagens eleitorais para as eleições de 2022, limitando as possibilidades de crescimento para uma candidatura da “3a via”. Diante disso, a oposição burguesa iniciou uma pressão sobre Lula para que ele assumisse o compromisso de manter as reformas neoliberais dos governos Temer e Jair Bolsonaro, estabelecendo um preço para o seu eventual apoio político.
Em paralelo, parte do grande capital nacional que havia sido priorizado pela política econômica dos governos petistas passou a declarar abertamente a possibilidade de apoiar Lula, em resposta à política de abertura econômica promovida pelo governo neofascista. Dessa forma, a força eleitoral do lulismo prevaleceu sobre os desejos da burguesia, provocando importantes realinhamentos no andar de cima e a reativação daquilo que o cientista político Armando Boito conceituou como frente política neodesenvolvimentista: uma frente policlassista envolvendo parte do grande capital nacional, a baixa classe média, o proletariado e o campesinato organizado, e os trabalhadores desorganizados da massa marginal.
Mesmo diante desta polarização, a oposição burguesa manteve a defesa de sua candidatura própria, embora alguns grandes capitalistas tenham declarado o apoio à Lula já no primeiro turno. Do lado da esquerda, organizada em torno de Lula, as eleições de 2022 foram assumidas como a trincheira principal (para não dizer quase exclusiva) de enfrentamento ao bolsonarismo, o que levou à priorização dos acordos de cúpula e a ampliação das alianças à direita como eixo gravitacional de sua linha política. A nomeação de Geraldo Alckmin como candidato a vice-presidente na chapa de Lula talvez tenha sido a principal sinalização de moderação da candidatura à oposição burguesa. Antigo adversário do PT e concorrente de Lula nas eleições de 2006, Alckmin vem atuando como interlocutor do grande capital na candidatura e como uma garantia de que um eventual governo petista não será um governo de esquerda, mas um governo de centro.
O bolsonarismo, por sua vez, manteve uma tática dupla: prosseguiu com a luta ilegal, de ameaça à democracia e descredibilização do sistema eleitoral, atacando a confiabilidade das urnas eletrônicas; ao mesmo tempo em que investiu na luta legal, incrementando benefícios sociais no período eleitoral para fraturar os votos da base lulista. Recentemente, no dia 7 de setembro, Bolsonaro utilizou as comemorações do bicentenário da Independência para organizar novas manifestações golpistas, que serviram como demonstração de força e como propaganda de sua candidatura. Considerando o golpe como um processo, o principal objetivo dessas manifestações não foi o de convocar as massas para um assalto imediato ao poder, mas o de testar os limites e a capacidade de reação das instituições democráticas, manter as bases mobilizadas e antecipar o não-reconhecimento de um resultado eleitoral que lhe seja desfavorável.
Nesta dinâmica chegamos ao primeiro turno das eleições de 2022. Diante do contexto de agravamento das crises política, econômica, social e ambiental, as eleições de 2022 adquiriram caráter plebiscitário, além de importância internacional e histórica. Os seus resultados intervém decisivamente sobre o destino da luta contra o aquecimento global, ante a continuidade ou não da política de desmatamento da Amazônia; da luta pela integração regional e pelo multilateralismo, ante a crescente divisão entre os Estados da OTAN e o bloco liderado por Rússia e China; e da luta contra o fascismo, ante a possibilidade de um golpe de Estado e de estabelecimento do Brasil como epicentro da extrema direita global. Para os brasileiros e brasileiras, trata-se de decidir sobre a continuidade ou não do neoliberalismo, do obscurantismo e do autoritarismo, que empurram amplas massas do povo para a miséria, incentivam a intolerância religiosa e a violência política, e colocam a população sob a constante ameaça de fechamento do regime político.
As eleições de 2022
Nas semanas que antecederam o primeiro turno das eleições, realizado em 2 de outubro, houve uma intensa campanha em prol do voto útil em Lula, direcionada aos eleitores indecisos e aos eleitores dos candidatos da 3a via, Simone Tebet e Ciro Gomes. A possibilidade apontada pelas pesquisas eleitorais de uma vitória já no primeiro turno empolgou a militância progressista. Uma vitória no primeiro turno não garantiria o impedimento do golpismo, mas melhoraria as condições de luta do campo democrático e popular.
Em primeiro lugar, porque aumentaria os custos políticos para o golpe, uma vez que envolveria anular as eleições para o Congresso Nacional e para os governos estaduais eleitos na primeira volta. Em segundo lugar, porque eliminaria os riscos de Bolsonaro reduzir a diferença ou ultrapassar Lula entre o primeiro e o segundo turno. Em terceiro lugar, porque neutralizaria a tendência de rebaixamento programático da candidatura Lula frente a necessidade de ampliação do leque de alianças para vencer no segundo turno. E, por último, porque reduziria as possibilidades de uma escalada de intimidação e violência política.
O resultado, no entanto, foi marcado pela discrepância entre as pesquisas eleitorais e o desempenho obtido pelo bolsonarismo. Os principais institutos de pesquisas, que nas vésperas das eleições apontaram uma vantagem de 14% dos votos válidos para Lula (51% a 37%), erraram fragorosamente o placar. Apesar de terem acertado a colocação dos dois candidatos, a distância entre eles foi bem menor do que a esperada, de apenas 5% dos votos válidos (48% a 43%).
Essa discrepância gerou enorme frustração na militância progressista. Se por um lado faltaram cerca de 1,8 milhão de votos para Lula vencer a eleição na primeira volta, algo em torno de 1,1% dos votos totais (ou 1,6% dos votos válidos), por outro lado a diferença entre os dois candidatos foi bastante reduzida. Do total de votantes, 57.259.504 escolheram Lula (36,6%) e 51.072.345 escolheram Bolsonaro (32,6%), uma diferença de apenas 6.187.159 votos (4%). Cerca de 9,9 milhões de eleitores escolheram os demais candidatos (5,9%), 5,4 milhões de eleitores anularam o voto (4,4%), e 32.770.982 não compareceram às urnas (20,95%).
O desempenho surpreendente do bolsonarismo também refletiu nas eleições para os governos estaduais e para o Congresso Nacional. Nos 15 estados em que as eleições para governadores foram resolvidas no primeiro turno, em 10 deles foram eleitos candidatos da base aliada do governo Bolsonaro e em apenas 5 deles foram eleitos candidatos da oposição. Nos estados em que venceram as candidaturas da base aliada, em 3 deles venceram candidatos vinculados organicamente ao bolsonarismo (Paraná, Rio de Janeiro e Roraima) e em 7 venceram candidatos do centrão (Acre, Amapá, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso, Minas Gerais e Tocantins). Nos estados em que venceram as candidaturas ligadas à oposição, em 4 deles venceram candidaturas da centro-esquerda (Ceará, Maranhão, Piauí e Rio Grande do Norte) e em apenas 1 deles venceu um candidato da oposição burguesa/direita tradicional (Pará).
Nos outros 12 estados em que a eleição foi para o segundo turno, o bolsonarismo e os partidos da base aliada ainda disputam em 11, enquanto a oposição disputa em 9. O bolsonarismo disputa o segundo turno em 6 estados (Espírito Santo, Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo), assim como os seus aliados do centrão (Alagoas, Amazonas, Bahia, Pernambuco, Rondônia e Sergipe)[i]. Por outro lado, a centro-esquerda também disputa em 6 estados (Bahia, Espírito Santo, Paraíba, Santa Catarina, São Paulo e Sergipe) e a direita tradicional disputa em 4 (Mato Grosso do Sul, Paraíba, Pernambuco e Rio Grande do Sul).[ii]. Nessa perspectiva, dos 27 estados da federação, o bolsonarismo e seus aliados poderão conquistar entre 10 e 22 estados, enquanto a oposição poderá conquistar entre 5 e 14 estados, ao final do segundo turno.
Considerando a diferença obtida pelos candidatos no primeiro turno e as pesquisas recentes de intenção de votos, o bolsonarismo deve vencer em 5 dos 6 estados onde disputa o segundo turno, ampliando de 4 para 8 governos estaduais (+4). Já os partidos do centrão devem vencer em 2 dos 6 estados onde disputam o segundo turno, caindo de 10 para 9 governos estaduais (-1). A centro-esquerda deve vencer em 4 estados no segundo turno, caindo de 9 para 7 governos estaduais (-2). E a direita tradicional deve ganhar apenas no estado de Pernambuco, encolhendo de 4 para 2 governos estaduais (-2). Ou seja, caso esse prognóstico se confirme, o bolsonarismo e os seus aliados devem terminar o segundo turno com 17 governos estaduais – ou 16, considerando que o candidato favorito no estado de Alagoas é do centrão aliado ao lulismo – enquanto a oposição deve terminar com apenas 9. Além disso, o bolsonarismo deve ser a única força a ampliar os governos estaduais entre as eleições de 2018 e 2022. Ainda que ocorram “viradas” em alguns estados, elas devem ser pontuais e não devem alterar qualitativamente a projeção de crescimento do bolsonarismo e encolhimento das demais correntes políticas.
No Congresso Nacional o bolsonarismo foi a força que mais cresceu. Na Câmara dos Deputados as mudanças foram mais sutis. Cabe, antes, advertir que devido às particularidades do sistema partidário brasileiro, como a alta fragmentação e o fisiologismo, é difícil mensurar a correlação de forças de maneira precisa. A coesão ideológica dos partidos nem sempre é elevada, de modo que um partido predominantemente bolsonarista, como o Partido Liberal (PL), pode abrigar parlamentares de centro, e partidos predominantemente de centro, como o União Brasil (UB) e o Progressistas (PP), podem abrigar parlamentares bolsonaristas. Além disso, os sistemas de aliança se alteram de acordo com a pauta de votação, de modo que aliados podem virar opositores e vice-versa, a depender do tema debatido (caso exemplar é o da direita tradicional, que se opõe ao golpismo e ao negacionismo científico do governo, mas acompanha a base aliada na aprovação das reformas neoliberais).
Considerando a corrente predominante em cada partido como critério de classificação e admitindo de saída o seu caráter meramente aproximativo, observamos que os partidos mais ligados ao bolsonarismo (PL, Republicanos, PSC, Patriota, Novo, PTB) ampliaram 10 cadeiras nesta eleição, saindo de 144 para 154 deputados. Os partidos do centrão (UB, PP, PSD, MDB, Avante, Cidadania, Solidariedade, Pros) perderam 8 cadeiras, passando de 217 para 209 deputados. A direita tradicional (Podemos, PSDB) perdeu 6 cadeiras, caindo de 31 para 25 deputados. E a centro-esquerda (PT, PDT, PSB, PSOL, PV, PCdoB, Rede) ampliou 4 cadeiras, aumentando de 121 para 125 deputados. Com isso, a atual base aliada (bolsonarismo + centrão) ampliou 2 cadeiras, de 361 para 363 deputados, enquanto a oposição (direita tradicional + centro-esquerda) perdeu 2 cadeiras, de 152 para 150 deputados. Essas mudanças, ainda que sutis, indicam que o centrão e, principalmente, a direita tradicional, perderam espaço para o bolsonarismo. A mudança na composição de forças à direita impacta diretamente na correlação de forças na Câmara, uma vez que o bolsonarismo se estabeleceu como força polarizadora à direita e o crescimento da centro-esquerda (+4) não compensou o crescimento do bolsonarismo (+10). Cabe ainda observar que o crescimento do PL e do PT e o encolhimento dos partidos do centrão e da direita tradicional indicam um aprofundamento da polarização entre o bolsonarismo e o lulismo.
Legenda: amarelo (bolsonarismo), branco (centrão), azul (direita tradicional), vermelho (centro-esquerda).
Legenda: amarelo (bolsonarismo), branco (centrão), azul (direita tradicional), vermelho (centro-esquerda).
No Senado o fortalecimento do bolsonarismo é ainda mais evidente, embora tenha sido minimizado pela renovação de apenas 1/3 das cadeiras (27 de 81).[iii] Das 27 cadeiras em disputa, a base aliada conquistou 20, sendo 14 delas obtidas pelo bolsonarismo (Acre, Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Mato Grosso do Sul, Mato Grosso, Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rio Grande do Sul, Rondônia, Roraima, Santa Catarina, São Paulo) e apenas 6 delas obtidas pelo centrão (Alagoas, Amapá, Paraíba, Bahia, Tocantins, Sergipe). A oposição obteve apenas 7 cadeiras, sendo 5 delas obtidas pela centro-esquerda (Ceará, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí) e 2 delas obtidas por candidatos do centrão aliados ao lulismo (Alagoas e Amazonas).
Embora tenha abrangido apenas 1/3 das cadeiras, esta renovação trouxe impactos relevantes para a composição do Senado, sendo o principal deles o estabelecimento do PL, legenda principal do bolsonarismo, como a maior bancada partidária (13 cadeiras), o que lhe credencia para disputar a presidência da casa – a importância estratégica disto será retomada logo adiante. Esta renovação atingiu a composição do Senado da seguinte forma: o bolsonarismo (PL, Republicanos, PSC, PTB) ampliou de 11 para 17 cadeiras (+6), o centrão (UB, PP, PSD, MDB, Cidadania, Pros) reduziu de 43 para 41 cadeiras (-2), a direita tradicional (Podemos, PSDB) caiu de 14 para 10 cadeiras (-4) e a centro-esquerda (PT, PDT, PSB, Rede) subiu de 12 para 13 cadeiras (+1). Com isso, a base aliada (bolsonarismo + centrão) ampliou de 54 para 58 cadeiras (+4) e a oposição (direita tradicional + centro-esquerda) reduziu de 26 para 23 cadeiras (-3).
Legenda: amarelo (bolsonarismo), branco (centrão), azul (direita tradicional), vermelho (centro-esquerda).
Legenda: amarelo (bolsonarismo), branco (centrão), azul (direita tradicional), vermelho (centro-esquerda).
Novamente, assim como nas eleições para a Câmara dos Deputados, ocorreu uma mudança na composição de forças à direita que impacta diretamente na correlação de forças da casa, com o bolsonarismo conquistando a maior bancada partidária. A obtenção da presidência do Senado é estratégica nos planos do bolsonarismo, o que é tanto mais possível quanto provável caso Bolsonaro vença as eleições presidenciais em 30 de outubro. Se o controle da Câmara dos Deputados é estratégico para evitar a abertura de um processo de impeachment contra o presidente da República, por outro lado o controle do Senado é estratégico para encaminhar a abertura de processos de impeachment contra os ministros do STF.
Caso venha a obter a presidência do Senado e da presidência da República, o bolsonarismo poderá concretizar a ameaça de deposição dos ministros do STF e substituí-los por seus congêneres, obtendo, assim, uma maioria reacionária na Corte. O controle sobre o Executivo, o Congresso e o STF permitirá ao bolsonarismo fazer mudanças constitucionais e avançar livremente no fechamento do regime por dentro da ordem, sem a contenção das instituições democráticas – que, por mais frágeis, vacilantes e contraditórias que sejam, assumiram até o momento as iniciativas principais para barrar a escalada do golpismo.
Retomando ao tema do crescimento inesperado do bolsonarismo, é importante destacar que este não ocorreu apenas nas eleições presidenciais, mas também nas eleições para governos estaduais e para o Senado. O bolsonarismo surpreendeu as pesquisas e ganhou o primeiro turno para governador em Mato Grosso do Sul, Rio Grande do Sul e São Paulo. Nas eleições de Espírito Santo, Rio de Janeiro e Rondônia, os candidatos ligados ao bolsonarismo tiveram desempenho melhor do que o esperado, o que permitiu levar a eleição para o segundo turno, no caso do Espírito Santo, e ganhar a eleição já no primeiro turno, no caso do Rio de Janeiro. Nas eleições para o Senado, em praticamente todos os estados em que houve discrepância entre as pesquisas e o resultado das urnas, encontramos um padrão: quem surpreende é sempre o candidato ligado ao bolsonarismo (Distrito Federal, Espírito Santo, Goiás, Paraná, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo). No caso de São Paulo, o maior colégio eleitoral do país com 22% dos eleitores, o crescimento inesperado do bolsonarismo contribuiu de maneira decisiva para o estreitamento da diferença entre Lula e Jair Bolsonaro.
Estes dados indicam que o bolsonarismo foi subnotificado pelas pesquisas de intenção de votos. O debate sobre a discrepância entre as pesquisas e os resultados das urnas prosseguirá entre cientistas políticos, demógrafos, estatísticos, e demais especialistas, após as eleições. Nesse artigo não abordarei o problema. Indico apenas que a subnotificação do bolsonarismo pelas pesquisas eleitorais alimentou certa subestimação política do mesmo, por parte das candidaturas do campo democrático e da centro-esquerda. O clima de “já ganhou” contaminou a militância progressista, que contava com uma vitória de Lula já no primeiro turno, e contribuiu para que a frustração tomasse conta após o resultado.
A subestimação política do bolsonarismo também parece ter influenciado algumas campanhas estaduais, sobretudo a de Fernando Haddad (PT) para o governo de São Paulo, que priorizou atacar o candidato da direita tradicional em vez de atacar o candidato do bolsonarismo, contribuindo para que este o ultrapassasse na corrida estadual e fortalecesse a votação de Jair Bolsonaro no estado.
Outra demonstração de força do bolsonarismo foi a capacidade de punição sobre as candidaturas dissidentes, que haviam sido eleitas na onda bolsonarista de 2018, com a não-reeleição e a perda do mandato. Figuras importantes que romperam com o governo Bolsonaro no decorrer de seu mandato, por razões variadas e distintas (aliança com o centrão, casos de corrupção, condução da pandemia), perderam o apoio social e fracassaram nas urnas.
Caso dos ex-ministros Abraham Weintraub e Luiz Henrique Mandetta; dos deputados federais Alexandre Frota, Delegado Waldir e Joice Hasselmann; da senadora Soraya Thronicke; da deputada estadual de São Paulo, Janaína Paschoal; do ex-governador do Rio de Janeiro, Wilson Witzel, entre outros. Por outro lado, figuras que fizeram parte do governo ou que se mantiveram próximas a Bolsonaro foram eleitas, caso dos ex-ministros Marcos Pontes, Damares Alves, Tereza Cristina e Sérgio Moro,[iv] que se elegeram para o Senado; dos ex-ministros Eduardo Pazzuelo e Ricardo Salles, que se elegeram para a Câmara dos Deputados; do governador do Rio de Janeiro, Cláudio Castro, que se elegeu após assumir interinamente o mandato do ex-bolsonarista Wilson Witzel; do vereador mineiro Nikolas Ferreira, que obteve a maior votação para a Câmara dos Deputados nas eleições deste ano, entre outros.
Em resumo, os resultados do primeiro turno mostram que o bolsonarismo saiu maior do que entrou nestas eleições, mesmo que tenha ficado atrás de Lula na corrida presidencial. O crescimento inesperado nas eleições presidenciais e estaduais, a ampliação dos governos estaduais e das bancadas no Congresso Nacional, e a punição sobre os dissidentes, foram uma inequívoca demonstração de força e elevaram o ânimo dos bolsonaristas para o segundo turno. Se por um lado o desempenho surpreendente do bolsonarismo fortaleceu o discurso de descredibilização das pesquisas eleitorais, por outro lado fez Jair Bolsonaro recuar no questionamento das urnas eletrônicas e aceitar os resultados que lhe foram favoráveis na primeira volta.
As Forças Armadas, que, violando a Constituição Federal, buscam tutelar o processo eleitoral por meio de uma suposta auditoria independente das urnas eletrônicas, até o momento não acusaram a existência de fraude e declararam que só divulgarão os resultados de sua perícia após o segundo turno, mantendo uma porta aberta para a contestação do resultado em caso de derrota em 30 de outubro.
Por último, cabe mencionar que, diferentemente da avaliação exposta, concorre uma análise diferente, mais otimista, que enfatiza na resiliência do PT após a Lava Jato e o golpe de 2016; na ligeira recuperação da centro-esquerda no Congresso Nacional; na ampliação das representações parlamentares de indígenas, negras, mulheres e trans; na votação expressiva de lideranças do Psol no Rio de Janeiro e em São Paulo; na votação recorde obtida por Lula no primeiro turno, superior à votação que Bolsonaro obteve no segundo turno de 2018; na provável ruptura entre centrão e Bolsonaro caso Lula vença as eleições; entre outras coisas. Sem desconsiderar estes aspectos positivos, cabe questionar se eles constituem o aspecto principal a ser extraído deste processo.
Considerando que mesmo diante do desastre econômico, social, político e ambiental, o bolsonarismo ampliou suas posições e estabeleceu-se politicamente como principal força à direita na política brasileira; que Bolsonaro se consolidou como liderança fascista global; e que não fosse a elegibilidade de Lula, Jair Bolsonaro seria franco favorito para a reeleição deste ano, penso que os aspectos positivos são secundários e não prevalecem sobre o fortalecimento e a consolidação do bolsonarismo. É muito pouco ante a normalização da barbárie.
O desempenho do bolsonarismo indica que a crise do regime persistirá nos próximos anos, ao contrário do que poderia sugerir certa expectativa redentora do lulismo, que, retornando como a fênix, pacificaria o país e retomaria o caminho da estabilidade política, do crescimento econômico e da distribuição de renda. As condições econômicas, sociais e políticas são outras: não há mais um ciclo internacional favorável para a exportação de commodities, o subemprego e a informalidade avançam sobre a classe trabalhadora, as reformas neoliberais pós-golpe reduziram as margens de manobra do poder eleito sobre a política econômica, e a composição do Congresso Nacional é ainda mais conservadora.
O estabelecimento de um movimento reacionário de massas, golpista e armado, coloca em xeque a estratégia conciliadora e desmobilizadora do lulismo. Ou seja, a crise brasileira pariu uma nova configuração/polarização política, que tende a ser duradoura, e não é garantido que uma vitória eleitoral se converta em uma vitória política – ainda que uma vitória política passe, necessária e urgentemente, pela vitória eleitoral de Lula sobre Bolsonaro em 30 de outubro.
O segundo turno e o dia seguinte
Transcorreram três semanas e meia entre o primeiro e o segundo turno. Nesse período, Lula consolidou em torno de si uma ampla frente democrática, reunindo o apoio dos demais partidos e candidaturas da esquerda e da 3a via, em particular o apoio da candidata Simone Tebet. O candidato Ciro Gomes, que chegou a eleger Lula como inimigo principal em sua campanha, se pronunciou favorável ao posicionamento de seu partido (PDT), de apoio a Lula no segundo turno, mas não se engajou na campanha.
Com isso, o contingente de apoiadores de Lula entre a grande burguesia ampliou, mas não tanto quanto poderia, até mesmo porque o crescimento do bolsonarismo e o estreitamento da diferença no primeiro turno fez com que alguns destes preferissem se preservar e permanecer neutros. Do lado de Jair Bolsonaro, a sua base burguesa demonstrou maior capacidade de mobilização, sobretudo a massa de pequenos e médios capitalistas e proprietários de terras, a julgar pelo recorde de doações às campanhas bolsonaristas e pelos inúmeros registros de chantagens e intimidações sobre o voto dos funcionários no local de trabalho.
Diante da polarização acirrada, em que 93% dos eleitores estão convictos quanto à escolha de seus candidatos, a mudança de voto de um candidato para outro se torna um fenômeno cada vez mais raro, de modo que a disputa no segundo turno tende a se concentrar nos eleitores indecisos da 3a via e nas abstenções. Enquanto os primeiros se dividem entre as duas candidaturas, de acordo com as pesquisas realizadas após o primeiro turno; as abstenções prejudicam mais Lula do que Jair Bolsonaro, pois atingem principalmente os eleitores mais pobres e menos escolarizados, que em sua maioria votam no candidato petista. Ciente disso, Jair Bolsonaro tentou impedir, ainda no primeiro turno, que os municípios concedessem gratuidade no transporte público no dia das eleições, mas foi malsucedido. Nas últimas semanas, o STF autorizou a gratuidade no transporte público no dia das eleições, de modo que todas as capitais do país terão passe livre no dia 30 de outubro. Com isso, as chances de Bolsonaro ganhar votos e reduzir a votação de Lula são ainda mais reduzidas.
Além das questões de ordem estatística e matemática, concorre contra Jair Bolsonaro os desdobramentos de sua campanha no segundo turno, que precisou se defrontar com declarações e fatos constrangedores, assim como possíveis crimes envolvendo a figura do presidente. Em parte isso decorreu da estratégia de comunicação da campanha petista, que decidiu se arriscar a fazer o combate no campo do conservadorismo moral, em que o bolsonarismo é mais forte. A campanha petista vazou vídeos de Bolsonaro em eventos da maçonaria, declarações estranhas sobre a prática de canibalismo e até mesmo um possível caso de pedofilia.
Nada disso foi suficiente para tirar votos de Jair Bolsonaro, mesmo entre os evangélicos conservadores, mas contribuiu para frear a sua tendência de crescimento e colocar a sua campanha na defensiva, tendo que arranjar explicações e esclarecer a sua base sobre as informações divulgadas. Além disso, o bolsonarismo cometeu erros nesse período, como o vazamento de medidas impopulares pretendidas pelo seu ministro da Economia, como o fim da correção do salário-mínimo pela inflação e o fim das deduções com gastos em saúde e educação no imposto de renda, que podem ter contribuído para afastar os eleitores indecisos.
O candidato bolsonarista para o governo de São Paulo, Tarcísio Freitas, assumiu a defesa de medidas rejeitadas pela maioria da população paulista, como a privatização do sistema de abastecimento de água e o fim das câmeras nos uniformes dos policiais militares, o que fez reduzir a sua diferença em relação à Fernando Haddad e, consequentemente, fortalecer as intenções de votos em Lula no maior colégio eleitoral do país no segundo turno.
Diante desse contexto, as candidaturas se digladiam para aumentar a rejeição adversária. O debate programático ficou secundarizado pela divulgação de escândalos e notícias falsas. Se por um lado a candidatura de Lula foi até o momento bem-sucedida em sua incursão no terreno moral, neutralizando a ofensiva do bolsonarismo, por outro lado apresentou poucas propostas concretas para ampliar a sua votação entre os trabalhadores. Jair Bolsonaro, por sua vez, tem anunciado benefícios sociais novos quase diariamente, utilizando o peso da máquina estatal em favor de sua candidatura. Até o momento as pesquisas eleitorais têm apontado uma distância média de aproximadamente cinco pontos percentuais entre as duas candidaturas, que é similar ao resultado do primeiro turno, com ligeiro crescimento de Lula nesta reta final de campanha. Contudo, considerando a discrepância entre as pesquisas e as urnas no primeiro turno, e a tendência de aumento das abstenções no segundo turno, a vitória de Lula não pode ser dada como garantida.
Independentemente do desfecho de domingo (30), o lado que vencer será por reduzida diferença de votos. No histórico recente das eleições presidenciais na América Latina, as vitórias por margem estreita têm levado ao emparedamento do governo recém-eleito e à instabilidade política, como ocorreu no Brasil em 2014, no Equador em 2017, na Bolívia em 2019, no Peru em 2021 e na Colômbia em 2022. Esse desdobramento é praticamente certo caso Lula vença Jair Bolsonaro, tendo em vista a natureza golpista do bolsonarismo e sua campanha de descredibilização das urnas eletrônicas.
Durante todo o período pré-eleitoral e mesmo durante a campanha, Jair Bolsonaro indicou que não aceitaria qualquer resultado diferente de sua reeleição. Agora na reta final de campanha, diante da piora do desempenho nas pesquisas eleitorais, o bolsonarismo voltou a atacar o processo eleitoral e as instituições democráticas. No último domingo (23), um importante aliado de Jair Bolsonaro, Roberto Jefferson, cometeu um atentado violento contra a polícia, conclamando os bolsonaristas a pegarem em armas para lutar contra a “tirania” do STF. Ao longo desta semana, o bolsonarismo levantou falsas acusações de irregularidades nas inserções eleitorais em rádios e TVs, em busca de um pretexto para adiar as eleições.
Dito isto, fica claro que a luta contra o bolsonarismo não se encerrará no dia 30 de outubro. Se Jair Bolsonaro vencer, a oposição aceitará o resultado e atuará para impedir o golpe de Estado, fazendo a defesa intransigente das instituições democráticas. Se Lula vencer, haverá outras batalhas no dia seguinte ao segundo turno: primeiro, contra a contestação dos resultados eleitorais e possíveis sublevações bolsonaristas; depois, para garantir que Lula consiga tomar posse e governar; depois, para desarmar os milhares de bolsonaristas organizados em clubes de tiro; depois, para garantir a punição dos crimes cometidos pelo bolsonarismo. Além de outras batalhas urgentes e imediatas que se impõem no plano econômico e social, contra a fome e a carestia que atingem mais da metade da população brasileira.
Atender as expectativas de mudanças da massa de trabalhadores que depositaram o voto em Lula e reconquistar o apoio daqueles que aderiram ao bolsonarismo, será uma tarefa tão mais urgente quanto necessária para derrotar politicamente o neofascismo. Independentemente do resultado de domingo (30), esta será uma luta prolongada.
*André Flores é doutorando em ciência política na Unicamp e militante da Consulta Popular.
Notas
[i] No estado de Rondônia o segundo turno envolverá duas candidaturas da base aliada, Coronel Marcos Rocha (União Brasil) e Marcos Rogério (PL), sendo o último do mesmo partido de Bolsonaro.
[ii] No estado da Paraíba o segundo turno envolverá duas candidaturas da oposição (centro-esquerda e direita tradicional), João Azevedo (PSB) e Pedro Cunha Lima (PSDB).
[iii] No Brasil o mandato de senador é de 8 anos e as eleições ocorrem, alternadamente, de 4 em 4 anos, ora para 1/3 ora para 2/3 das cadeiras. Desse modo, nas eleições de 2022 foram renovadas 1/3 das cadeiras (27), referentes aos mandatários eleitos em 2014, sendo 1 cadeira por unidade federativa (27). Os mandatos eleitos em 2022 serão renovados somente nas eleições de 2030.
[iv] Cabe destacar que Sérgio Moro e Bolsonaro romperam durante a pandemia, quando o então ministro da Justiça saiu do governo acusando a interferência do presidente sobre investigações de casos de corrupção envolvendo um de seus filhos, Flávio Bolsonaro, que é senador pelo estado do Rio de Janeiro. Nas últimas semanas, no decorrer do período eleitoral, houve uma reaproximação entre ambos e foi selada publicamente uma aliança contra um inimigo comum: Lula e o PT. Com isso, Moro, que estava atrás nas pesquisas eleitorais para o Senado pelo estado do Paraná, foi impulsionado de última hora pelo bolsonarismo e conseguiu conquistar a vaga.
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