Por JEFFREY D. SACHS*
Os dois principais partidos dos EUA não oferecem nenhuma alternativa real aos americanos sobre as questões de vida-ou-morte da guerra e da paz
Os Democratas e os Republicanos estão se superando cada vez mais para ver quem pode nos levar, mais rápido, a uma Terceira Guerra Mundial. Joe Biden e os Democratas do Congresso estão fazendo várias propostas convincentes para serem os líderes nessa corrida bélica. Os congressistas do Partido Democrata, por exemplo, acabaram de votar unanimemente – 210 votos favoráveis e zero contrários – uma proposta para prolongar ainda mais a Guerra na Ucrânia, aprovando adicionais US$ 61 bilhões para matar mais russos e ucranianos e, por uma ampla maioria de 173 a 37 votos, autorizar outros US$ 14 bilhões para ampliar o massacre em massa de palestinos por Israel em Gaza.
Donald Trump ponderou, pouco antes da votação, que a sobrevivência e o fortalecimento da Ucrânia são “importantes para nós“, e que a Europa deveria pagar mais por isso. O presidente da Câmara, o republicano Mike Johnson, também fez a sua parte para promover a guerra, chamando Rússia, China e Irã de o novo “eixo do mal”. O insulto veio bem na hora em que o secretário de Estado, Antony Blinken, viajava para a China para ameaçar impor mais sanções estadunidenses caso a China negocie com a Rússia de maneiras que os EUA desaprovem.
Nesse contexto, o candidato presidencial favorável à paz com maior força eleitoral é Jill Stein, candidata pelo Partido Verde, que está em vias de aparecer nas cédulas eleitorais de todo o país.[i] Com efeito, o Partido Verde está bem adiantado em sua meta de obter alcance nacional total, e está trabalhando duro para atingir essa meta.[ii] Cornel West, outro apaixonado candidato pela causa da paz, está nas cédulas de alguns estados, mas, como independente, enfrenta gastos que são proibitivos para ter acesso às cédulas, devido a um injusto sistema eleitoral manipulado pelos dois principais partidos.
Robert F. Kennedy Jr., infelizmente, é somente um meio candidato pela paz, incisivo em relação a acabar com a Guerra na Ucrânia por vias diplomáticas, mas que apoia veementemente a guerra de Israel em Gaza, ao invés do uso urgente e necessário de negociações diplomáticas capazes de encerrar a guerra.
Nestas bases bipartidárias, a Casa Branca e o Congresso estão levando o mundo em direção a uma guerra global. Washington não tem absolutamente nenhuma estratégia para que a Ucrânia vença a guerra, mas está determinado a armar o país para matar o maior número possível de russos, mesmo com a guerra matando muito mais ucranianos. Desde o início da operação militar especial da Rússia na Ucrânia, eu clamei por uma paz negociada, enfatizando a necessidade de neutralidade ucraniana e do fim da expansão da OTAN – a qual é intensa e compreensivelmente combatida pela Rússia como uma ameaça existencial. No entanto, Joe Biden e o Congresso continuam a insistir na expansão da OTAN para a Ucrânia e, portanto, em mais guerra. O resultado? A Ucrânia sofreu centenas de milhares de baixas e contínuas perdas territoriais.
Ao mesmo tempo, Joe Biden está agora armando Israel para que cometa ainda mais crimes de guerra sem o menor escrúpulo, com mais apoio ainda vindo a caminho. A cumplicidade dos EUA no massacre israelense em Gaza é fortemente rejeitada pelo povo americano, especialmente pelos jovens, mas Joe Biden e o Congresso não estão ouvindo o povo. O governo da África do Sul, em uma indicação à Corte Internacional de Justiça (CIJ), afirmou veementemente que Israel está cometendo genocídio. No entanto, quando estudantes americanos dizem o mesmo, são presos. Na verdade a CIJ rapidamente decidiu que as ações de Israel podem muito bem violar a Convenção de Genocídio de 1948,[iii] ainda estando pendente uma decisão final que levará mais tempo.
Se tudo isso não bastasse, os EUA continuam a escalar suas diversas provocações contra a China. Nesse sentido, os EUA estão impondo novas medidas unilaterais no tocante ao comércio internacional, finanças e tecnologia para prejudicar a economia da China. Essas medidas violam inclusive o compromisso americano de seguir as regras internacionais de comércio; em todo caso, os EUA ainda as impõem descaradamente, quando consideram necessário. Em mais uma ação paranoica e vingativa, o Congresso também votou hoje (29/04/2024) que o TikTok deve ser vendido por seus proprietários chineses a um proprietário americano.
Os EUA também tiveram o desplante de atacar a China por sua “sobrecapacidade” na produção manufatureira. O termo “sobrecapacidade” na realidade significa apenas que a China produz um grande volume de bens manufaturados de alta qualidade a preços muito baixos. Os processos de produção chineses de veículos elétricos, por exemplo, são surpreendentemente eficientes.
Mais recentemente, Biden posicionou tropas estadunidenses na ilha Kinmen, uma ilha de Taiwan, em flagrante violação da política de “Uma China” que tem sido a base das relações dos EUA com a China e, portanto, da manutenção da paz. Os EUA também aumentaram levianamente a retórica anti-China, juntamente com os líderes do Japão e da Coreia do Sul.
O antagonismo da administração Joe Biden ao Irã é igualmente implacável e hipócrita. No dia 1º de abril, Israel bombardeou o complexo diplomático do Irã, numa violação flagrante do direito internacional. No entanto, em vez de condenar as ações de Israel, os EUA vetaram a crítica a Israel pelo Conselho de Segurança da ONU no dia seguinte. Quando, no entanto, o Irã contra-atacou, em 14 de abril, os EUA criticaram duramente o Irã e até impuseram novas sanções. Washington faz o que pode para justificar o emprego de tais padrões ambíguos de julgamento.
Em suma, resumindo a questão do alegado “eixo do mal. Os EUA rejeitam negociações com a Rússia porque querem usar a Guerra na Ucrânia para enfraquecer a Rússia, mesmo com a guerra destruindo completamente a Ucrânia ao longo do processo. Os EUA se recusam a tomar qualquer medida para conter o massacre em massa de Israel em Gaza. Os EUA provocam flagrantemente a China de várias maneiras. Os EUA punem o Irã por uma escalada iniciada por Israel. Ou seja: não existe eixo do mal. Em vez disso, os EUA têm aproximado cada vez mais a Rússia, a China e o Irã contra seu o belicismo incansável e equivocado.
Os americanos estão profundamente insatisfeitos com todo esse belicismo. Segundo as pesquisas, somente 33% dos americanos aprovam a política externa de Biden. Biden na verdade é um neocon de longa data, apoiando a expansão da OTAN, aventuras militares e operações de “mudança de regime” por décadas. Ele também é inapto para liderar o país por mais quatro anos e não deveria estar concorrendo à reeleição, de qualquer modo.
Enquanto isso, Donald Trump, como presidente, armou a Ucrânia, desdenhou o acordo de Minsk II que teria neutralizado a crise, e fez questão de antagonizar China e Irã, abandonando a diplomacia. Por esses motivos, o mundo está mais próximo do Armagedom nuclear do que nunca, faltando apenas 90 segundos para a meia-noite, de acordo com o Relógio do Juízo Final do Boletim de Cientistas Atômicos.
Em suma: os dois principais partidos dos EUA não oferecem nenhuma alternativa real aos americanos sobre as questões de vida-ou-morte da guerra e da paz. Ambos são partidos da guerra. Ambos continuam a despejar cada vez mais dinheiro e munição para tentar esconder seus imprudentes e levianos cálculos anteriores. Ambos os partidos também servem aos mesmos financiadores: Wall Street, o complexo industrial-militar e os mega-ricos, que financiam os dois partidos para obter cortes de impostos e subsídios para os ricos, a expansão da OTAN e contratos de armamento para as indústrias militares. Paz e justiça econômica, portanto, andam de mãos dadas nesse contexto.
A verdadeira esperança para uma política externa sã e uma economia justa é a principal candidata pela paz, Jill Stein. Nesse sentido, o mais importante trabalho dos ativistas pela paz nas próximas semanas é garantir que Stein esteja nas cédulas eleitorais de todos os estados em novembro, apesar das tentativas descaradas dos dois maiores partidos de manter o Partido Verde e os candidatos pela paz fora das urnas. Na medida em que um número recorde de americanos manifesta-se por uma alternativa política de fora dos fracassados partidos da guerra e de Wall Street, bem como por soluções diplomáticas para as guerras que assolam o mundo, uma onda de votação pela paz poderia muito bem ocorrer em novembro. Se Jill Stein estiver nas cédulas em todo o país, ao menos os eleitores terão essa escolha.
*Jeffrey D. Sachs é professor de economia na Universidade de Columbia. Autor, entre outros livros, de A era do desenvolvimento sustentável (Ed. Actual).
Tradução: Lúcia Moliani & Sérgio Braga.
Publicado originalmente no portal do autor.
Notas dos tradutores
[i] Jill Stein (https://twitter.com/DrJillStein), médica e política norte-americana, nascida em Chicago em 14 de maio de 1950, é pré-candidata pelo Partido Verde à presidência dos EUA. Em abril de 2024 foi presa durante protesto pró-Palestina na Universidade de Washington. Website: https://www.jillstein2024.com/
[ii] A campanha da candidata para a obtenção de assinaturas e fundos necessários para que sua candidatura às eleições presidenciais apareça nas cédulas eleitorais pode ser acessada através do seguinte link: https://www.jillstein2024ballotaccess.com/
[iii] A Convenção para a Prevenção e Punição do Crime de Genocídio (conhecida como “Convenção do Genocídio”) é um instrumento de direito internacional que codificou pela primeira vez o crime de genocídio, aprovada pela ONU em 1948 e que entrou em vigor em 1951. Cf. o link: https://www.un.org/en/genocideprevention/documents/Genocide%20Convention-FactSheet-ENG.pdf.
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