Por TARSO GENRO*
Estará preparado, nosso Estado, para um patamar novo de unidade e ir mais além da reconstrução das nossas bases físicas, devastadas pela hecatombe climática?
“Autoridade Nacional de Segurança Climática e Conselho Nacional sobre Mudança de Clima”. A proposta do órgão de estado foi feita pela ministra Marina Silva, no início de 2023, para fortalecer a estrutura de governança climática no Brasil e harmonizar os diversos fronts de ação governamental no território, articulados com as estruturas globais que tratam do assunto. Tudo – entre uma e outra guerra – nas quais estão ocupados os países coloniais-imperiais, que fazem a alegria da indústria armamentista.
Marina Silva, na fala que fez no projeto “República e democracia – o futuro não espera” do Instituto Novos Paradigmas, asseverou: “o mundo precisa convergir em dois aspectos: saúde, o combate à pandemia; e meio-ambiente, interrupção do colapso ambiental, com mudanças na matriz energética e nas formas de produzir. (…) Nós temos crime de lesa pátria e o crime de lesa humanidade (presentes) no Brasil. De lesa pátria quando acompanhamos a imensa destruição do patrimônio natural brasileiro e lesa humanidade, quando assistimos o não enfrentamento da pandemia: o mundo faz tudo para debelar o vírus e o governo Bolsonaro atua para que o Brasil se constitua no refúgio do vírus, além de destruir nossos ativos ambientais.”[i]
O vínculo político que Marina Silva fez, das suas assertivas, com o malfadado presidente de então é um divisor de águas num país que neste momento defronta-se com o “Apolicapse”, não tomado como o momento de uma explosão, mas como o início de uma agonia. É um vínculo feito pela decência analítica de quem não desvincula os humanos da tragédia, seja como vítimas, seja como autores de um desastre, que nos chama também para entender as alternativas do presente.
A medida tomada pelo Presidente supera – no imediato – as agendas das crises transferíveis para o território, que abarrotaram o cotidiano de Lula: Maduro e a oposição manipulando atas para dizer que ganharam; a hecatombe climática do nosso Estado; a Guerra da Ucrânia e as ações terroristas do Hamas (respondidas por sucessivos crimes de Guerra do Governo do Estado de Israel); a cassação do “X” pelo STF, empresa que se declarou um Estado virtual dentro de um Estado real, que lhe mostrou que o país tem leis e tem tribunais.
Ter como Presidente um estadista é um privilégio que poucos países da América do Sul dispõem no momento, para interferir na cena pública mundial, ao mesmo tempo em que atua no território, de maneira a não somente harmonizar conflitos e criar padrões da governabilidade – num mundo enlouquecido pelas Guerras e pelas formas pervertidas de formação da opinião.
Tanto o Presidente como Marina Silva demonstraram compreender que “seria um erro isolar as urgências de curto prazo da reflexão sobre a estratégias de longo e médio prazos, (pois) ambas devem ser informadas pela mesma visão de desenvolvimento sustentável (…) mediante um amplo debate societal (que) se desdobrará gradualmente num projeto nacional.”[ii].
Os debates promovidos no Instituto Novos Paradigmas, calcados nesta visão, nos levaram a pleitear junto ao presidente Lula um órgão específico para moldar, no Estado, uma saída estratégica de “médio e longo prazos”. Esta visão propunha, a partir da crise climática que irrompeu no Rio Grande do Sul – mais além da reconstrução imediata do Rio Grande do Sul – uma contribuição para todo o país, na formação de uma visão de desenvolvimento com sustentabilidade ecológica, social e ambiental, já que não tínhamos uma Autoridade Nacional com poderes para instituí-la, para dar conta de um projeto dessa envergadura.
A formação de uma Autoridade Nacional para o desafio da transição climática traz duas vantagens para o nosso Estado e dois problemas bastante relevantes: as vantagens são claras, primeiro, a instauração de poder visível e localizável para a apresentação de propostas e demandas e, segundo, a confiabilidade da pessoa a quem as forças políticas do Estado devem se reportar; e os problemas relevantes são óbvios: primeiro, que os recursos disponíveis serão repartidos no território total da crise (enchentes, fogo e seca); e segundo que as autoridades com força resolutiva ficarão distantes do Rio Grande do Sul.
Estará preparado, nosso Estado, para um patamar novo de unidade e ir mais além da reconstrução das nossas bases físicas, devastadas pela hecatombe climática? Não sabemos, na verdade. Não pela “grenalização” do Rio Grande do Sul, como dizem as “fontes” mais afamadas na formação da opinião política, mas pelo rastro de ódio político deixado pelo bolsonarismo, no nosso estado, que ainda perdura em significativos setores de todas as classes sociais. Mas devemos tentar!
*Tarso Genro Foi governador do estado do Rio Grande do Sul, prefeito de Porto Alegre, ministro da Justiça, ministro da Educação e ministro das Relações Institucionais do Brasil. Autor, entre outros livros, de Utopia possível (Artes & Ofícios). [https://amzn.to/3ReRb6I]
Notas
[i] República e democracia – o futuro não espera. O Instituto Novos Paradigmas (INP) e o Instituto Defesa da Classe Trabalhadora (Declatra), com o apoio da revista virtual Democracia e Direitos Fundamentais (DDF). Documento Síntese da série de entrevistas busca organizar consensos para orientar uma nova frente no Brasil, 2021, p.78.
[ii] I. Sachs, Desenvolvimento…. Grammont Universitária, Sebrae, p. 17.
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