Por MAÍRA VASCONCELOS*
A aprovação da “lei ônibus” se deu após a discussão mais longa da história da Câmara, concessões por parte do governo e intensa repressão nas ruas
Ao redor das 17 horas de ontem [2 fev.], foi confirmada a aprovação na Câmara dos Deputados, com ampla margem de votos, 144 a favor e 109 contra, da chamada “lei ônibus”, projeto impulsionado pelo governo de Javier Milei, e que representa, em grande medida, as profundas reformas neoliberais que o mileismo pretende implementar. Às 18 horas, manifestantes de esquerda e sociedade civil auto convocada estavam reunidos na Praça dos Dois Congresso, bloqueando parte do trânsito da Avenida Rivadavia, uma das mais importantes vias de Buenos Aires, até que uma operação policial desmedida, de proporção descomunal, fez valer o protocolo anti-protesto do ministério de Segurança de Patricia Bullrich, ex-ministra também do governo do ex-presidente Mauricio Macri (2015-2019), que com o uso de motos e gás pimenta começou a dispersar aqueles que protestavam contra a aprovação da lei. Os manifestantes pediam, entre outras pautas, que a principal força sindical do país, a Confederação Geral do Trabalho (CGT), convoque nova greve geral. A primeira aconteceu no último dia 24 de janeiro, com apenas 45 dias de governo.
Em uníssono e sem qualquer ruptura, o partido de governo La Libertad Avanza (LLA) e o Proposta Republicana (PRO), fundado pelo ex-presidente Macri, votaram positivamente o projeto. O governo fez concessões importantes para conseguir a aprovação da lei. Aceitou diminuir o número de empresas a serem privatizadas e o recorte dos poderes extraordinários concedidos ao presidente. Por isso, a vitória política do governo pode ser considerada parcial, ao menos até agora. Na próxima terça-feira, 6, a partir das 14 horas, a Câmara volta a discutir o texto, dessa vez, artigo por artigo. Por isso, não se pode considerar que a totalidade do projeto conseguiu meia sanção.
A aprovação da “lei ônibus” se deu após a discussão mais longa da história da Câmara, ao menos desde que se tem lembrança, assim comentam os meios de comunicação locais. Após três dias de discussão parlamentar, quase 60 horas de sessão, e três dias de repressão a manifestantes e jornalistas, mais de vinte profissionais ficaram feridos, a lei que originalmente se titula “Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”, chegou ao recinto parlamentar para discussão e votação com 525 artigos, 139 artigos a menos do que a versão original.
Segundo as análises iniciais do jornalista Marcelo Falak, do jornal digital argentino Letra P, pode-se considerar que a aprovação da lei na Câmara é uma vitória política para Javier Milei, já que o governo apresenta este projeto como algo “fundacional daquilo que será o resto do seu mandato”. No entanto, Falak considera que o texto original ficou extremamente condicionado, segundo os interesses de determinados governadores. A chamada “lei ônibus” tem como título original o nome imperioso de “Bases e Pontos de Partida para a Liberdade dos Argentinos”.
Por isso, de acordo com o jornalista, ainda é muito cedo para determinar vitórias governamentais e esse triunfo ainda é “opinável”, já que a vitória foi “muito custosa” e veio após “enormes esforços” do governo. “Talvez (uma vitória) menos significativa do que aquela que se buscava em um primeiro momento”, ponderou e destacou o fato de se considerar o que virá após a sessão marcada para a próxima terça-feira.
“Será fundamental saber o que acontece a partir da votação em particular (de cada artigo). Assim, vamos saber se os principais alinhamentos desse projeto estão de acordo com o que o governo pensava em um primeiro momento. Por exemplo, sobre as faculdades para delegar por decreto, sobre quais matérias, e com quais prazos. Como fica a lista de empresas a serem privatizadas, se essa privatização terá que passar ou não por instâncias do poder legislativo. São muitos os pontos para que se termine de fazer uma avaliação”, afirmou Falak.
Na semana passada, o ministro da Economia, Luis Caputo, anunciou a remoção do capítulo fiscal do projeto “lei ônibus”, com o intuito de conseguir os votos necessários para a aprovação, que, finalmente, aconteceu. A Câmara dos Deputados é presidida por Martín Menem, sobrinho do ex-presidente Carlos Menem (1989-1999), falecido em 2021, responsável pela implementação das reformas neoliberais dos anos 90, na Argentina. Menem não votou sobre a “lei ônibus”, e foram registradas, ademais, três ausências, sendo que dois dos faltantes são da província de Jujuy, Norte argentino, da coalizão peronista “União pela Pátria”.
Sobre a repressão durante os três dias de discussão do projeto, a ministra de Segurança, Patricia Bullrich, afirmou que não houve “nenhum incidente grave” e que a sua gestão continuará trabalhando para “manter a ordem pública”. Um assessor da bancada do partido “Frente de Izquierda” foi ferido com uma bala de borracha no olho, durante repressão da polícia, no segundo dia de discussão do projeto, e foi operado correndo o risco de perder o olho. O Sindicato de Imprensa de Buenos Aires denunciou que cerca de 20 jornalistas e fotojornalistas foram feridos, na última quinta-feira, durante a cobertura das manifestações nas imediações do Congresso.
*Maíra Vasconcelos é escritora e jornalista. Autora, entre outros livros, de O livro dos outros – poemas dedicados à leitura (Ofícios Terrestres).
Publicado originalmente no GGN.
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