A luta pelo poder no Equador

Imagem: Diego Alexander (Quito, Pichincha, Equador)
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por BRUNO FABRICIO ALCEBINO DA SILVA*

A sociedade equatoriana enfrenta um momento crítico em sua jornada democrática

O assassinato do candidato à presidência do Equador, Fernando Villavicencio, chocou o país e trouxe à tona uma série de questões complexas envolvendo a política equatoriana, o ambiente eleitoral e a violência associada ao narcotráfico. O crime ocorreu em meio a uma campanha eleitoral tensa, em que a centro-esquerda desponta como favorita, na figura de Luisa González.

Levantando suspeitas sobre a segurança dos processos democráticos no país e destaca a vulnerabilidade das figuras políticas que enfrentam ameaças e riscos. Em 2017, Villavicencio concorreu e foi eleito para um cargo na Assembleia Nacional do Equador. Sua eleição refletiu a crescente influência política e o apoio que recebeu de eleitores preocupados com questões de transparência, responsabilidade e justiça social.

 

Jornalismo e ativismo

Fernando Alcibiades Villavicencio Valencia, nascido em 11 de outubro de 1963, teve uma trajetória marcada pelo jornalismo crítico e pela defesa das causas sociais, emergiu como um dos principais opositores ao governo do ex-presidente Rafael Correa. Sua atuação como jornalista investigativo o colocou em confronto com poderosos interesses, incluindo denúncias de corrupção e vínculos com o narcotráfico. Além disso, sua participação no Movimento Construye e sua candidatura à presidência representavam uma das frentes da direita no pleito que ocorrerá no próximo domingo, sendo um ferrenho defensor do atual mandatário Guillermo Lasso durante seu período na Assembleia Nacional, embora estivesse na quinta posição da corrida presidencial.

Fernando Villavicencio começou sua jornada como jornalista e comunicador social, formando-se em jornalismo e comunicação na Universidade Cooperativa da Colômbia. Sua incursão na política começou com seu papel como um dos fundadores do Movimento Pachakutik em 1995. O Pachakutik é um partido político equatoriano que representa os interesses dos povos indígenas e das comunidades afro-equatorianas. Fernando Villavicencio se destacou por sua defesa dos direitos desses grupos marginalizados e por sua crítica às políticas que prejudicavam suas comunidades.

O Partido Pachakutik é parte integrante da complexa cena política do Equador, caracterizada por uma pluralidade de ideias, correntes e interesses. O Pachakutik se destaca por sua orientação indigenista e plural, representando não apenas uma plataforma política, mas também um movimento social e cultural que busca garantir os direitos e interesses das comunidades indígenas e outras populações marginalizadas do país.

 

Crítico ferrenho do governo de Rafael Correa

O candidato assassinado era uma figura que polarizava opiniões e estava envolvida em diversas críticas e controvérsias. Sua trajetória política e ativismo anticorrupção foram marcados por várias questões controversas.

Sua postura contra Rafael Correa, sensacionalista e ruidosa, seria correspondente ao lavajatismo no Brasil e em outros países da América Latina. Suas denúncias e exposições frequentemente tinham como alvo altos escalões do governo e casos de má conduta. Ele foi uma das vozes mais proeminentes a denunciar o escândalo do “Arroz Verde”, que levantou suspeitas sobre o financiamento da campanha de Correa em 2013. No entanto, assim como a “Lava Jato” também enfrentou críticas e controvérsias, o candidato à presidência não escapou de questionamentos sobre suas táticas, motivações e abordagens.

Fernando Villavicencio foi condenado a 18 meses de prisão por difamação e críticas feitas contra o ex-presidente. Ele fugiu para um território indígena no Equador e, posteriormente, obteve asilo no Peru. Sua volta ao país após a saída de Rafael Correa da presidência foi vista por muitos como um retorno oportunista.

A morte trágica e repentina lançou ainda mais sombras sobre sua figura. Enquanto alguns o veem como um herói que deu sua vida na luta contra a corrupção e a impunidade, outros suspeitam de possíveis motivações obscuras por trás de seu assassinato. Sua morte também levantou preocupações sobre o estado da segurança pública no Equador e os desafios enfrentados pelo país em relação à criminalidade e à violência.

 

“Morte Cruzada”

A “morte cruzada” é um dispositivo constitucional equatoriano que permite a dissolução do parlamento por parte do presidente e a convocação de eleições gerais em casos de grave crise política.

A medida foi invocada pelo presidente Guillermo Lasso, resultando na dissolução da Assembleia Nacional em maio último. Essa ação, vista por muitos como uma manobra política para conter a oposição e garantir o controle do governo, contribuiu para a escalada das tensões pré-eleitorais. Guillermo Lasso nunca teve maioria parlamentar e enfrentava três pedidos de impeachment.

Fernando Villavicencio, que havia ocupado o cargo de deputado federal até maio, viu seu mandato ser interrompido devido à dissolução da Assembleia Nacional. Essa ação teve um impacto direto em sua carreira política, pois ele não pôde mais exercer suas funções parlamentares e representar seus eleitores.

A convocação de eleições gerais antecipadas, reconfigurou o ambiente político e um cenário de competição eleitoral renovado. Isso também afetou a posição de Fernando Villavicencio como candidato presidencial.

 

A conjuntura política do Equador

Nas últimas duas décadas, o Equador tem passado por uma conturbada situação política, econômica e social, marcada por desafios complexos e mudanças significativas. Um dos fatores que influenciaram essa dinâmica foi o boom do petróleo, que teve um impacto profundo na trajetória do país.

No início dos anos 2000, o país experimentou um período de instabilidade política e econômica, caracterizado por sucessivas mudanças de presidente e uma crise financeira. Foi nesse contexto que Rafael Correa ascendeu ao poder em 2007, prometendo uma agenda progressista e uma abordagem mais nacionalista em relação aos recursos naturais, incluindo o petróleo.

O boom do petróleo entre 2005-2010 desempenhou um papel crucial na economia equatoriana durante parte do governo de Rafael Correa. Os altos preços no mercado internacional permitiram ao governo financiar programas sociais e investimentos em infraestrutura. No entanto, essa dependência excessiva da commodity também trouxe desafios, uma vez que a economia equatoriana se tornou altamente vulnerável à volatilidade dos preços globais do petróleo.

Apesar dos benefícios iniciais, a gestão do boom do petróleo também esteve envolta em controvérsias. Críticos argumentavam que o governo de Rafael Correa não estava diversificando adequadamente a economia e que não estava preparando o país para um cenário pós-boom. Além disso, a exploração intensiva do insumo levantou preocupações ambientais e sociais, especialmente nas comunidades indígenas afetadas pelo desenvolvimento dos campos petrolíferos.

O governo de Rafael Correa também foi marcado por tensões políticas e alegações de autoritarismo. Enquanto ele era popular entre alguns setores da população, outros o acusavam de restringir a liberdade de imprensa, perseguir opositores políticos e concentrar poder em suas mãos.

Nos anos seguintes, a queda dos preços no mercado global e outros fatores econômicos levaram a uma desaceleração econômica no Equador. Isso, combinado com questões estruturais e políticas internas, contribuiu para a instabilidade política e protestos sociais. O país passou por momentos de agitação, incluindo manifestações em 2019 contra as medidas de austeridade propostas pelo governo de Lenín Moreno.

A atual conjuntura do Equador é marcada por uma série de desafios, incluindo a recuperação econômica pós-pandemia, a necessidade de diversificação econômica, a gestão ambiental sustentável e a busca por estabilidade política.

 

Exílio de Correa

A trajetória de Rafael Correa, ex-presidente do Equador, tem sido marcada por momentos dramáticos e controversos, incluindo sua situação atual de exílio e a presidência subsequente de Lenín Moreno.

Rafael Correa, que governou o Equador de 2007 a 2017, era uma figura polarizadora que implementou políticas de cunho desenvolvimentista e nacionalista, enfatizando a redistribuição de riqueza e recursos naturais. Durante seu mandato, o Equador experimentou um período de relativa estabilidade econômica, impulsionado em parte pelos altos preços do petróleo, que financiaram programas sociais e investimentos em infraestrutura.

Seu legado é caracterizado por avanços e retrocessos. Rafael Correa promoveu investimentos em educação e saúde, reduzindo a pobreza e fortalecendo o Estado de bem-estar social. No entanto, enfrentou desafios econômicos devido à queda do preço do petróleo e à falta de previsão nos gastos. Como presidente, aprovou uma Lei de Comunicação em 2013 acusada pela mídia de cercear a liberdade de expressão e teve controvérsias ambientais ao permitir a exploração petrolífera na Amazônia.

Após deixar o cargo e sofrendo perseguição política e judicial, Rafael Correa escolheu viver no exílio na Bélgica. Sua ausência abriu espaço para Lenín Moreno, seu vice, assumir a presidência em 2017. O candidato foi eleito pelas forças progressistas lideradas por Rafael Correa e rapidamente começou sua guinada à direita.

Lenín Moreno adotou uma abordagem mais pragmática em relação à política e à economia, afastando-se das políticas de Rafael Correa. Essa mudança de direção trouxe consigo uma série de reformas e ajustes econômicos, incluindo a busca por acordos com o Fundo Monetário Internacional (FMI) para enfrentar desafios fiscais.

A relação entre Rafael Correa e Lenín Moreno se deteriorou significativamente, e o ex-presidente Correa foi condenado à revelia a oito anos de prisão por corrupção e envolvimento em um suposto esquema de suborno em 2018. O ex-presidente alega que as acusações são politicamente motivadas e parte de uma perseguição.

A conturbada situação política e jurídica de Rafael Correa e o exílio que ele escolheu enfatizam as tensões internas e as divisões profundas na política equatoriana. Além disso, colocam em destaque as complexas questões de governança, democracia e justiça que o Equador enfrenta.

 

Assassinato em plena campanha

O assassinato de Fernando Villavicencio ocorreu em meio a uma campanha presidencial acirrada, caracterizada por acusações mútuas entre os candidatos, agitação social e incertezas sobre o futuro político do país. Ele foi atingido por três tiros após sair de um comício em Quito. Esse ato violento interrompeu abruptamente sua ascensão política e gerou uma onda de consternação e revolta entre seus seguidores.

O crime evidencia a fragilidade da segurança para figuras políticas em um contexto no qual interesses poderosos, rivalidades políticas e a presença do crime organizado podem se entrelaçar, resultando em tragédias como essa. A investigação das circunstâncias do assassinato e a identificação dos responsáveis são cruciais para restaurar a confiança no processo democrático e na justiça equatoriana. Sua morte trágica levanta questionamentos sobre a segurança dos candidatos em um ambiente político cada vez mais hostil.

 

Clima de violência e narcotráfico

O Equador tem enfrentado desafios crescentes relacionados ao narcotráfico e à violência associada a ele. A geografia do país o coloca em uma posição estratégica para o tráfico de drogas, tornando-o vulnerável a influências criminosas. A taxa de homicídios aumentou significativamente, a criminalidade no país fez com que a taxa de homicídios dobrasse em 2022, chegando a 25 mortes a cada 100 mil habitantes, refletindo um ambiente de insegurança que impacta não apenas os cidadãos, mas também a estabilidade política.

Há cerca de duas semanas, Agustín Intriago, prefeito da cidade de Manta, foi morto a tiros. O presidente Lasso, em resposta ao assassinato, declarou estado de exceção em algumas regiões costeiras do Equador devido à “comoção interna grave”. Ele argumentou que o crime organizado se infiltrou nas estruturas do Estado, organizações políticas e na sociedade em geral. A medida incluiu a imposição de toque de recolher e o uso conjunto da polícia e das Forças Armadas para manter a ordem pública.

 

Impacto na democracia e nas eleições

Com a indecisão do eleitor equatoriano, variando entre 41% e 9%, segundo pesquisas de quatro empresas registradas no Conselho Nacional Eleitoral (CNE), são um reflexo da complexidade do cenário político, a doze dias das eleições presidenciais e legislativas do próximo dia 20. As pesquisas de diferentes empresas mostram distintos resultados. De acordo com a Click Report um dia antes do assasinato, Luisa González estaria liderando com cerca de 30% dos votos, seguida por Yaku Pérez com 14%, Otto Sonnenholzner com 12%, Jan Tropic com 9% e Villavicencio com 7%. A morte trágica de um candidato também adiciona incerteza ao processo democrático, levantando questões sobre polarização, confiança nas instituições e participação eleitoral.

Enquanto alguns candidatos, como Luisa González ligada ao correismo, enfatizam a justiça social e os direitos humanos, outros, como Yaku Pérez e Otto Sonnenholzner, se concentram em questões indígenas, ambientais e econômicas. Jan Topic representa uma abordagem conservadora e pró-mercado. Esta conjuntura delicada exige uma reflexão profunda sobre as opções políticas disponíveis e seus impactos para a nação equatoriana.

Nesse contexto, a sociedade equatoriana enfrenta um momento crítico em sua jornada democrática. A tragédia recente moldará o curso das eleições e do país como um todo. A ponderação cuidadosa das propostas e visões dos candidatos é fundamental para garantir um futuro que preserve os valores democráticos, fortaleça as instituições e promova o progresso contínuo do Equador.[1]

*Bruno Fabricio Alcebino da Silva é bacharel em Ciências e Humanidades pela Universidade Federal do ABC.

Nota


[1] Agradeço ao professor Gilberto Maringoni pela colaboração.


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Julian Rodrigues Eugênio Trivinho Paulo Martins Francisco de Oliveira Barros Júnior Paulo Fernandes Silveira Fernando Nogueira da Costa Annateresa Fabris Carla Teixeira Michael Löwy Mariarosaria Fabris Anselm Jappe Ronald León Núñez Luís Fernando Vitagliano João Carlos Loebens Eduardo Borges Luiz Carlos Bresser-Pereira Luciano Nascimento Manchetômetro Bruno Machado Bruno Fabricio Alcebino da Silva Gilberto Maringoni Antonio Martins Benicio Viero Schmidt Tarso Genro Ronald Rocha José Raimundo Trindade André Singer José Luís Fiori Manuel Domingos Neto Paulo Nogueira Batista Jr Paulo Capel Narvai Jorge Luiz Souto Maior Thomas Piketty Yuri Martins-Fontes Fábio Konder Comparato Ronaldo Tadeu de Souza Maria Rita Kehl Eugênio Bucci José Dirceu Andrew Korybko Eleonora Albano Walnice Nogueira Galvão Jean Marc Von Der Weid Carlos Tautz Gabriel Cohn João Carlos Salles Alexandre Aragão de Albuquerque Vanderlei Tenório Luiz Bernardo Pericás Paulo Sérgio Pinheiro Leda Maria Paulani Vinício Carrilho Martinez André Márcio Neves Soares Eleutério F. S. Prado Michel Goulart da Silva Marilena Chauí Daniel Brazil Ari Marcelo Solon Gilberto Lopes José Micaelson Lacerda Morais Armando Boito Alysson Leandro Mascaro Luiz Roberto Alves Slavoj Žižek Flávio Aguiar Marcelo Módolo Matheus Silveira de Souza Andrés del Río Rafael R. Ioris Alexandre de Lima Castro Tranjan Berenice Bento Bernardo Ricupero Juarez Guimarães Rodrigo de Faria Sergio Amadeu da Silveira Jorge Branco Liszt Vieira Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Caio Bugiato Dennis Oliveira Osvaldo Coggiola José Geraldo Couto Leonardo Avritzer Luis Felipe Miguel Leonardo Boff Tales Ab'Sáber Ricardo Fabbrini Marcos Silva Rubens Pinto Lyra Dênis de Moraes Michael Roberts João Lanari Bo Luiz Marques Daniel Costa José Costa Júnior Claudio Katz Airton Paschoa Marilia Pacheco Fiorillo Antonino Infranca José Machado Moita Neto Gerson Almeida Priscila Figueiredo Luiz Eduardo Soares Leonardo Sacramento Igor Felippe Santos Valerio Arcary Daniel Afonso da Silva Ricardo Antunes Ricardo Abramovay Alexandre de Freitas Barbosa Marcus Ianoni Henri Acselrad Francisco Pereira de Farias Flávio R. Kothe Marcos Aurélio da Silva Ricardo Musse Luiz Renato Martins Boaventura de Sousa Santos Celso Favaretto Valerio Arcary João Sette Whitaker Ferreira João Adolfo Hansen Kátia Gerab Baggio Heraldo Campos Jean Pierre Chauvin Renato Dagnino Marcelo Guimarães Lima Vladimir Safatle Lincoln Secco Otaviano Helene Antônio Sales Rios Neto João Paulo Ayub Fonseca Celso Frederico Chico Alencar Ladislau Dowbor Milton Pinheiro Tadeu Valadares Mário Maestri Salem Nasser Fernão Pessoa Ramos Lorenzo Vitral Plínio de Arruda Sampaio Jr. Eliziário Andrade João Feres Júnior Bento Prado Jr. Luiz Werneck Vianna Remy José Fontana Érico Andrade Lucas Fiaschetti Estevez Denilson Cordeiro Sandra Bitencourt Marjorie C. Marona Everaldo de Oliveira Andrade Chico Whitaker Elias Jabbour Atilio A. Boron Francisco Fernandes Ladeira Afrânio Catani Samuel Kilsztajn Henry Burnett

NOVAS PUBLICAÇÕES