Por ILAN ZUGMAN & CARLOS TAUTZ*
As contradições entre a realidade dos atos e a intenção declarada pelos governos de estimularem o uso de fontes energéticas menos poluentes do que os combustíveis fósseis
À medida que se aproxima a 28a. Conferência das Partes da Convenção das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas (a COP28, que ocorrerá de 30 de novembro a 12 de dezembro em Dubai, nos Emirados Árabes Unidos) ficam mais evidentes as contradições entre a realidade dos atos e a intenção declarada pelos governos de estimularem o uso de fontes energéticas menos poluentes do que os combustíveis fósseis.
Para demandar soluções reais e imediatas, a organização global de justiça climática 350 organizações e outras entidades da sociedade civil realizarão em todo o planeta nos dias 3 e 4 de novembro atos de rua para lembrar os países ricos da sua responsabilidade em adotar ações imediatas na direção de uma matriz energética menos poluidora.
Por exemplo, o governo do Brasil, que sempre realça a necessidade de transitar da geração fóssil, na prática tem tomado posições controversas. Por exemplo, gastou em 2022, segundo a Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), quase R$ 12 bilhões em subsídios a termelétricas movidas a gás natural, destinados através da Conta de Desenvolvimento Energético (CDE).
Mais R$ 1 bilhão em subsídios dirigiram-se a usinas termelétricas movidas a carvão mineral – cuja queima é considerada – de longe – a fonte de energia que mais emite gases causadores do efeito estufa.
Inclusive, esses subsídios ao carvão tiveram um aumento de 21% em relação aos R$ 750 milhões desembolsados em 2021, quando os gastos públicos com essas fontes poluidoras já haviam crescido 12% sobre 2020. Os dois sucessivos incrementos reverteram uma queda que estava sendo verificada nos cinco anos anteriores no uso do carvão. Esta fonte participa com apenas 1,3% da geração de energia brasileira.
Todas as fontes fósseis reunidas – incluindo também o gás natural e o petróleo – abocanharam em 2021 quase R$ 120 bilhões em subsídios governamentais, conforme um estudo do Instituto de Estudos Socioeconômicos (INESC), publicado em novembro de 2022.
Entre os subsídios calculados pelo INESC, estão a contratação compulsória de geração termelétrica e pequenas centrais hidrelétricas (R$ 55 bilhões), contratação de leilão emergencial (R$ 40 bi), e a CDE (perto de R$ 35) bilhões.
A contradição entre o discurso e a prática oficiais é tão grande que atinge até o governo internamente. O Executivo publicou em 2020 o “Programa para uso sustentável do carvão mineral” e não fez qualquer movimento para vetar uma norma emitida pelo Legislativo que inseriu, naquele mesmo ano, de contrabando, os subsídios ao carvão no processo de privatização da ex-holding estatal de energia Eletrobrás. Mas, esta não foi a posição do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), pertencente ao Ministério da Indústria e do Comércio, que decidiu não mais financiar a construção de novas usinas térmicas a carvão.
O pior é que a continuidade dos subsídios deve dificultar o investimento nas chamadas renováveis, como a solar e a eólica, e no hidrogênio verde, segundo vozes de mercado ouvidas pela agência EPBR, especializada em notícias sobre energia.
Elas indicam ser necessário rever os subsídios em fósseis e destiná-lo a, por exemplo, tornar competitivo o hidrogênio verde – uma das principais alternativas aos fósseis. Livre para ser beneficamente aplicado, esse volume de recursos também seria suficiente para incentivar a descarbonização da indústria brasileira. Mas nada indica que a contradição será revista no curto prazo. Ao contrário.
Divulgada em outubro, uma pesquisa do IEMA – Instituto de Energia e Meio Ambiente observou até que houve uma ampliação marcante das fontes biomassa, eólica e solar na matriz energética – o que indicaria uma diminuição no volume de gases emitidos.
Mas, também segundo o IEMA, houve a simultânea “expansão do uso de combustíveis fósseis para geração de eletricidade. Ainda que, em 2022, essa geração tenha caído cerca de 49% em relação ao ano de 2021, devido principalmente à recuperação dos reservatórios das hidrelétricas, a produção de energia elétrica por termelétricas fósseis saiu de 35 TWh em 2002 para quase 69 TWh em 2022, praticamente dobrando”.
Em vez de aprender com a realidade que nos bate à porta – a histórica seca na região amazônica e o aumento recorde na temperatura da Terra em 2022, de 1,15 oC acima dos níveis verificados antes da Revolução Industrial – governos, principalmente aqueles das maiores economias, e demais agentes de mercado, que induzem a produção e o consumo de combustíveis, insistem na visão que acaba por nos levar a um futuro incerto para o planeta e a espécie humana.
A qual futuro chegaremos, não há como saber.
*Ilan Zugman é mestre em gestão ambiental e diretor da 350.org na América Latina.
*Carlos Tautz é jornalista e doutorando em história na Universidade Federal Fluminense (UFF).
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