Por ANDRÉS DEL RÍO*
Os discursos violentos criam extremos, a favor e contra, sem possibilidades de problematização. E extinguem os espaços de debate
A extrema direita é uma realidade que se alastra e se consolida em todo ocidente. Ela é diversa, mas tem roteiro. Tem canais internacionais de troca de saberes e de práticas nas margens da democracia. Javier Milei abraçou o roteiro adaptando-o a realidade argentina. Neste pequeno texto, analisamos a violência discursiva de Javier Milei como forma de governar.
Liderança extrema
Que falar do atual presidente que não se tenha falado? Para começar, o profundo desprezo da política, especialmente, dos políticos (apelidados por ele de “casta”). Nas suas próprias palavras: “Pensar que os políticos estão a cuidar de nós é como colocar os nossos filhos nas mãos de um pedófilo”.[i] Javier Milei é agressivo, deixando paralisado a qualquer cidadão civilizado. Frases de efeito, de simples compreensão e grande impacto, desbordam a fronteira do respeito socialmente aceito. As formas e o conteúdo são violentos. É um presidente de redes sociais, um presidente TikTok.
A liberland
Os discursos violentos criam extremos, a favor e contra, sem possibilidade de problematização. Extingue os espaços de debate. De um lado, alguns se mostram chocados, revoltados ou indignados; por outro, há aqueles que comemoram a ofensa e a propagam. Esses discursos ativam as emoções que causam tensão no corpo. Este tipo de discursos traz todos ao campo da violência. As respostas educadas e não combativas dão a sensação de pouca potência, falta de assertividade. As respostas que envolvem o mesmo nível de violência acabam por deslocar o debate do campo do diálogo para o campo de guerra. Entrando, desse modo, no seu território hostil.
O discurso violento não é dirigido para os aliados, eles sempre são vítimas. A violência é disparada contra os inimigos, e contra aqueles que o contradizem. A utilização de linguagem agressiva e ofensiva perpetua um ciclo de hostilidade e desrespeito, minando as possibilidades de diálogo construtivo e de entendimento mútuo. Em janeiro deste ano, no encontro dos ricos em Davos, Javier Milei gritava para que todos saibam qual é seu time: “Quero deixar uma mensagem a todos os empresários: vocês são heróis, não deixem que ninguém vos diga que a vossa ambição é imoral”.
Sua fala foi bastante distinta do tom agressivo e depreciativo empregado contra seus inimigos. Ao ser eleito presidente, em novembro de 2023, por um lado, Javier Milei delimitou geograficamente qual é seu território: “Eu sou o General AnCap [anarco-capitalista]. Venho da Liberland, uma terra criada pelo princípio da apropriação original do homem”. Pelo outro lado, deixou em claro quem são seus inimigos: “Não tenham medo, lutem contra os esquerdistas, nós vamos ganhar, somos superiores em termos de produção, somos superiores em termos morais”.
Claro, Javier Milei não só tem como inimigo a esquerda (ou semelhantes), a justiça social, as feministas (apelidadas de assassinas de lenço verde) e os subsídios aos serviços essenciais, mas também, ele grita para todos: “considero o Estado como um inimigo”. O descabelado presidente incorpora o tom heroico a sua missão fundacional motivo pelo qual ele foi escolhido (segundo ele): “A minha missão é dar pontapés no rabo aos keynesianos e aos coletivistas filhos da p…”. Assim, como em outros governos de extrema direita, estão os cidadãos de bem e os inimigos da liberdade.
O apelido de “El loco” o persegue desde que estava na escola. Aliás, desde a infância ele carrega consigo a sua a solidão e as cicatrizes emocionais causadas pela violência dos seus pais. Mas o mundo esotérico e místico entra na sua vida recentemente, com a morte de Conan, seu cachorro preferido. Juan Luis González, o autor do livro El loco, a biografia sobre Javier Milei, comenta: “Segundo ele próprio, deus revela-lhe que tem de entrar na política e não parar até se tornar presidente e derrotar o maligno, que seria o socialismo”.[ii] Nesse parágrafo dá para armar parte do quebra cabeça emocional do messiânico presidente argentino.
Arquitetura da violência
A violência impacta nas sociedades, molda ações e cultiva o medo. A violência carcome a dinâmica democrática. Neste contexto, o temor reduz participação de grandes setores que se veem ameaçados, estabelecendo se um clima de medo e insegurança na população. O medo gera desconfiança. Atrofia o tecido social. As pessoas desconfiam umas das outras, o que pode levar à fragmentação da comunidade e à perda de coesão social. O espaço público se torna um espaço de batalha, do bruto, hobbesiano, desprezando as diferenças e a diversidade, a representatividade e o debate. Nos últimos dias, na sua briga com os governadores, Javier Milei declarou: “Vou mijar-lhes em cima a todos, quem é que eles pensam que são”. Além disso, garantiu que “se continuarem a fazer merda, fecho o Congresso”.[iii]
Nesse panorama, de discursos violentos e de medo em aumento, as pessoas podem se tornar mais autoritárias e menos tolerantes com a dissidência. Crescem as divisões sem importar as nuances de uma sociedade. A violência desgasta valores humanitários, como a compaixão e a empatia. O outro é o inimigo. Começa a banalizar-se os discursos violentos, a naturalizar sua presença como algo inevitável, aceitável.
“Entre a máfia e o Estado, prefiro a máfia. A máfia tem códigos, a máfia cumpre, a máfia não mente, a máfia compete”[iv] grita um raivoso Javier Milei. O discurso violento reconfigura sentidos, limites e o cenário social. O medo é um grande ativo. Ele paralisa, silencia, acua. O contrário da raiva, uma emoção de ação. Sendo assim, utilizar uma linguagem inflamada e ofensiva para atacar seus oponentes é fundamental para deslegitimar suas ideias e incitar a violência. E, com ela, mantem-se acessa a chama do cólera nos seus mais fiéis seguidores.
Mas o discurso violento não é suficiente. Ele precisa ser constante, abundante. Sua frenética frequência nos vai deixando aturdidos, esgotados por causa da incessante quantidade de aberrações diárias. A vista disso, vai se puxando o limite, naturalizando a violência e as ofensas institucionais. Um processo gradual, por vezes imperceptível, que reconfigura os limites já ultrapassado. Neste oceano de agressões, as pessoas tornando-se apáticas, desconectando-se para sobreviver no cotidiano.
Redes do ódio
Mas além da constância, são precisos veículos para comunicar e gente para mobilizar. Aqui reside a importância das redes sociais, aplicativos de mensagens e as diversas plataformas digitais. Javier Milei tem uma grande vantagem nesse terreno. A rede social X é a preferida do mandatário argentino. Facilita o vínculo direto e impõe o ritmo de caudal de informação que o presidente precisa liberar estrategicamente. Existe, no mundo virtual, um exército de bots, trolls e apoiadores, que atuam com precisão milimétrica, segundo as necessidades e tempos específicos. Pautar o tema do dia, multiplicar as falas violentas do presidente, lançar memes, é parte do dia a dia nas redes.
As campanhas de desinformação que brotam nessas plataformas, amplificam os problemas, manipulando os sensibilizados cidadãos. Existe um permanente emprego de memes, vídeos e outros conteúdos audiovisuais para alcançar um público mais amplo, especialmente jovens. E tudo é feito sempre simulando sinceridade e espontaneidade, mas é plástico, artificial, premeditado e organizado. Na terra sem lei, a banalidade dos discursos agressivos e ofensivos, sintoma da sociedade desigual e violenta, facilita as divisões sociais em benefício de interesses específicos.
No ambiente virtual, o perfil anônimo dos usuários incentiva o uso de discursos violentos. A ausência de moderação e de filtros habilita e libera o terreno para discursos extremos. Nada é aleatório. A normalização da violência no âmbito digital, utilizando um humor violento e misógino, é abraçado com maior facilidade. As bolhas reforçam crenças, amplificam mensagens de ódio, reduzindo os espaços de dissenso. Estabelece-se uma falsa crença de uniformidade de visão de mundo, radicalizando posições. Tudo isto regado pelas facilidades dadas pelas próprias empresas de tecnologia que lucram com o ódio, gerando mais likes, engajamento e seguidores. Após o discurso de Javier Milei em Davos, um Elon Musk eufórico postou na sua própria rede X uma imagem pornográfica com a frase “Muito quente neste momento”[v]. Sim, esse é o xerife da moderação do X.
Detrás da câmera
Javier Milei não chegou aos 100 dias ainda, mas seu estilo violento já é parte do dia a dia argentino. Suas longas jornadas na plataforma X, as constantes entrevistas na mídia amiga, as suas turbulentas aparições em público, são parte da ecologia política atual, marca da sua gestão. Entretando, a fome grita nas ruas e a pobreza supera o 57% da população. Tudo produto das suas decisões e escolhas políticas. Tanto o FMI como o ex-ministro Cavalo indicaram a necessidade de cuidar dos aspectos sociais de seu governo.
Isso mesmo! Até o FMI é mais preocupado socialmente que o presidente, preso em seu metaverso. Recentemente Javier Milei visitou a escola onde ele estudou. Enquanto discursava um estudante no seu lado desmaiou no palco. Ele não se mexeu, nem o ajudou. Aliás, ele o ironizou “Outro mais?”. A falta de empatia e desconexão são características deste messiânico presidente. E isso não é fake. Mas detrás deste funcional showman de discursos violentos e ideias socialmente inviáveis, existe um processo de desmonte institucional, de regressão de direitos, de financeirização, de repressão e desarticulação do espaço público que devemos observar e disputar.
*Andrés del Río é professor de ciência política na Universidade Federal Fluminense (UFF).
Notas
[i] https://www.cronista.com/economia-politica/las-10-frases-mas-picantes-de-milei-en-campana/
[ii] https://www.pagina12.com.ar/568560-como-es-el-loco-la-biografia-de-milei
[iii] https://www.pagina12.com.ar/718622-milei-contra-los-gobernadores-los-voy-a-mear-a-todos
[iv] https://www.eltiempo.com/mundo/latinoamerica/javier-milei-las-10-frases-mas-polemicas-del-nuevo-presidente-de-argentina-827313
[v] https://www.cronista.com/economia-politica/el-provocativo-tuit-que-elon-musk-le-dedico-a-javier-milei-tan-caliente/
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