As ilusões da esquerda liberal

Foto: Suzy Hazelwood
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Por FLÁVIO MAGALHÃES PIOTTO SANTOS*

O que o Partido dos Trabalhadores buscou em todo esse tempo foi se mostrar como um gestor competente do sistema econômico capitalista brasileiro

“A atitude de um partido político diante de seus erros é um dos critérios mais importantes e certos para julgar a seriedade desse partido e do cumprimento efetivo de seus deveres para com a sua classe e as massas trabalhadoras.”
Vladímir Lênin, Esquerdismo: doença infantil do comunismo

A contra-revolução

Apesar de não ser o único momento e nem sequer o mais importante, as eleições burguesas são uma oportunidade para refletir sobre os caminhos políticos escolhidos, seus sucessos ou suas falhas, além de mobilizar para determinadas pautas. A questão fundamental não é analisar somente os votos, mas compreender a tendência interna do movimento político que os votos manifestam na superfície. Nesse sentido, as eleições de Outubro de 2024 são absolutamente vitais para fazer uma reflexão teórica sobre a estratégia e tática da esquerda brasileira.

A teoria, há muito tempo abandonada pela maioria dos partidos desse campo político, não é um diletantismo intelectual sem relevância, mas, ao contrário, permite analisar o real e, a partir disso, estabelecer o caminho de uma práxis política coerente. Refletir teoricamente é estabelecer caminhos concretos práticos. Assim, a teoria é uma necessidade que se impõe a qualquer partido político de esquerda. As últimas eleições permitem estabelecer alguns pontos fundamentais a esse respeito.

O resultado da votação do último mês de outubro marcou um avanço a largos passos da direita e da extrema direita. Houve vitória de partidos nesse espectro político em 25 das 26 capitais brasileiras. O avanço da contra-revolução da direita encontra um terreno fértil na capacidade de mobilização da população, reforçando uma tendência que já havia se apresentado nas últimas eleições. Existem, então, duas possibilidades de reflexão para se fazer. De um lado, é possível indagar: como a direita e a extrema-direita conseguem vencer de forma avassaladora a esquerda? Por outro lado, seria também plausível questionar: como a esquerda consegue perder de uma maneira tão retumbante?

A primeira pergunta envolve menos pensar sobre o que é um partido de esquerda, sua estratégia e tática, e mais sobre como analisar a conjuntura. A direita e a extrema-direita se apresentam como antissistema, ou seja, contra o sistema político burguês existente. Mas, afinal, que sistema é esse? É o sistema que explora os trabalhadores, cria longas filas em hospitais, amplia o medo e a insegurança diante dos mais variados crimes cometidos, intensifica o trânsito e degrada o transporte público, dificulta o acesso a bens de consumo necessários, transforma a educação pública em algo do qual todos querem fugir, polui e desmata a natureza, acaba com o lazer gratuito e diverso e deixa a arte nacional em completo esquecimento e descrédito.

Qualquer trabalhador brasileiro reconhecerá facilmente uma, duas ou mais características dessas citadas acima, além de outras, em suas cidades. Cada um dos milhões de trabalhadores brasileiros sabe o que essa situação é e quais são seus efeitos práticos na luta da vida cotidiana.

A direita captura, dessa forma, uma insatisfação do povo brasileiro em relação ao sistema político totalmente apodrecido, composto por um conjunto de políticos a serviço de frações do capital (latifundiários, banqueiros, industriais) e também em relação ao sistema econômico-social que existe no Brasil, isto é, um capitalismo dependente que gera o subdesenvolvimento. Há, portanto, uma compatibilidade entre a insatisfação generalizada da população brasileira e aquilo que é propagandeado pela direita, não somente durante as eleições, mas durante praticamente todo o tempo restante. É essa compatibilidade que permite o avanço ininterrupto da direita e a consolidação da sua força de mobilização política.

Contudo, essa ideia que a direita dissemina é antissistema apenas na aparência, pois, na realidade, ela é uma validação ultrassistema, ou seja, a direita só pode manter e aprofundar todas as mazelas que os trabalhadores brasileiros sentem em sua pele cotidianamente. Na aparência, como crítica do sistema e redentora dos trabalhadores; na prática, como agente de intensificação da exploração dos trabalhadores. Aqui está a vitalidade política da direita.

Diante desse cenário, qual tem sido o papel da esquerda brasileira? Quais são os caminhos que ela traçou para combater um inimigo tão astuto, quanto potente? Para isso, é necessário pensar na estratégia e tática dessa dita esquerda.

Estratégia e tática da esquerda liberal

Para discutir a estratégia e tática da esquerda liberal, é importante analisar as eleições da cidade de São Paulo. Essa cidade é significativa não somente por ser o maior município brasileiro, mas também porque ela representou a nacionalização das eleições. De um lado, Jair Bolsonaro apoiou, juntamente com Tarcísio de Freitas, o candidato Ricardo Nunes do MDB. Por outro, Lula apoiou o candidato Guilherme Boulos do PSOL. Assim, ambas candidaturas representavam uma disputa política nacional.

O primeiro elemento que chama a atenção no segundo turno foi a quantidade de abstenções: 2,8 milhões de pessoas deixaram de votar, um total de aproximadamente 31% da população paulistana. Junto com as abstenções, os 665 mil votos nulos ou brancos superaram inclusive em número o candidato Ricardo Nunes que venceu e ficou com 3,3 milhões de votos. Isso é uma manifestação clara do descrédito do povo em relação ao sistema político, o que reforça a completa impossibilidade desse mesmo sistema de resgatar sua credibilidade e sua funcionalidade. O candidato Guilherme Boulos ficou com 2,3 milhões de votos, um milhão de votos abaixo de Ricardo Nunes.

Guilherme Boulos foi o candidato apoiado por Lula e o PT, uma vez que esse partido abriu mão de uma candidatura própria para apoiar o PSOL. Portanto, Guilherme Boulos foi o representante da esquerda liberal em São Paulo, tendo em sua campanha praticamente uma imitação da forma lulista de agir politicamente: dialogar com todos e rebaixar o nível de consciência crítica da campanha. Em seu programa, Guilherme Boulos colocou como ponto importante o estímulo ao empreendedorismo periférico (!).

Nada podia ser mais distante de um programa de esquerda. Ao tentar angariar mais votos, o PSOL adotou pautas da direita, o que só poderia constituir um fracasso, pois não se pode adentrar a disputa no campo ideológico do adversário, mas, ao contrário, é necessário elevar a consciência e fazer a crítica sem concessões àquilo que é ideologia e que reforça concepções disseminadas pelos grandes veículos de comunicação.

Contudo, Guilherme Boulos e o PSOL apenas continuaram uma prática política que o Partido dos Trabalhadores pavimentou ao longo de mais de duas décadas. É necessário voltar a análise para esse partido, sua estratégia e tática.

Para fazer uma crítica coerentemente ao PT, partiremos de um pressuposto que já foi válido para o partido, inclusive em seus congressos, que é o seguinte: o partido busca alcançar o socialismo no Brasil. Fazermos a análise inicialmente dessa forma para não interferir em conclusões sobre o problema proposto. Em seguida, introduziremos elementos concretos para conseguirmos nos aproximar da realidade.

A partir do pressuposto de que o PT procura alcançar o socialismo no Brasil, segue-se a pergunta: como? Nos últimos 20 anos, o partido obteve uma consistência eleitoral significativa, elegendo prefeitos em grandes capitais, governadores em estados significativos e dos últimos 22 anos, governou o país praticamente por 15 anos. Essa consistência eleitoral não está desvinculada de sua tática, mas sim organicamente a ela articulada.

Para se alcançar o socialismo, o PT procura ganhar cargos políticos (englobando tanto os de caráter executivo acima descritos como os de caráter legislativo, como vereadores, deputados estaduais e federais e também senadores) e através do aumento do número desses cargos gerar um acúmulo de forças que poderia fazer a situação política pender para seu lado e, assim, gerar uma quantidade de reformas que transformariam a sociedade brasileira capitalista em uma sociedade brasileira socialista.

Essa transformação teria um amplo apoio da base da população e de um intenso trabalho de agitação política, mas consistiria fundamentalmente na possibilidade se ocupar o sistema político e, a partir de dentro, reformá-lo progressivamente até se chegar ao acúmulo tão significativo de forças políticas que seria possível alterá-lo de maneira radical. Em primeiro lugar, há um problema, porque pode-se advogar que ainda não há o acúmulo suficiente para se alterar o sistema econômico e político, isto é, pode-se postergar indefinidamente o “momento correto” para tal transição.

Em segundo lugar, trata-se de uma tática voltada para legitimar o sistema político que se procura abolir. É possível utilizar o sistema político burguês como meio para agitação e para disputa de determinadas causas, como já apontava Lênin. Contudo, querer transformar a realidade a partir de um sistema político que visa perpetuar as condições econômicas e sociais do capitalismo dependente é pura ingenuidade, má-fé ou incompetência teórica para formular uma práxis política correta.

O que se pode ver é que se trata de um reformismo, que procura acumular forças progressivamente para transformar a realidade. (Essa perspectiva fica clara ao se ler vários documentos do PT e obras de pensadores do partido, como André Singer e seu livro Os sentidos do lulismo: reforma gradual e pacto conservador).

Ora, o fracasso dessa perspectiva já mostrou seus resultados históricos como, por exemplo, o Chile de Salvador Allende, que, a despeito do avanço de consciência e das formas de organização e mobilização da classe trabalhadora, falhou e acabou com um golpe e uma longa ditadura. Como Ruy Mauro Marini apontou em seu livro O reformismo e a contrarrevolução: estudos sobre o Chile, o reformismo é incapaz de resolver o problema de um país capitalista e muito mais de um país capitalista dependente e subdesenvolvido. Esse reformismo é a própria causa do posterior fracasso dessa tática política. Dessa forma, mesmo em condições imaginadas e hipotéticas, isto é, que o PT desejaria alcançar o socialismo, sua tática e estratégia constituem um erro que só pode levar a uma derrota tanto eleitoral, quanto – e essa mais importante – política.

Entretanto, para compreendermos a realidade, é necessário agora inserir as determinações fundamentais que a mudam para que consigamos chegar mais próximo daquilo que de fato ocorre. Somente assim a análise passa de uma abstração simples (como feito nos parágrafos anteriores) para uma abstração complexa, ou seja, que incorpora as determinações concretas da realidade. Do abstrato ao concreto, como Karl Marx nos ensina.

E, na realidade, o Partido dos Trabalhadores deixou, há muito tempo, de reivindicar qualquer ideia estratégica e tática para se atingir o socialismo. O que esse partido tem feito exatamente pelos últimos 20 anos (o mesmo período de seu sucesso eleitoral) é abdicar de qualquer transformação radical, permanecendo como um administrador do capitalismo dependente brasileiro e seu subdesenvolvimento. A economia política do PT manteve a mesma essência daquele formulada a partir do Plano Real em 1994. Petistas e tucanos não são polos opostos nesse sentido e tampouco a atual presidência de Lula, com Fernando Haddad à cabeça do Ministério da Economia, rompe com esse paradigma. O que o Partido dos Trabalhadores buscou em todo esse tempo foi se mostrar como um gestor competente do sistema econômico capitalista brasileiro, o que o legitimaria, simultaneamente, a estar governando o país.

As poucas medidas, como programa Bolsa Família, cotas e semelhantes, apesar de momentaneamente contribuírem em alguma medida, não tocam no fundamental. O fundamental, aliás, é o que o PT não enfrenta. Portanto, do que adianta expandir o Bolsa Família se a estrutura de produção de riqueza do capitalismo dependente brasileiro sequer é tocada? O que adianta falar de novas matrizes energéticas se a Petrobrás está orientada para repartir seus dividendos em vez de baixar os preços dos combustíveis para a população e expulsar toda interferência estrangeira aqui?

O que adianta criar um programa como o “Luz para todos” sem reverter as privatizações criminosas das estatais brasileiras, como a Eletrobrás, por exemplo? O que adianta criar cotas, quando o sistema universitário deveria acabar com essa prova nefasta que é o vestibular (algo feito na Argentina, aliás)? Como tornar o país independente se Ciência e Tecnologia não são uma prioridade? Como, enfim, gerir algo que perpetua aquilo que se alega combater?

O PT, e principalmente Lula, são os líderes dessa esquerda liberal e, nessa condição, ditam aquilo que deve ser o caminho. Para eles, a história encontrou seu fim, pois o que nos cabe agora seria administrar esse sistema que explora e degrada os trabalhadores diuturnamente. Lula renuncia a qualquer tipo de mobilização que não seja eleitoral. Não há uma convocatória para a população se mobilizar, não há qualquer tipo de programa para elevação da consciência de classe trabalhadora. Nessa perspectiva de administrador não é necessário fazer nada disso, mas apenas procurar gastar menos do que se recebe. O que importa é o teto de gastos.

A única consciência que se procura incentivar é a eleitoral, essencialmente contra a direita e a extrema direita representadas por Jair Bolsonaro. Em 2022, Lula advogou que sua campanha era a única forma de acabar com o neoliberalismo de Paulo Guedes e a ameaça de fascismo. Em 2026, essa propaganda, muito mais desgastada e com muito menos efetividade, voltará. Foi falso em 2022 e será novamente em 2026. Não havia e não há no Brasil qualquer coisa parecida com o fascismo. E mesmo que houvesse, Lula e o PT não são a solução.

Não se combate o fascismo eleitoralmente, como querem o próprio Lula e o PT. A eleição de Lula não serviu para barrar o liberalismo exacerbado de Paulo Guedes, mas, ao contrário, deu um contorno novo apenas na retórica, pois em vez de se chamar de “teto de gastos”, chamou-se de “arcabouço fiscal”. Uma diferença apenas na nomenclatura, pois na prática são iguais.

Entretanto, a esquerda liberal constitui não só um problema, mas uma efetiva limitação que paralisa toda a esquerda, pois ela procura se apresentar como a única esquerda existente. E, como num passe de mágica, não existe possibilidade de ruptura não só com essa esquerda, mas também com o sistema político. O horizonte da esquerda liberal, o de administração da ordem burguesa, é o horizonte final da política e de tudo aquilo que é possível fazer. É, simultaneamente, uma resignação passiva e mudança de campo político.

Mas, para a decepção de Lula, do PT e do restante dessa esquerda liberal, a História brasileira não acabou e tampouco acabaram a luta política e a transformação radical da realidade que se fazem presentes e necessários. Esse é o caminho da Revolução Brasileira.

A Revolução Brasileira

Há 7 atrás, pouco se falava de revolução. Essa palavra, aliás, havia sido deixada em um passado longínquo, há muito esquecido. Foi com a criação dessa organização política “Revolução Brasileira”, inicialmente dentro do PSOL e agora independente, que a palavra “revolução” tem voltado, devagar, mas consistentemente ao vocabulário político da esquerda, até mesmo em setores da esquerda liberal. A Revolução Brasileira teve suas mais altas formulações teórico-políticas nas décadas de 1950 e 1960, mas foi abruptamente interrompida com o golpe de 1964. Longe de amargar uma derrota teórica, a discussão em torno da Revolução Brasileira sofreu uma derrota política com uma longa ditadura de 21 anos e até mesmo a redemocratização não retomou esse debate.

Muitas décadas depois, a organização Revolução Brasileira tem realizado um esforço militante para tematizar a ideia da revolução brasileira – algo por si só fundamental para a criação de um novo horizonte político e social – mas a própria possibilidade e necessidade dessa revolução. Apesar da tentativa da esquerda liberal de hegemonizar esse campo político e se apresentar como a única esquerda existente, a Revolução Brasileira mostra que uma crítica radical e socialista ao capitalismo dependente brasileiro é necessária e possível.

Como um movimento de vanguarda, a Revolução Brasileira atua como organização que procura elevar a consciência dos trabalhadores ali onde a sua luta já existe e também onde ela está nascendo e crescendo progressivamente. Nesse sentido, a teoria se mostra extremamente vital, pois, afinal, como é possível agir politicamente sem compreender teoricamente não só as bases econômicas, mas também a disputa política da luta de classes?

Assim, a Revolução Brasileira apoia-se em uma tradição crítica do pensamento brasileiro (e que depois se espalhou para a América Latina) que é a teoria marxista da dependência (TMD). Tendo como expoente três brasileiros – Theotônio dos Santos, Vânia Bambirra e principalmente Ruy Mauro Marini – a teoria marxista da dependência foi capaz de captar a especificidade do capitalismo brasileiro, contrapondo-se à ideia do desenvolvimentismo, isto é, de que poderia haver saída para as mazelas do país através de uma intensificação e aperfeiçoamento do capitalismo aqui estruturado.

Ao contrário dessa ideologia desenvolvimentista, a teoria marxista da dependência mostrou que o capitalismo que existe no Brasil não tem resquícios de outro modo de produção, mas é o próprio capitalismo desenvolvido a partir de condições específicas. Dada a condição de periferia, o país entra na divisão internacional do trabalho produzindo e vendendo mercadorias de menor valor que países do centro e com uma produção que atende necessidades externas – alimentos e matérias-primas, por exemplo – e não internas.

Dessa desigualdade no intercâmbio surge uma transferência de valor da periferia para o centro, fazendo com que os países da periferia precisem compensar, de alguma forma, essa transferência de valor. Daí, então, que o capitalismo brasileiro produz a superexploração da força de trabalho. Superexploração significa superutilizar a mercadoria força de trabalho para se extrair um mais-valor excedente ainda maior, de forma a compensar aquela transferência de valor.

A superexploração, categoria fundamental do capitalismo brasileiro, pode ser feita de três formas que atuam tanto separadamente, quando simultaneamente: aumento da jornada de trabalho, aumento da intensidade do trabalho e consumo de parte dos salários dos trabalhadores (isto é, o salário que é pago é menor do que aquele necessário para sobreviver). A superexploração do trabalhador é uma condição indispensável ao funcionamento do capitalismo brasileiro e jamais pode dele ser separada. Dessa forma, o capitalismo brasileiro é um capitalismo dependente do centro capitalista precisamente porque está a ele condicionado, sendo que sua expansão ou retração são sempre reflexo da expansão e retração daquele centro.

A conclusão que se tem desse processo econômico é que os trabalhadores brasileiros vivem um verdadeiro inferno na Terra, pois a superexploração não só produz uma brutal desigualdade, mas transforma a vida da quase totalidade da população em um verdadeiro esforço de sobrevivência cotidiana. A luta de classes é aqui uma guerra constante de classes. Nenhuma medida desenvolvimentista pode acabar com isso, mas apenas atenuar algumas características e isso ainda de forma conjuntural, quando a economia mundial está em uma fase de expansão.

A compreensão teórica dessa situação econômica pela teoria marxista da dependência permite à Revolução Brasileira estabelecer sua estratégia e tática de forma coerente, pois a análise não está pautada apenas em uma eleição, mas em algo muito mais profundo e estrutural. A análise teórica abre as portas para uma práxis política coerente, que estabelece os problemas e as possibilidades de enfrentá-los e que não titubeia para saídas fáceis. É necessário fazer uma luta dentro da ordem contra a ordem. A Revolução Brasileira é, em suma, o oposto da esquerda liberal.

Essa esquerda liberal já encontrou seu limite histórico e agora não pode mais oferecer alternativas para a crise econômica e política do país. A utopia consiste justamente em acreditar que programas sociais podem redimir e salvar a classe trabalhadora. Nem sempre a marcha teórica bem definida será popular nos primeiros momentos e muitas vezes pode-se amargar uma certa solidão. Mas, assim como a dependência é uma situação e por isso tem um fim, a convicção teórica e política dará seus frutos para a superação da condição de superexploração e de dependência. À esquerda liberal, só podemos contrapor as palavras de Lênin em O que fazer?:

“Pequeno grupo compacto, seguimos por um caminho escarpado e difícil, de mãos dadas firmemente. Estamos rodeados de inimigos por todos os lados e temos de marchar quase sempre debaixo do seu fogo. Unimo-nos em virtude de uma decisão livremente tomada, precisamente para lutar contra os inimigos e não cair no pântano vizinho, cujos habitantes, desde o início, nos censuram por nos termos separado num grupo à parte e por termos escolhido o caminho da luta e não o da conciliação. E eis que alguns de nós começam a gritar: «Vamos para o pântano!» E quando procuramos envergonhá-los replicam: “Que gente tão atrasada sois! Como é que não tendes vergonha de nos negar a liberdade de vos convidar a seguir um caminho melhor!” Oh!, sim, senhores, sois livres não só de nos convidar, mas também de ir para onde melhor vos parecer, até para o pântano; até pensamos que o vosso verdadeiro lugar é precisamente o pântano e estamos dispostos a ajudar-vos, na medida das nossas forças, a mudar-vos para lá. Mas nesse caso largai-nos a mão, não vos agarreis a nós e não mancheis a grande palavra liberdade, porque nós também somos «livres» para ir para onde melhor nos parecer, livres para combater não só o pântano como aqueles que se desviam para o pântano!”

*Flávio Magalhães Piotto Santos é mestre em história social pela Universidade de São Paulo (USP).


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