Por JEAN MARC VON DER WEID*
A política de Assistência técnica e extensão rural deve contemplar o sistema do passado e o do futuro
A Assistência técnica e extensão rural (ATER) está relacionada com a complexa cadeia de atividades que dizem respeito ao modo de se produzir na agropecuária. Diferentes sistemas de produção cobram orientações diferentes para a assistência técnica e tem que ser considerados na definição da política.
Os sistemas convencionais de produção agropecuária são baseados na alta artificialização do meio ambiente, uso intensivo de insumos químicos, sementes de variedades vegetais e raças animais melhoradas por empresas, grandes monoculturas motomecanizadas e alto consumo combustíveis fósseis. Nestes sistemas, todo o conhecimento necessário para o agricultor ou criador é produzido pela ciência e divulgado pela assistência técnica.
O modo de operar esta assistência é o aconselhamento técnico de especialistas variados pagos pelas empresas do agronegócio ou cursos de formação coletiva e visitas individuais para os agricultores familiares, sistema difundido pelo Banco Mundial e batizado de “Training and Visit”. Num caso como no outro, o conhecimento prévio dos produtores é desprezado para ser substituído pelo dos técnicos, oriundo dos centros de pesquisa.
Nos sistemas agroecológicos, há um mínimo de alteração do meio ambiente, buscando-se manter ao máximo a biodiversidade natural e a biodiversidade agrícola. Os processos de fertilização e de controle de pragas, doenças e invasoras são baseados no próprio manejo da biodiversidade e no uso de insumos orgânicos, de preferência produzidos na própria propriedade ou, eventualmente, adquiridos de fontes externas. São sistemas integrados de policulturas, plantados de forma intercalada e/ou em sucessão, integrados com as criações animais e com a arborização.
Estes sistemas são muito mais adaptados à produção familiar, embora produções de maior porte possam utilizar, parcialmente, seus princípios. Na agroecologia, o conhecimento dos agricultores familiares, sejam as práticas tradicionais ou as inovações operadas pelos próprios produtores, tem um papel importante que se combina com os conhecimentos trazidos pelos técnicos de Assistência técnica e extensão rural, sejam eles de origem científica ou os difundidos a partir das práticas de outros agricultores. Os métodos da Assistência técnica e extensão rural agroecológica são participativos e envolvem a experimentação dos agricultores de modo a que possam descobrir as melhores técnicas e as melhores combinação de técnicas para suas situações específicas e adaptá-las adequadamente.
Desta apresentação o importante é anotar que o papel da Assistência técnica e extensão rural nos sistemas convencionais é difundir conhecimento científico, enquanto nos sistemas agroecológicos este papel é o de facilitador da construção coletiva do conhecimento, integrando saberes de diferentes origens, científicas e empíricas.
Estas distinções, que podem parecer difíceis de entender para os leigos, apontam para a necessidade de políticas de financiamento das atividades de Assistência técnica e extensão rural suficientemente flexíveis para que tanto um como outro sistema possa ser promovido. Digo isto sem esquecer que os sistemas convencionais são insustentáveis, mas reconhecendo que não podemos substituí-los da noite para o dia. Por esta razão, a política de Assistência técnica e extensão rural deve contemplar o sistema do passado e o do futuro, encaminhando a transição do primeiro para o segundo.
No período dos governos populares de Lula e de Dilma, a política de Assistência técnica e extensão rural foi objeto de um intenso debate entre o Governo e a sociedade civil, no quadro do Comitê de ATER do CONDRAF e nas Conferências Nacionais de Assistência técnica e extensão rural. Esta foi, sem dúvida, a política pública voltada para a agricultura familiar com maior incidência das propostas da sociedade civil. Seus resultados, positivos e negativos, devem ser compartilhados entre os participantes do processo, governo e sociedade civil.
Como um dos membros ativos do Comitê e das Conferências, ao longo de 14 anos, tenho uma avaliação crítica dos resultados, assim como propostas para uma nova política de Assistência técnica e extensão rural.
O primeiro Governo de Lula, com Miguel Rossetto como Ministro do Desenvolvimento Agrário, foi marcado desde o início pelo seminário de Assistência técnica e extensão rural, organizado pelo saudoso extensionista, agroecólogo, administrador público e professor Francisco Caporal, falecido precocemente. O seminário, com intensa participação das organizações dos movimentos sociais e por ONGs de ATER, definiu a agroecologia como o sistema a ser adotado pela agricultura familiar e o papel da Assistência técnica e extensão rural financiada pelo Estado como sendo o de promover este modelo de desenvolvimento.
Esta definição foi surpreendente, pelo fato de que a agroecologia não era a opção preferencial adotada de forma ampla, quer pelas organizações dos movimentos sociais, quer pelos técnicos e entidades estatais de Assistência técnica e extensão rural ou pela maioria das entidades privadas de Assistência técnica e extensão rural. Mas a Política Nacional de Assistência técnica e extensão rural, PNATER, foi adotada pelo MDA, uma inovação inesperada e sensacional. Levá-la à prática foi uma outra história.
O Governo financiou as atividades de Assistência técnica e extensão rural por meio de convênios com entidades executoras, as EMATER públicas dos Governos estaduais ou as ONGs de ATER da sociedade civil. Neste formato, os projetos eram apresentados pelos proponentes, que tinham total domínio sobre o objeto da ação (tipo de público, localização, dimensão), os métodos de trabalho, a definição dos objetivos e metas, a seleção das atividades, os processos de avaliação, a definição do tamanho e qualificação das equipes e os custos. O governo apenas aprovava ou não os projetos, avaliando a sua coerência e as credenciais dos proponentes. Neste procedimento, o MDA financiava não apenas a assistência técnica no sentido estrito (a ação dos técnicos), mas várias outras atividades importantes para fazer andar um projeto de desenvolvimento rural.
Outras ações importantes em projetos de desenvolvimento rural ficaram fora do escopo destes projetos. A mais relevante foi o financiamento dos agricultores familiares, definido em outra política, a de crédito, conhecida como PRONAF. Esta política se orientou pelo modelo produtivo convencional e teve como efeito a forte ampliação do acesso dos agricultores ao uso de fertilizantes químicos, sementes melhoradas, agrotóxicos e maquinário. O crédito foi o maior indutor da transformação dos sistemas de policultivos, que prevaleciam na agricultura tradicional dos produtores familiares, levando-os a adotarem sistemas de monoculturas, mais arriscadas e menos sustentáveis.
O resultado foi a diferenciação entre os tomadores de empréstimos, com uma minoria melhor aquinhoada melhorando seus resultados e sua renda e uma maioria que se endividou e, em muitos casos, quebrou, levando ao abandono do campo. Cerca de 800 mil agricultores familiares deixaram o campo entre os censos de 2006 e 2017. Não todos o fizeram por causa de problemas com o pagamento dos créditos, mas o fato de que os movimentos sociais fizeram da renegociação de dívidas e pedidos de anistia aos insolventes a principal reivindicação em suas negociações anuais com o Governo mostra a importância deste impacto.
Durante a gestão de Rossetto, os recursos para a Assistência técnica e extensão rural foram distribuídos de forma equilibrada entre as EMATER estatais e as ONGs da sociedade civil. Embora todos os projetos tivessem que estar dirigidos à promoção da agroecologia, nunca ficou claro o que efetivamente foi feito no quadro da ação das EMATER para cumprir este requisito. Uma avaliação feita no final do primeiro Governo indicou que muito da ação das EMATER foi, no que concerne a agroecologia, mais formal do que real. Por outro lado, as entidades da sociedade civil já eram engajadas na promoção da agroecologia desde a sua fundação. Mas também não ficou claro, neste segundo caso, se os recursos investidos tiveram os resultados esperados, já que não foi feita nenhuma avaliação.
No final desta primeira gestão começaram a ocorrer problemas entre as ONGs e o jurídico do MDA. O sistema de convênios exigia uma gestão dos recursos extremamente pesada, complexa e burocrática, regida pela lei de licitações, a 8666. Esta lei foi concebida para controlar os gastos públicos conveniados com grandes entidades e empresas privadas, de modo a controlar eventuais desvios. Para entidades manipulando recursos muitíssimo menores as exigências não faziam sentido e acabavam por colocar uma imensa pressão sobre a contabilidade e a administração das ONGs.
Este fenômeno não afetou apenas as ONGs de Assistência técnica e extensão rural, mas todas as entidades da sociedade civil que receberam recursos do Governo, independentemente dos fins específicos dos projetos (sociais, ambientais, educacionais etc.). A sociedade civil reagiu a estes problemas formulando uma proposta de marco legal das entidades não governamentais que desse conta das especificidades destes organismos nas suas relações com o Estado. Esta proposta foi levada ao presidente Lula no seu segundo mandato e à presidente Dilma no seu primeiro, mas ela não prosperou.
Durante todo o segundo mandato do presidente Lula, os embates entre as entidades da sociedade civil e os jurídicos de vários ministérios foram gerando impasses e à rejeição quase que sistemática das prestações de contas. Várias entidades quebraram e muitas outras deixaram de acessar recursos do Governo Federal. No caso das entidades de Assistência técnica e extensão rural, o impacto foi pesadíssimo, atrasando ou paralisando vários projetos de desenvolvimento agroecológico que vinham sendo financiados pela cooperação internacional até o advento dos Governos populares. Estes financiamentos internacionais foram sendo retirados ao longo dos primeiros quatro anos, já que as agências de cooperação acreditaram que seu aporte não era mais necessário.
Esta primeira etapa dos financiamentos da Assistência técnica e extensão rural esbarrou em um outro problema: a falta de técnicos formados em agroecologia e nas abordagens e métodos de sua promoção. O MDA estava consciente desta carência e promoveu um amplo processo de formação acelerada de quadros técnicos através de cursos intensivos de 40 horas, centrados nos princípios da agroecologia e em algumas das suas técnicas mais conhecidas e de uso mais abrangente. A parte das abordagens e das metodologias ficou ausente destes cursos. Na minha avaliação, os quase oito mil técnicos formados neste processo não receberam mais do que um leve verniz do conjunto de conhecimentos necessários para poderem operar corretamente a promoção do desenvolvimento agroecológico.
A carência de técnicos preparados para o emprego da agroecologia continuou sem solução, embora tenha ocorrido uma forte ampliação de cursos de agroecologia, tanto em universidades (no nível de mestrado) como em escolas técnicas. Entretanto, ainda não temos cursos integrados de formação básica em agroecologia nas nossas universidades.
Para as entidades de Assistência técnica e extensão rural não governamentais, o processo de formação de novos técnicos foi feito na prática da atuação das organizações, processo desigual e lento e que resultou em freios nas intenções de expansão dos projetos em curso.
A crise das relações do Governo com as entidades de Assistência técnica e extensão rural não governamental foi enfrentada através da formulação da lei de Assistência técnica e extensão rural. Esta proposta não foi discutida no comitê de Assistência técnica e extensão rural do CONDRAF, tendo sido elaborada no recém-criado Departamento de Assistência técnica e extensão rural do MDA, onde Caporal estava em minoria, e predominavam técnicos de origem das EMATER (Caporal também tinha esta origem) e formação mais convencional.
A proposta de lei de Assistência técnica e extensão rural não fazia menção ao PNATER e à agroecologia como modelo a ser adotado pela agricultura familiar. Uma intervenção da Articulação Nacional da Agroecologia, ANA, que eu representava no CONDRAF, levou o DATER a incorporar na lei a referência à PNATER como marco orientador e a agroecologia como modelo a ser privilegiado na assistência técnica financiada pelo Estado. Note-se que houve uma mudança nas definições, pois a PNATER contemplava apenas a agroecologia como opção e eu preferi colocá-la na lei como prioridade, mas não exclusividade, entendendo que não havia condições para torná-la única.
Por outro lado, introduzi no projeto de lei, com apoio do DATER, a entrega da responsabilidade da formulação do programa de Assistência técnica e extensão rural, que deveria reger as iniciativas de cada Governo ao longo de seu mandato, para uma Conferência Nacional reunindo todos os atores interessados, dos movimentos sociais do campo até as entidades de ATER, governamentais ou não.
A grande inovação da lei de Assistência técnica e extensão rural foi o abandono dos convênios no financiamento dos projetos, substituindo-os por contratos entre os proponentes e o Estado. Isto deixava as entidades executoras dos projetos fora do alcance da lei de licitações e tal era o impasse vivido ao longo do final do primeiro e quase todo o segundo Governo de Lula que todas as entidades da sociedade civil festejaram. Na verdade, não tínhamos ideia do problema que estávamos comprando, saltando direto da frigideira para o fogo. Justiça seja feita, Caporal, que tinha abandonado o MDA pelo ensino de agroecologia e extensão rural na Universidade Rural de Pernambuco, foi o único a ver a armadilha em que tínhamos entrado e criticou acerbamente a lei de Assistência técnica e extensão rural.
Qual o impacto do modelo de contratos para a operação dos projetos de Assistência técnica e extensão rural?
Segundo o entendimento do DATER, cabia ao Governo definir todos os parâmetros dos projetos de extensão rural que queria financiar. Localização, tamanho do público, tipo de público (produtores modernizados, mulheres, jovens, criadores de gado leiteiro, agricultores em transição agroecológica, entre outros), objeto específico ou tema (produção de leite, de hortaliças, substituição de insumos, produção sustentável, produção agroecológica, para dar alguns exemplos de chamadas para apresentação de projetos).
Teoricamente, todas as chamadas, ou a sua maioria, deveriam ser orientadas para a adoção das práticas da agroecologia, mas esta exigência não figurou em todas as chamadas para projetos lançadas até a queda da presidente Dilma, com exceção das duas últimas, a de sustentabilidade e a de agroecologia. Na época argumentamos que, pela lógica, todos os projetos e chamadas para projetos deveriam estar voltados para a produção sustentável e, portanto, para a agroecologia. Ter uma chamada voltada para a sustentabilidade e outra para a agroecologia mostrava apenas que o DATER não sabia o que estava fazendo.
Além de definir o objetivo e objeto dos projetos, o DATER definiu também quais métodos deveriam ser utilizados pelas entidades proponentes. Esta definição apareceu de forma enviesada, através da escolha de todas as atividades que as entidades contratadas deveriam realizar. O método, implícito, adotado pelo DATER foi a assistência técnica de tipo individual. Quantas visitas cada técnico deveria fazer ao indivíduo assistido, com que finalidades e com qual duração foram estabelecidas nos contratos.
O DATER também calculou quanto tempo levaria, em média, o deslocamento da sede da entidade executora até a propriedade do indivíduo assistido. Estes foram cálculos complicados que variavam de localização para localização. Na Amazônia, os técnicos se deslocavam muitas vezes em barcos, enquanto no Nordeste, as estradas eram muito ruins e os trajetos mais longos. O tamanho de cada lote desenhado pelo DATER também influía nestes custos minuciosamente estudados.
Este desenho de projeto de contrato foi fortemente contestado no comitê de Assistência técnica e extensão rural do CONDRAF. Alguns de nós questionamos a necessidade de o DATER tomar todas estas decisões e nos foi explicado que isto era uma exigência legal, pois eles tinham que definir quanto o Estado estava disposto a pagar para executar um determinado serviço de Assistência técnica e extensão rural. Para poder avaliar o custo eles tinham que definir todos os itens de despesa possíveis, do tamanho do lote, o do público, o da equipe, as necessidades em infraestrutura, em atividades fim, como as visitas técnicas, e quaisquer outras coisas, inclusive atividades administrativas.
Sem poder discutir a exigência legal, propusemos que o DATER definisse o quanto queria pagar por agricultor assistido por ano, usando o método que achasse melhor, mas que permitisse que a entidade contratada utilizasse os métodos e meios que achasse mais adequados, contando que se ativesse aos valores contratuais e aos resultados esperados. Esta proposta desbloquearia totalmente as chamadas para projetos, mas não foi aceita pelo DATER ainda com o argumento de que o jurídico não aprovaria. Sempre achei estranho que um contrato entre o Estado e uma entidade prestadora de serviços fosse tão engessado como este modelo. Lamento não termos desafiado estas definições junto ao jurídico do MDA ou mesmo nos tribunais pois desconfio que não há base legal para este formato.
O formato das chamadas foi questionado pesadamente na primeira Conferência de Assistência técnica e extensão rural, já no Governo Dilma e com Pepe Vargas como ministro do Desenvolvimento Agrário. O Governo teve que aceitar a flexibilização destas regras em um grupo de trabalho do Comitê de Assistência técnica e extensão rural, conhecido como GTO, ou Grupo de Trabalho Operacional. Muitas mudanças foram introduzidas, mas o arcabouço ficou intacto. Fizemos o que eu chamei, à época, de enfiar uma bola em um buraco quadrado.
O impacto deste processo foi o de castrar todas as abordagens participativas de promoção do desenvolvimento adotadas previamente pelas ONGs de Assistência técnica e extensão rural agroecológica. Entidades que tinham tido grandes sucessos na promoção da transição agroecológica, usando uma relação entre número de técnicos versus número de agricultores assistidos muito menor do que no sistema adotado pelo DATER, viram-se na impossibilidade de seguir usando os mesmos métodos. Isto se explica porque toda a lógica destes contratos era pagar assistência técnica, deixando de lado tudo o que não fosse uma atividade envolvendo os técnicos. Os métodos participativos têm um alto envolvimento dos próprios agricultores nos processos de geração e difusão do conhecimento e, para estes, não havia previsão de pagamento.
Além destes problemas de fundo, ocorreram inúmeros problemas operacionais. Os pagamentos eram feitos por atividade realizada e as entidades executoras tinham que adiantar os recursos para depois receber a devolução do DATER. Com pouco pessoal e um número enorme de projetos com uma multiplicidade de atividades a serem remuneradas, a administração do MDA entrou em colapso e os pagamentos passaram a atrasar cada vez mais, levando várias entidades à inadimplência. Equipes tiveram que ser desmobilizadas e recontratadas entre um pagamento e o outro, levando à interrupção do trabalho com os agricultores por períodos que chegaram a seis meses. A maioria das entidades de Assistência técnica e extensão rural da sociedade civil foi abandonando as chamadas do DATER e foram surgindo empresas privadas de assistência técnica, sem qualquer tradição no tema e sem qualquer noção da agroecologia. O programa terminou como um desastre e representou um enorme retrocesso em muitos projetos que já estavam bem avançados.
Neste novo Governo do presidente Lula, vamos ter que discutir a sério como fazer a promoção do desenvolvimento rural. Em primeiro lugar, como vamos ampliar a oferta de alimentos de qualidade e diversidade necessários para suprir uma dieta nutricionalmente adequada? Estou consciente que isto não poderá ser feito apenas com a produção agroecológica, mas mesmo uma produção convencional pode ser menos tóxica do que a que vigora hoje. Por outro lado, a produção agroecológica da agricultura familiar pode jogar um papel de exemplo ou modelo a ser seguido no médio e longo prazo pelo conjunto deste público.
Mas se um projeto de promoção da transição agroecológica depende da existência de uma Assistência técnica e extensão rural de qualidade técnica e metodológica, ele está longe de poder ser realizado apenas com este aporte. Existem outros investimentos importantes, para além dos custos de Assistência técnica e extensão rural, como crédito, beneficiamento, infraestruturas, comercialização, além de atividades-meio de formação em gestão e cooperativismo. A fragmentação do acesso a esses recursos torna a promoção do desenvolvimento local uma atividade diabolicamente complexa para a entidade promotora, pois para cada um deles é preciso formular um projeto e negociá-lo com uma fonte pagadora governamental diferente. O ideal é ter todos os recursos em uma mesma bolsa e negociados com um só interlocutor.
Tenho insistido na criação de um Fundo de Promoção do Desenvolvimento Rural Sustentável, sob a gestão do MDA, e que concentre todos estes recursos mencionados. Os projetos de desenvolvimento, de preferência de caráter territorial, deveriam ser apresentados por pelo menos dois tipos de entidades, uma representando os agricultores e agricultoras e outro sendo uma entidade de Assistência técnica e extensão rural. Outros sócios podem vir a fazer parte desta empreitada, como entidades de pesquisa ou de comercialização, mas a dupla mencionada deve estar sempre presente.
Já para as chamadas para projetos de Assistência técnica e extensão rural de caráter mais convencional, mantenho a sugestão que fiz nos anos 2013/2014. O Governo calcule o custo da assistência por agricultor que está disposto a pagar e deixe a definição dos métodos e atividades na mão das entidades executoras.
Para este tipo de produção convencional, o novo MDA deveria orientar os projetos de assistência técnica e os de crédito para a adoção do emprego do manejo integrado de pragas, o uso de controles biológicos e o uso de adubos verdes, o plantio de leguminosas em rotação com os cultivos comerciais, para suprir as carências em nitrogênio nos solos. Estas práticas, amplamente conhecidas pelos técnicos convencionais, não são tão eficientes como as da agroecologia, mas permitem que se “desintoxique” parcialmente a produção de alimentos mesmo em sistemas de produção em monocultura.
O novo MDA deveria fazer uma avaliação das políticas adotadas durante os Governos populares antes de definir o que vai fazer nos próximos quatro anos, trazendo para o debate as organizações dos movimentos sociais, os técnicos das EMATER e as ONGs da sociedade civil. Seria importante que aqueles que participaram da formulação das políticas anteriores sejam chamados a este debate já que são os depositários de uma importante experiência neste processo.
*Jean Marc von der Weid é ex-presidente da UNE (1969-71). Fundador da organização não governamental Agricultura Familiar e Agroecologia (ASTA).
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