Por MANUEL DOMINGOS NETO*
A tentativa de apaziguamento do quartel ajeita e desmantela: pode aliviar tensões momentâneas, mas dá tempo às novas tramas
Em seu retorno à presidência, Lula deixou claro seu interesse em sossegar a caserna e governar sem arroubos. A escolha do Ministro da Defesa atestou sua opção. José Múcio Monteiro disse com todas as letras estar “resolvendo as coisas em absoluto comum acordo com os comandantes das Forças Armadas”. Ignora que houve uma eleição: “Na realidade, eu administro apenas a resultante da vontade de cada comandante”.
Os comandantes, entre outras demandas, querem recursos públicos. José Múcio Monteiro endossa a recomendação da OTAN de investir 2% do PIB em Defesa. Exibindo distanciamento da temática, argumenta que o Brasil tem uma grande fronteira!
A rejeição ao debate sobre a renovação da Política Nacional de Defesa, na qual os comandantes sempre pontificam, é outra demonstração de que Lula não quer contraposições aos desígnios do quartel.
A sugestão de uma Conferência Nacional para ampliar a discussão sobre essa política pública fundamental não foi levada em conta. José Múcio Monteiro desqualifica a crítica acadêmica com jeito de saudoso da ditadura.
O debate poderia mostrar que os investimentos requeridos são inadequados para defender o Brasil neste ambiente de tensões internacionais. Poderia revelar também a falta de lógica, para a Defesa Nacional, da supremacia da Força Terrestre em relação à capacidade aeronaval. Enfim, tudo fica como sempre esteve.
A reação do governo ao vandalismo do dia 8 de janeiro, quando a cadeia de comando foi preservada, em que pese ter falhado na contenção da baderna golpista, já evidenciara a opção de Lula de não mexer com os quartéis.
Em bate-papo virtual, seu ministro da Defesa isentou completamente as corporações. Disse que os militares não teriam deixado “digitais no dia 8” e que a CPI para investigar o vandalismo seria um “movimento midiático” de parlamentares que querem aparecer: “não vamos encontrar responsáveis”. No máximo, seriam responsabilizados pessoas sem liderança, afirmou.
Fatos recentes, entretanto, mostram as dificuldades de blindar as corporações. Muitos brasileiros acompanham indignados as gravações do tenente-coronel Mauro Cid. Nomes vão sendo revelados nos jornais. Impossível prever as revelações que podem surgir.
A atuação golpista dos militares foi prolongada, sistemática e explícita. Mesmo a imprensa conservadora mergulha nas investigações. A Polícia Federal mostra serviço e a Justiça dá demonstrações de que a blindagem está trincada.
Como reagirão os comandantes, em particular o do Exército, diante das revelações? Até onde irá a Corte?
Lula quer apaziguamento, mas a dinâmica dos fatos contraria sua expectativa. As corporações desejam o que Lula não pode dar: anistia antecipada aos seus integrantes investigados e plena liberdade para prosseguimento de sua cruzada obscurantista.
O atendimento às demandas corporativas não basta para apaziguar o militar. No passado, Lula acreditou nisso e terminou preso. Voltou à chefia de Estado sob a espada de Dâmocles. Dilma Rousseff também acreditou e perdeu o cargo.
Muitos afirmam, atenuando a responsabilidade da caserna, que ambos foram vitimados por golpes judiciais, parlamentares e midiáticos. Mas golpes não se efetivam sem amparo militar e policial. O exercício da autoridade sobre a caserna é indispensável à institucionalidade democrática.
A tentativa de apaziguamento do quartel ajeita e desmantela: pode aliviar tensões momentâneas, mas dá tempo às novas tramas. Soldados precisam receber missões claras, desafiadoras, gloriosas. Reconhecê-los como interlocutores políticos é um erro fatal para a democracia. Blindá-los, nestas circunstâncias, é missão inglória e, provavelmente, impossível.
*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED) e ex-vice-presidente do CNPq.
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