Por LEONARDO SACRAMENTO*
A convergência entre a extrema direita israelense e a brasileira é epítome da universalização fascista pela coerência de trajetórias políticas distanciadas em milhares de quilômetros
Em junho de 2021, Benjamin Netanyahu fez chegar a Jair Bolsonaro uma proposta por meio do embaixador do Brasil em Israel.[i] O primeiro-ministro israelense, líder da extrema direita fascista israelense, propunha um pacto a Jair Bolsonaro, presidente do Brasil e líder da extrema direita fascista brasileira. Benjamin Netanyahu alertava a Jair Bolsonaro sobre o risco de ser julgado no Tribunal Penal Internacional por crimes de genocídio contra os povos indígenas. Mostrava-se preocupado e propunha um pacto. Em troca de proteção, pedia o mesmo a Jair Bolsonaro, pois Benjamin Netanyahu também tem os seus pecados genocidas muito antes da famigerada “reação” (sic!) de Israel. Quem do establishment israelense não os possui?
O pacto envolvia uma rede protetiva entre os dois líderes, no qual um ficaria responsável por defender o outro em caso de prosseguimento das denúncias no Tribunal, todas por genocídio e crimes contra a humanidade a árabes e yanomamis. Sim, Benjamin Netanyahu atacou a Faixa de Gaza em 2008, 2012, 2014 e 2021, com grandes quantidades de assassinatos no ano seguinte de cada ataque, podendo-se vincular o substantivo “reação” ao Hamas, já que a organização palestina atacou apenas em outubro de 2023.
Somente em 2018, foram 31.558 palestinos mortos. Entre 2008 e 2020, foram 120 mil palestinos mortos. O uso do termo “reação” pressupõe uma infantilização analítica de quem o usa, como se fosse um professor de 5º ano separando uma briga em que cada qual se adianta para explicar quem começou.
Já a proibição do uso do termo aos palestinos revela visão política supremacista, uma vez que implicitamente e hoje explicitamente matar palestinos é o normal, como provam os dados. A história e os fatos confirmam que o termo “reação” pertence ao colonizador. Quando o colonizado reage, não é reação, mas ataque terrorista, pois o “normal” é a colonização. O ataque do colonizador nunca é terrorismo.
Até mesmo os Haganá, Irgun e Lehi, milícias de extrema direita que atuaram matando e expulsando palestinos entre 1920 e 1948, receberam a classificação de terroristas dos ingleses. Em 1948, as três milícias foram transformadas em Forças Armadas de Israel (IDF) e hoje não recebem, pelo menos dos ingleses, a classificação de terroristas, embora possuam as mesmas práticas, agora amplificadas por poderio militar doado pelos EUA. Hoje são, assim como Bin Laden foi para o The Independent em 1993, defensores dos valores ocidentais, “guerreiros” da “estrada da liberdade”.[ii]
O fato é que Benjamin Netanyahu deu amplo apoio a Jair Bolsonaro. Não apenas apoio político, mas logístico por meio do antigo embaixador Yossi Shelley, que não pensou duas vezes em tirar uma foto de um encontro com uma lagosta tampada por um borrão tosco. Israel, em grande medida, foi um artífice da construção do bolsonarismo no meio evangélico e entre a comunidade judaico-israelense instalada no Brasil, grande apoiadora do mito. Mas tem exceções, diriam os sionistas de esquerda. Verdade, mas exceções tão pequenas que parecem fundos de agulhas diante de um camelo. E no capitalismo, os ricos sempre vão ao paraíso, como prega abertamente a “teologia da prosperidade”.
O apoio de Israel a Jair Bolsonaro iniciou-se cedo, no próprio processo eleitoral, com grande engajamento da institucionalidade judaico-israelense no Brasil, corroborando-se no evento do Hebraica no Rio de Janeiro, em que Jair Bolsonaro comparou negros brasileiros a gados com a bandeira de Israel tremulando ao fundo, para o deleite da plateia, composta majoritariamente por sócios do clube.
A comunidade judaica, algo em torno de 100.000, proporcionalmente a mesma quantidade da comunidade judaica no Irã, o país que perseguiria judeus em todas as esquinas, engajou-se enormemente na campanha fascista, oferecendo um incrível apoio hospitalar no Hospital Israelita Albert Einstein a Jair Bolsonaro quando da facada em Juiz de Fora, com direito a sigilo para além do médico. Não se pode esquecer do incrível tratamento dado a Queiróz, que pagou em espécie R$ 133 mil.[iii] Coitado do físico socialista que era abertamente antissionista e antifascista, que provavelmente não concordaria com o “israelita” antes de seu nome, se vivo estivesse.
Mas qual visão religiosa a institucionalidade judaico-israelense no Brasil, a mando da embaixada israelense, se aproveitou? Que judeus seriam o povo escolhido porque descenderiam diretamente de Sem. Os povos africanos seriam amaldiçoados porque descenderiam de Cam. Nessa equação teológica, os palestinos seriam descendentes dos filisteus e devem ser dizimados, ou seja, palestinos não seriam semitas, mas invasores na Israel divina. Essa visão aproveita-se do sionismo europeu, segundo o qual os semitas seriam apenas os judeus, tornando os árabes e afins em povos dizimáveis pela mão de Deus ou das bombas estadunidenses. Ou as bombas estadunidenses seriam a mão de Deus?
Essa visão fundamentalista do Estado teocrático de Israel dialoga com uma versão de destino-manifesto judaico europeu, ou judaico branco. Para que essa operação dê certo, a história da racialização e do neocolonialismo nos séculos XIX e XX, as experiências alemãs na Namíbia, as inglesas no Quênia, Índia e China, as belgas no Congo, as norte-americanas nas Filipinas, as japonesas em quase toda a Ásia próxima ao Pacífico, as centenas de milhões de mortos no total, todas as experiências genocidas, devem ser tratadas como uma atipicidade esquecível diante do Holocausto no continente europeu. Dessa forma, o Holocausto no continente europeu passa a ser retratado como o maior crime da história do homo sapiens (300 mil anos).
Pouco importa que no Congo três vezes mais seres humanos tenham sido dizimados em campos de concentração e toda a riqueza do país tenha servido para abastecer a Europa e a Bélgica. Mas como visitar Bruxelas e postar foto no Instagram com tal lembrança? Como tratar Bruxelas a capital da institucionalidade europeia com tal lembrança? Como expor que os europeus nada produziram, apenas roubaram por meio de genocídios e pilhagens? Nada mais simbólico do que Bruxelas ser a capital da União Europeia e a sede do Parlamento Europeu, cujas instituições estão situadas no instagramável “bairro europeu”.
Mas a operação não termina aí. A construção do nazismo e suas relações com o Jim Crown nos EUA[iv] e a legislação imigratória racial no continente americano, com protagonismo vanguardista do Brasil em 1890, são apagadas. As defesas liberais sobre a propriedade privada sobre os escravizados não humanos coisificados ou humanos inferiores, a racialização científica e o vínculo do nazismo com o liberalismo utilitarista inglês são enterradas.
Sobra um Holocausto fetichizado, no qual os judeus teriam sido mortos por uma loucura coletiva, pela ascensão da maldade humana e até como produto de um ressentimento artístico de Hitler misturado com humilhação nacional por ter sido objeto de um tratado “pesado demais” após a I Guerra Mundial. O antissemitismo é mistificado pelos europeus como se fosse a-histórico, transformando-se na segunda metade do século XX no tipo ideal de racismo para o Ocidente: um antissemitismo que seria meta-histórico, pois o antissemitismo seria universal, e não mais europeu, ao mesmo tempo que o racismo se restringiria a um povo agora considerado plenamente branco e portador dos valores ocidentais. O racismo contra negros, indígenas, árabes e demais (não brancos) dependeria da análise da classe dominante ocidental e branca.
Para a Alemanha, essa construção supremacista é conveniente, uma vez que trata o Holocausto de forma desvinculada da história política e cultural alemã, restando a ela ser uma espécie de serviçal dos interesses colonialistas e supremacistas de Israel de forma absolutamente acrítica, em busca de um perdão por um “ato falho”. Para os europeus, idem, uma vez que o antissemitismo pode ser trabalhado a seu bel prazer, jogando-o nas costas de povos que nunca se engajaram na perseguição institucional em massa a judeus, como os muçulmanos. Qual guerra de extermínio entre muçulmanos e judeus ocorreu nos últimos 1000 anos? Quando judeus foram expulsos do mundo islâmico como foram de países e territórios cristãos? Ao contrário, historicamente as comunidades judaicas encontraram boa guarida no mundo islâmico contra a perseguição cristã.
Com essa operação, alemães e europeus transformam-se não mais nos produtores e portadores históricos do antissemitismo moderno, mas nos grandes “protetores” da comunidade judaica (branca). Os judeus brancos, outrora executados por não serem considerados europeus e por serem classificados fenotipicamente intrusos a uma nacionalidade racialmente pura, tornam-se portadores da ocidentalidade europeia, sobretudo no Oriente Médio, compondo-se em uma espécie de instrumento geopolítico de intervenção anglo-saxã.
Logo, paradoxalmente a fetichização do Holocausto transforma o judeu outrora não europeu em portador da europeidade e da branquitude, ao mesmo tempo que exime os países europeus, inclusive a Alemanha, dos genocídios cometidos contra as comunidades judaicas, notadamente as que viviam ao leste (próximos a URSS) e se misturavam na narrativa nazista de complô judaico-eslavo comunista.
O uso do pares antitéticos animais/humanos, barbárie/civilização e árabe/judeu por Benjamin Netanyahu fundamentam-se nessa estética fascista – e estética aqui tem o sentido de percepção da realidade. O compartilhamento desses pares por liberais revela a proximidade dessa filosofia com o fascismo. O compartilhamento desses pares por fundamentalistas evangélicos materializa a popularização do fascismo por meio de uma predeterminação bíblica que seculariza a colonização israelense sobre os palestinos.
Para os evangélicos, reina uma espécie de profecia registrada em Zacarias (9:5-7): “Ascalon verá e terá medo, Gaza tremerá muito e Acaron também, porque sua esperança foi frustrada. O rei desaparecerá de Gaza, Ascalon não será habitada e um bastardo habitará Azoto. Eu destruirei o orgulho dos filisteus, vou arrancar-lhes o sangue da boca e as abominações dos dentes. Ele também será um resto para o nosso Deus, será uma família em Judá, e Acaron como um jesubeu”. Importante lembrar que Zacarias introduz a figura do messias sacerdotal ante a dispersão de Judá (2:1-4).
Os judeus, assim, se transformam em os escolhidos por Deus contra os filisteus, ou os ocidentais brancos detentores de missão “civilizatória” (na prática, exterminadora) contra os animais que precisam ser adestrados por meio da colonização, em favor dos capitais norte-americanos e europeus. Se não adestrados, exterminados. Se exterminados, para os evangélicos a mando de Deus. Essa foi a tessitura ideológica trabalhada por Israel e a institucionalidade judaico-israelense no bolsonarismo, inclusive com o avanço de uma rede de turismo neopentecostal em Israel. Coerentemente, Benjamin Netanyahu concedeu ombro amigo para um irmão sem deixar de pedir um em troca.
É uma Israel imaginária, com um judeu imaginário. Mas é prudente evidenciar que a imaginação foi financiada por uma Israel real, colonialista e genocida, com interesses políticos bem reais de arrebanhar um país com ascendência geopolítica na América do Sul e, os liberais querendo ou não, com protagonismo no Sul Global, o calcanhar de Aquiles de Israel. Se há um lugar do planeta que a questão palestina teve grande solidariedade em alguns momentos chaves dos 75 anos de ocupação, algumas vezes mais do que no mundo árabe, como mostra o comportamento pusilânime e subserviente de Catar, Egito e Arábia Saudita, foi no Sul Global, sobretudo África e América Latina.
A imaginação fundamentalista dos evangélicos é fruto de trabalho político, financiamento, troca de favores e alinhamento político-militar. Está longe de ser mero devaneio. Mais do que isso, é obra de uma convergência incrível de trajetórias entre extremas-direitas. Não obstante, essa convergência transformou o Holocausto em um simulacro idílico da extrema-direita mundial, inclusive de segmentos com vínculos com grupos neonazistas, como é o caso do bolsonarismo e do trumpismo (e Republicanos). Ao descontextualizar o Holocausto, ahistoricizando-o por meio de uma anti-história, a extrema-direita o fetichiza e o captura para justificar e naturalizar um genocídio contra os palestinos.
É o que se depreende do uso indiscriminado da acusação de antissemitismo, justamente daqueles que provavelmente riram de Bolsonaro quando comparou negros a gado. Esse jogo, por ora, retira os palestinos do espectro dos semitas, o que para os evangélicos é coerente, uma vez que seriam filisteus. Como não lembrar da famosa defesa de Netanyahu isentando Hitler de “perseguir judeus”, pois teria apenas seguido um pedido de Haj Amin Al Husseini.
Benjamin Netanyahu foi coerente com a construção fetichizada do Holocausto, isentando a Europa por se considerar um produto da ocidentalidade europeia, com missão “civilizatória” sobre os árabes, os animais. O discurso proferido por Netanyahu foi no Congresso Mundial Sionista, outra incrível coerência, pois ele não foi interrompido e, ao final, foi aplaudido.[v]
É comum ver uma comparação esdrúxula – e perigosa para os judeus – entre o que chamam de antissemitismo, quando das críticas ao sionismo, e o Holocausto. Ao transformar mera crítica ao Sionismo em antissemitismo, mesmo com a operação racista de retirada dos palestinos pelo grupo étnico semita imaginário, transforma o antissemitismo real em algo mundano e passível de ser criticado – operação inversa do fetichismo do Holocausto e da transformação do judeu europeu em espelho do branco ocidental. Ao vincular o antissemitismo ao sionismo e a Israel, os quais o utiliza como espantalho para toda e qualquer crítica, rebaixa o Holocausto a uma posição secular em oposição à construção a-histórica conservadora.
Deixa o discurso nu e sem adornos parnasianos que enganariam os autoproclamados intelectuais que consideram o genocídio palestino um “conflito complexo”, ou que permitiriam que se enganassem em nome da boa convivência com fundos de financiamento de pesquisa e editoras, restando-lhes diante das imagens de crianças enterradas e membros de pessoas agrupados em panos brancos o silêncio sepulcral da mediocridade política. Algo semelhante vale para as direções nacionais dos partidos institucionais de esquerda (PT, PC do B e PSOL), de olho nos votos evangélicos na eleição de 2024 – o que, comprovadamente, não trará qualquer voto nesse segmento.
Mas a convergência entre extrema direita israelense e extrema direita brasileira é epítome da universalização fascista pela coerência de trajetórias políticas distanciadas em milhares de quilômetros. Os aplausos a Jair Bolsonaro quando comparou negros a gados são síntese. O Haganá, milícia assassina de extrema direita que matava e expulsava palestinos, tornou-se as Forças de Defesa de Israel (IDF), uma antiga defesa de Jair Bolsonaro sobre as milícias cariocas quanto à segurança pública.
O Irgun, dissidência do Haganá, mais sectária e fundamentalista, também formadora das IDF, recebeu repúdio de Albert Einstein e outros em um famoso manifesto que denunciava o supremacismo e o colonialismo de suas ações, ainda em 1948. Seus fundadores estavam na formação do Herut, partido que resultaria anos depois do Likud, partido fascista de Benjamin Netanyahu. O Lehi, a outra dissidência do Haganá, foi responsável pela carnificina de Deir Yassin, na qual 120 palestinos desarmados foram exterminados em abril de 1948, aproximadamente como as chacinas sob Cláudio Castro, que deixaram 141 executados apenas em 2023 – o ano não terminou.[vi]
A milícia carioca consiste em formato paramilitar idêntico, cujo principal tributário foi Jair Bolsonaro, tornando-se, assim como Benjamin Netanyahu, mandatário do país. A extrema-direita incrustada no Estado, sobretudo nas instituições cariocas, como polícias e mesmo o Exército, financiou grupos milicianos, centrando fogo no Comando Vermelho e abrindo espaço para policiais milicianos assumirem o controle paraestatal dos territórios.
Benjamin Netanyahu atacou a ONU, barrou funcionários e se negou a conceder vistos humanitários. Atacou todas as instituições, como mostra a crise com o judiciário do país, algo feito pelo seu parceiro brasileiro, o qual acusava a ONU de “globalismo”. Israel vendeu programas de espionagem para Jair Bolsonaro para vigiar e perseguir a oposição. Jair Bolsonaro quase mudou a embaixada brasileira para Jerusalém, abrindo um escritório diplomático. Benjamin Netanyahu enviou de forma propagandista uma brigada para passear em Brumadinho sobre corpos brasileiros.
Benjamin Netanyahu e Jair Bolsonaro são produtos da radicalização da ocidentalidade europeia ao mesmo tempo em que são camuflados pela mitificação do “conflito”, assim como Hitler foi enquanto é asilado politicamente (como fez Bibi) por meio da mitificação do nazismo e da fetichização do Holocausto. O fascista israelense vislumbra árabes exclusivamente em uma solução final enquanto o fascista brasileiro considera negros e indígenas aptos a serem tiro ao alvo de milícias urbanas e rurais. Como disse, os aplausos de judeus a Jair Bolsonaro no clube judaico-israelense é síntese, não acidente. A comunidade judaica no Brasil pertence à classe dominante brasileira e à classe média tradicional. Não mora no Jacarezinho e, pelo menos as comunidades de São Paulo e Rio de Janeiro, não chega perto a uma periferia ou morro. É síntese de classe!
O apoio, ou melhor, o pacto fez todo o sentido, no qual foi explicitado pelo atual embaixador de Israel de maneira didática e coerente – nomeado pelo antigo governo. Ele convocou uma reunião com parlamentares em prédio público brasileiro, todos bolsonaristas, e convidou Jair Bolsonaro, reunindo-se logo em seguida às portas fechadas.
No mesmo dia, uma operação construída pelo Mossad prendeu dois brasileiros que teriam ligações com o Hezbollah – que não é classificado no Brasil como organização terrorista. A acusação: fariam atentados em sinagogas no Brasil. A história sem pé nem cabeça foi assumida publicamente pelo Mossad, embaixada e Benjamin Netanyahu, provocando crises institucionais até mesmo na americanizada Polícia Federal. O Globo, em editorial, aproveitou para acusar o Irã e exigir que o Brasil se afaste, em um claro movimento de Israel e EUA para friccionar o BRICs.[vii]
O Mossad não é uma força policial. Não é a homônima israelense da Polícia Federal. O Mossad é uma força de espionagem e intervenção em outros países, matando pessoas.[viii] Qualquer informação do Mossad não é institucional. O Mossad representa os interesses geopolíticos israelenses, os quais não encontram resguardo em uma figura (irreal, mas existente na forma jurídica) de neutralidade republicana.
Mossad é uma força estrangeira em território nacional, que segue ordens diretas de Benjamin Netanyahu. É possível que estejamos assistindo a uma das maiores barrigadas da história da Polícia Federal, que tentará, como fez na Operação Hashtag, na qual prendeu um suposto grupo “terrorista” que agiria nas Olimpíadas de 2016, manter a condenação sob conivência da imprensa baseada em nenhum ato objetivo.[ix]
Mas o embaixador não parou. Estava flutuando “no ar como se fosse pássaro”. Acusou os dois supostos terroristas de serem ajudados dentro do país, dando a entender que seria de parte do governo federal. Memes, robôs e engajamentos artificiais tomaram as redes sociais. Jair Bolsonaro, ao fim do dia, alegou que pediu ao embaixador para os brasileiros sequestrados em Gaza por Israel serem libertados. Lógico, nada colou, em virtude da tosquice da armação. Até mesmo a mídia que propagou a operação policial rocambolesca fake evitou falar com destaque nos dias seguintes acerca do “ataque terrorista” no Brasil. A pressão se voltou contra o embaixador e, milagrosamente, a ordem para os brasileiros serem incluídos na lista foi dada por Israel, que controla a fronteira entre Faixa de Gaza e Egito.
O bolsonarismo trabalha com a perspectiva de israelizar de vez o Brasil, promovendo milícias e fundamentalistas religiosos, quando não os dois em um só, como prova o Complexo de Israel,[x] que expandiu sob proteção da milícia.[xi] No caso, a narcomilícia proíbe manifestações religiosas de matriz africana, expulsando pais e mães de santo. Os narcotraficantes evangélicos foram politicamente coerentes na escolha do nome. É impossível dissociar as milicias israelenses expulsando palestinos das narcomilícias cariocas expulsando pais e mãos de santo (africanos).
Na perspectiva evangélica, nada mais justo do que se chamar Israel. Insisto: os aplausos de judeus cariocas a Jair Bolsonaro quando comparou quilombolas a gado foram síntese. Depois, alguns pegaram uma praia na zona sul, onde fica o clube Hebraica. Evitam ir para a Barra da Tijuca, uma semizona sul de “novos ricos, milicianos e subcelebridades” que arquitetonicamente se assemelha a Miami. É preciso ter alguma distinção.
Leonardo Sacramento é professor de educação básica e pedagogo do IFSP. Autor, entre outros livros, de Discurso sobre o branco: notas sobre o racismo e o Apocalipse do liberalismo (Alameda).
Notas
[i] Disponível em https://g1.globo.com/politica/noticia/2021/06/12/netanyahu-ve-risco-que-bolsonaro-seja-investigado-por-genocidio-de-povos-indigenas-diz-ex-embaixador-do-brasil-em-israel-em-carta.ghtml.
[ii] Para uma crítica ao uso do termo “terrorismo”, ver https://aterraeredonda.com.br/sionismo-etapa-superior-do-colonialismo-anglo-saxao/.
[iii] Disponível em https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2019/05/24/queiroz-pagou-cirurgia-em-hospital-de-sao-paulo-com-r-64-mil-em-dinheiro-vivo.ghtml.
[iv] WHITMAN, James Q. Hitler’s american model: the United States and the making of Nazi Race Law. New Jersey, Princeton University Press, 2017.
[v] Disponível em https://pt.euronews.com/2015/10/21/netanyahu-defende-hitler.
[vi] Disponível em https://valor.globo.com/politica/noticia/2023/10/05/fogo-cruzado-mapeou-12-chacinas-em-area-no-rio-onde-medicos-foram-mortos.ghtml.
[vii] Disponível em https://oglobo.globo.com/opiniao/editorial/coluna/2023/11/operacao-da-pf-que-desbaratou-plano-terrorista-foi-trabalho-exemplar.ghtml.
[viii] Disponível em https://g1.globo.com/mundo/blog/sandra-cohen/post/2020/12/01/por-que-o-assassinato-do-principal-cientista-nuclear-iraniano-e-atribuido-a-israel.ghtml.
[ix] Para uma crítica sobre a Operação Hashtag, ver https://outraspalavras.net/sem-categoria/o-estrondoso-fracasso-da-operacao-hashtag/. Um “condenado” foi morto na prisão por espancamento.
[x] Disponível em https://g1.globo.com/rj/rio-de-janeiro/noticia/2020/07/24/traficantes-usam-pandemia-para-criar-novo-complexo-de-favelas-no-rio-deixam-rastro-de-desaparecidos-e-tentam-impor-religiao.ghtml.
[xi] Disponível em https://extra.globo.com/casos-de-policia/traficantes-evangelicos-fecham-pacto-com-milicia-para-expandir-complexo-de-israel-24821015.html.
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