Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
Distinguem-se cinco agendas ambientais nas estratégias das cadeias produtivas dos empresários “rurais”
A publicação do Mapa da Pesquisa Eleitoral do IPEC por Estados provocou comentários críticos ao atraso dos estados do Sudoeste brasileiro. Fora os ex-territórios em fronteiras do Norte com diminutos eleitorados (RR 0,2%, AC 0,4%, RO 0,8%), Lula não lidera no DF (1,4%), no MT (1,6%) e em SC (3,5%). Está em empate técnico com vantagem numérica para o desqualificado ocupante atual do cargo de Presidente da República no MS (1,3%), GO (3,1%) e PR (5,4%). Lidera em 14, inclusive nos dois maiores (SP 22,2% e MG 10,4%), e tem também empate técnico com vantagem numérica no ES (1,9%), RS (5,5%) e Rio de Janeiro (8,2%). Lembremos: ao contrário dos Estados Unidos, aqui não há a regra “the winer takes it all”, ou seja, uma vitória implicar em ganhar todos os votos do estado.
Esses comentários críticos ao atraso provocaram reações sob a alegação dos estados do Oeste estarem apresentando maior crescimento demográfico, econômico e, principalmente, das exportações. Em 2000, MS, MT, RO, AC e RR respondiam por 4,0% da população do Brasil e por 2,5% das exportações. Em 2021, aumentaram para 4,6% da população e 10,9% das exportações do Brasil.
Os indignados defenderam, em vez de classificá-los como “atrasados”, ser preciso buscar entender a dinâmica desses estados e apresentar uma agenda política melhor frente à atual para essa região.
Também reagi contra o economicismo deles ao afirmar: a economia não determina diretamente a política. Votar contra uma candidatura social e nacionalmente progressista em nome de suposta defesa dos interesses dominantes nessas regiões do agronegócio a meu ver é sim sintoma bairrista de atraso político e cultural.
Tive oportunidade de viajar por quase todos os Estados brasileiros e fiquei chocado com a desigualdade educacional e/ou cultural, justamente desses lugares onde o candidato reacionário está à frente, embora tenha conhecido pessoas muito amáveis em todos os lugares. Pior, seus habitantes não têm essa noção, pois desconhecem o nível de escolaridade superior existente em outros lugares.
Como dizia minha avó a respeito dos esnobes, cujo valor principal é pecuniário – e não cultural: “comem angu… e arrotam peru!” Não se enxergam ou são ressentidos?
Aprendi com Caio Pompeia, autor do livro Formação política do agronegócio, em debate virtual e artigo (Folha de S. Paulo, 25/02/21), que o agronegócio não é homogêneo. Há frações em disputa de poder político dentro da casta dos mercadores do agronegócio. Constituem subcastas.
Por exemplo, distinguem-se cinco agendas ambientais nas estratégias das cadeias produtivas dos empresários “rurais”, expressas pelas associações patronais.
(1) A União Democrática Ruralista (UDR), aliado ao inominável presidente, tem reivindicações “negacionistas”, pois contesta os compromissos climáticos do Brasil, os dispositivos do Código Florestal e a existência do Ministério do Meio Ambiente (MMA). Paralelamente, encorajam alterações legais e administrativas, “para passar a boiada”, em selvagem expansão territorial para buscar obter vantagens competitivas.
(2) As posições “conservadoras” da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil expressam-se na atuação com a Frente Parlamentar da Agropecuária no Congresso e convergem com aquelas extremistas na defesa da atual política ambiental e nas críticas às demarcações de terras indígenas. Por oportunismo de exportador, dão um “banho verde” [greenwashing] nas propostas mais radicalizadas, não se colocando contra o Acordo de Paris, porém requerendo metas mais tímidas para o país, e fazem lobby para a continuidade do MMA sob um comando adequado a seus posicionamentos.
(3) A Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais é um exemplo de quem faz pleitos “volúveis” por não investir com ímpeto contra uma parte relevante das propostas antiambientais, existentes no Congresso Nacional, onde tem influência considerável. Forçados por críticas, diferencia-se das posições conservadoras por levar a sério seus compromissos com as moratórias de dívidas rurais e a rastreabilidade.
(4) A Coalizão Brasil Clima, Florestas e Agricultura adota posicionamentos “descarbonizadores” e opõe-se, claramente, à atual política ambiental do governo exterminador de florestas e genocida de nativos. Tem defendido a transição para uma economia de baixo carbono, o combate ao desmatamento ilegal no país, o Código Florestal e as unidades de conservação.
(5) As agremiações europeias, lideradas por agentes vinculados a atividades terciárias, como a instituição financeira Storebrand e a rede varejista Tesco, adotam posições “socioambientais” e propõem o desmatamento zero na Amazônia, contestam investidas para o afrouxamento das regras de licenciamento ambiental e, com maior ênfase frente aos posicionamentos descarbonizadores, defendem os direitos territoriais tradicionais.
Na atual legislatura (2019-2022), a Frente Parlamentar da Agropecuária (FPA) passou a contar 257 signatários, enquanto no ano 2018 eram 240. PP e PSD são as siglas com mais membros filiados à frente, com 29 e 27, respectivamente. Em seguida, MDB e PSL são os mais numerosos, com 25 parlamentares cada um. São seguidos por DEM (22), PR (18), PSDB (16) e PRB (12), PDT (11) e PSB (11).
Os 225 deputados filiados à FPA representam 44% da Câmara com 513 parlamentares. No Senado, os ruralistas detêm 32 das 81 cadeiras disponíveis (39,5%).
Evidentemente, essa proporcionalidade com super-representação ruralista não representa os interesses diretos da maioria da população brasileira, pelo contrário, tem conflito de interesses. De acordo com dados da PNAD 2015 do IBGE, a maior parte dela (84,7%) vive em áreas urbanas. Apenas 15,3% dos brasileiros vivem em áreas rurais.
Na realidade, o agronegócio brasileiro atrai muitos investidores estrangeiros com grande interesse na aquisição ou arrendamento de terras rurais. Por questão de estratégia econômica, a legislação brasileira restringe tais investimentos no território para a manutenção da soberania nacional.
Justificando-se pelo uso temporário da terra, latifundiários retrógrados costumam optar pela estrutura do contrato de parceria rural, não sujeito às restrições legais dos contratos de arrendamento. Este funciona como uma espécie de aluguel da terra, onde o arrendatário paga um valor certo e determinado, em moeda corrente nacional, ao arrendador, enquanto na parceria as partes dividem o risco do negócio e partilham os ganhos. Muitos desses contratos nominados como de parceria são, na prática, contratos de arrendamento com estipulação de preço fixo e sem a divisão dos riscos. Burlam a lei.
De acordo com o índice Melhores e Maiores 2020, levantamento conduzido pela revista “Exame”, dez companhias despontavam como as detentoras das maiores receitas líquidas externas na ordem: 1º Vale (US$ 19,2 bilhões); 2º Petrobras (US$ 17,7 bilhões); 3º Cargill Agrícola (US$ 9,3 bilhões); 4º Shell Brasil (US$ 7,7 bilhões); 5º Bunge (US$ 5,3 bilhões); 6º Louis Dreyfus Company (US$ 4,2 bilhões); 7º Suzano Papel e Celulose (US$ 3,6 bilhões); 8º JBS (US$ 3,3 bilhões); 9º Amaggi Commodities (US$ 3,2 bilhões); 10º CSN Mineração (US$ 2,7 bilhões).
Na Lista Forbes Agro 100, entre as 25 maiores empresas por receita no agronegócio do país, nove são de origem estrangeira: CARGILL (5ª), BUNGE (7ª), COFCO (10ª), LOUIS DREYFUS (12ª), YARA (16ª), TEREOS (21ª), GAVILON (23ª), BAYER (24ª), VITERRA (25ª).
Outra observação importante, mas pouco conhecida, diz respeito à chamada “boca de jacaré”. É formada pela diferença entre o câmbio embarcado ou exportado, divulgado pela SECEX, e o câmbio contratado, apurado pelo Banco Central do Brasil. No fim de agosto de 2022, chegou a US$ 30,7 bilhões (valor próximo ao das reservas cambiais argentinas), bem afastados do pico de US$ 58,7 bilhões, atingido em agosto de 2021.
Quando as condições de crédito aqui estão mais caras, há um encarecimento de alguns insumos importados e o exportador precisa ter mais capital, ele traz os dólares deixados antes lá fora. Também internaliza por carry trade: aplicar onde o juro é maior.
O fechamento da “boca do jacaré”, isto é, a internalização dos ganhos em dólares das exportações físicas a partir da produção no Brasil, leva à apreciação da moeda nacional. A abertura da “boca” facilita a depreciação – e reforça a pressão inflacionária importada.
Uma parte dos dólares se mantém no exterior. Nem todos os recursos cambiais apropriados pelos exportadores brasileiros vão ser internalizados. Esse ‘gap’ [lacuna] existe porque parte desse dinheiro estrangeiro é vertido para inúmeros serviços das grandes exportadoras lá fora. Mas um câmbio contratado muito abaixo do embarcado também não é esperado pelo interesse nacional.
Não é uma questão relacionada a um risco estrutural do país, mas sim ao fato de a gestão de caixa das multinacionais, exportadoras desde o Brasil, ser menos relacionada a aspectos macroeconômicos e muito mais ligada à gestão microeconômica de risco e equilíbrio do balanço em moeda estrangeira. Uma companhia com moeda funcional em dólar gerencia o negócio dela nessa divisa. Para ela, não faz sentido acumular reserva em outra moeda senão o dólar apenas para se apropriar de juros maiores em reais.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Métodos de análise econômica (Contexto).
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