Conversações sobre a paz na Ucrânia

Imagem: Pexels
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Por ANDREW KORYBKO*

O elogio de Vladimir Putin à abordagem de Donald Trump para as conversações de paz envia uma mensagem a todos os apoiadores da Rússia

Alguns dos apoiadores da Rússia, no país e no exterior, têm-se mostrado céticos em relação ao compromisso de Donald Trump em manter conversações de paz com Vladimir Putin, mas este acaba de elogiar a abordagem de seu colega, enviando-lhes assim uma mensagem. Putin falava numa reunião do conselho de administração do Serviço Federal de Segurança (FSB) quando disse que seus primeiros contatos com Donald Trump e sua equipe “inspiram certas esperanças”. Afirmou ainda que os EUA agora compartilham o desejo da Rússia de reparar suas relações e trabalhar na solução de grandes problemas estratégicos do mundo.

Vladimir Putin continuou dizendo que “nossos parceiros demonstram pragmatismo e uma visão realista das coisas, e abandonaram numerosos estereótipos, as chamadas regras, e clichês messiânicos e ideológicos de seus antecessores”. Ele então avisou o FSB de que “uma parte das elites ocidentais ainda está empenhada em manter a instabilidade no mundo e estas forças tentarão perturbar ou comprometer o diálogo recentemente reatado”.

Em seguida, encarregou-os de “utilizar todas as possibilidades oferecidas pela diplomacia e pelos serviços especiais para impedir tais tentativas”. Sua última missão merece mais atenção devido ao seu significado. Para começar, sugere que Vladimir Putin e Donald Trump estão realmente aproximando-se de um acordo inovador que pode ser descrito como uma “nova détente” entre seus países.[1]

Continuando, o ponto seguinte é que algumas elites ocidentais poderão tentar impedir essa “nova détente”, uma vez que seja contrária a seus interesses. Ninguém sabe que formas isto pode assumir, mas o aviso de Vladimir Putin sobre como podem tentar perturbar este processo sugere provocações contra a Rússia e/ou a Bielorrússia, enquanto suas palavras sobre comprometer o diálogo podem referir-se a vazamentos ou mentiras. O FSB deve, em qualquer caso, evitar preventivamente estes cenários ou ter planos para o que a Rússia deve fazer se eles se concretizarem.

Em terceiro lugar, os dois pontos anteriores implicam a preferência de Vladimir Putin pelo apoio público de seus correligionários ao que ele está tentando alcançar diante da resistência de alguma elite ocidental ou, pelo menos, que não o desacreditem questionando suas intenções ou as de Donald Trump. Em outras palavras, a interpretação “politicamente correta” dos acontecimentos recentes é que a Rússia e os EUA estão trabalhando sinceramente para resolver seus problemas em benefício do mundo, e tudo o que questione esta visão será mal visto pelo Kremlin.

O quarto ponto baseia-se no último, levantando a possibilidade de que o apoiador que desafiar a nova interpretação “politicamente correta” dos acontecimentos recentes pode até ser suspeito de operar sob a influência da elite ocidental dissidente. Isto poderia levar ao “cancelamento” dos estrangeiros e à investigação dos nacionais, dependendo da forma como suas próprias opiniões dissidentes são expressas. E, finalmente, o último ponto é que Vladimir Putin quer que todas as pessoas confiem nele enquanto tenta fechar o verdadeiro “acordo do século”.

*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]

Tradução: Fernando Lima das Neves.

Nota


[1] Os detalhes foram compartilhados nas cinco análises seguintes:

3 de janeiro: “A diplomacia da energia criativa pode lançar as bases de um grande acordo russo-americano

13 de fevereiro: “Eis o que vem a seguir depois de Putin e Trump terem acabado de concordar em iniciar conversações de paz

14 de fevereiro: “Por que a Rússia pode reparar seus laços com o Ocidente e como isso poderia remodelar sua política externa?”

15 de fevereiro: “O discurso de Vance em Munique confirmou a previsão de Putin para o verão de 2022 sobre a mudança política na Europa

25 de fevereiro: “A coreografia diplomática da Rússia e dos EUA na ONU mostra seu compromisso com uma ‘Nova Détente’


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