Cotas nas eleições

Imagem: Marcio Costa
image_pdf

Por MARINA MORAIS*

Em ao menos 5 municípios, a cota de gênero garantiu candidaturas masculinas

Estamos a menos de 20 dias das eleições. Desde o dia 27 de setembro, a Justiça Eleitoral tem se ocupado da análise dos Demonstrativos de Regularidade dos Atos Partidários (DRAP) que afere, de maneira geral, se as agremiações se atentaram às formalidades necessárias para lançar seus filiados como candidatos.

Em suma, o que a Justiça Eleitoral tem feito é analisar todos os registros de candidatura e ver se elas estão regulares para competir, ou se há algum impedimento. Dentre os requisitos a serem observados, estão a existência de Diretório ou Comissão Provisória vigente no Município, a redação de ata de convenção e também a observância da cota de gênero. Até o momento, 16 mil candidaturas já foram indeferidas.

Cotas na política

A proposta de um sistema de cotas integrou a Lei das Eleições desde sua primeira versão, em 1997, e previa que “do número de vagas resultante das regras previstas neste artigo, cada partido ou coligação deverá reservar o mínimo de trinta por cento e o máximo de setenta por cento para candidaturas de cada sexo”.

Como se previa apenas a reserva, e não o preenchimento das vagas, a determinação legal acabava não sendo completamente efetiva. Com essa redação, o único inconveniente a que o partido estaria sujeito ao não preencher o percentual mínimo de 30% das candidaturas para gênero era meramente não poder preenchê-las com homens.

A legislação atual, vigente desde 2009, por sua vez, exige que cada partido ou coligação preencha o mínimo de 30% (trinta por cento) e o máximo de 70% (setenta por cento) para candidaturas de cada sexo, sob pena de ter indeferido o registro de toda a chapa.

É um exercício necessário lembrar que a cota é de gênero e não feminina: a cada 10 candidatos, no mínimo 3 precisam ser mulheres, mas, no máximo 7 podem ser mulheres.

A despeito disso, confesso: desde que iniciei minha trajetória como eleitoralista, meu trabalho de advocacia preventiva em registros começa pela contagem de mulheres na lista de pré-candidatos para, não raro, encontrar percentuais inferiores ao exigido pela norma.

Eis que, este ano, ao acompanhar uma cliente candidata à Prefeitura de um município em Goiás, notei que o percentual de pretensas candidatas mulheres excedia a 70%. Quando me dirigi à equipe e informei que não cumpriam a cota, os coordenadores reagiram com surpresa, afinal, a futura chapa incluía muitas mulheres.

Até a data da convenção, não tínhamos certeza se conseguiríamos alcançar a proporção de 30%/70% para cada gênero. Por fim, encontramos homens interessados em concorrer e terminamos registrando cinco candidaturas femininas e três masculinas, de modo que a “cota” acabou sendo destinada aos candidatos, e não às candidatas.

Dividindo esse caso, de São Luís de Montes Belos (GO), com alguns colegas, logrei descobrir que ele não foi o único: repetiu-se em Estrela do Norte (GO), Alto Horizonte (GO), Itaperuna (RJ) e Canoas (RS).

Parecem muitos casos, mas veja-se: dos 5.570 municípios brasileiros, tem-se notícia de cinco. Ainda estamos muito distantes de um cenário em que chapas majoritariamente femininas ou com paridade são uma realidade comum.

A fim de contextualizar a discussão, cumpre mencionar que o Brasil ocupa a 134ª posição no ranking de porcentagem de mulheres nos Parlamentos Nacionais, entre os 190 países analisados pelo Inter-Parliamentary Union, atrás de países como Líbia, Jordânia e Turquia. As mulheres ocupam apenas 15% dos assentos do parlamento no Brasil, mesmo representando mais de 50% da população.

Por um lado, o debate acerca da necessidade de uma maior efetividade das políticas de incentivo à participação feminina na política tem assumido protagonismo nas discussões acadêmicas e partidárias, em especial após a exposição do grande número de candidaturas femininas fictícias nas eleições de 2016, que culminaram na cassação de chapas proporcionais inteiras. Por outro, há quem defenda a flexibilização da política de cotas.

Como exemplo, tem-se o Projeto de Lei (PL) nº 4130/19, que propunha que, caso a cota de gênero atualmente prevista na Lei das Eleições não fosse preenchida, a vaga permanecesse vazia. O PL parecia propor um retorno ao status quo, anterior a 2009, em tempos de pouca efetividade da cota, e foi retirado em 25/09/2019.

Com efeito, tentativas de flexibilização da cota de gênero não são raras, talvez porque os partidos não possuam competência ou vontade para cumprir com o mínimo de 30% das vagas para candidatas mulheres. A retirada do Projeto demonstra um avanço nessas discussões, mas ainda há que se evoluir muito até uma composição paritária de chapas.

É interessante observar que as maiores críticas dirigidas ao projeto retirado o identificavam como um retrocesso nos direitos conquistados pelas mulheres, mesmo quando a cota é de gênero. De fato, até o ano passado, não se tinha notícia da cota como mecanismo garantidor da participação de candidatos do sexo masculino, como nos casos de São Luís de Montes Belos (GO), Estrela do Norte (GO), Alto Horizonte (GO), Itaperuna (RJ) e Canoas (RS).

A questão que fica é a seguinte: será que se os casos de “inversão da cota” observados nas eleições de 2020 se tornarem mais comuns, o sistema ainda veria a necessidade de se garantir candidaturas de ambos os sexos nas chapas como uma dificuldade? Ou se as cotas fossem para proteger as candidaturas masculinas as cotas não mais seriam vistas como um problema?

* Marina Morais é advogada e mestranda em Ciência Política pela Universidade Federal de Goiás.

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
3
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
4
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
5
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
6
A riqueza como tempo do bem viver
15 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: Da acumulação material de Aristóteles e Marx às capacidades humanas de Sen, a riqueza culmina em um novo paradigma: o tempo livre e qualificado para o bem viver, desafio que redireciona o desenvolvimento e a missão do IBGE no século XXI
7
A crise do combate ao trabalho análogo à escravidão
13 Dec 2025 Por CARLOS BAUER: A criação de uma terceira instância política para reverter autuações consolidadas, como nos casos Apaeb, JBS e Santa Colomba, esvazia a "Lista Suja", intimida auditores e abre um perigoso canal de impunidade, ameaçando décadas de avanços em direitos humanos
8
Norbert Elias comentado por Sergio Miceli
14 Dec 2025 Por SÉRGIO MICELI: Republicamos duas resenhas, em homenagem ao sociólogo falecido na última sexta-feira
9
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
10
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
11
Ken Loach: o cinema como espelho da devastação neoliberal
12 Dec 2025 Por RICARDO ANTUNES: Se em "Eu, Daniel Blake" a máquina burocrática mata, em "Você Não Estava Aqui" é o algoritmo que destrói a família: eis o retrato implacável do capitalismo contemporâneo
12
A anomalia brasileira
10 Dec 2025 Por VALERIO ARCARY: Entre o samba e a superexploração, a nação mais injusta do mundo segue buscando uma resposta para o seu abismo social — e a chave pode estar nas lutas históricas de sua imensa classe trabalhadora
13
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
14
Benjamim
13 Dec 2025 Por HOMERO VIZEU ARAÚJO: Comentário sobre o livro de Chico Buarque publicado em 1995
15
Violência de gênero: além do binarismo e das narrativas gastas
14 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Feminicídio e LGBTfobia não se explicam apenas por “machismo” ou “misoginia”: é preciso compreender como a ideia de normalidade e a metafísica médica alimentam a agressão
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES