Por ALDO PAVIANI*
As muitas assimetrias entre pobres e ricos no Brasil
A Constituição brasileira é clara ao assegurar que “Todos são iguais perante a lei”. Esse artigo da Lei Maior está inscrito no artigo 5o., e se encontra bem explicitado ao longo de setenta e oito incisos. Os constituintes não poderiam ter sido mais claros, sendo minuciosos, detalhando todas as possibilidades para os cidadãos. Por isso, não há como passar por cima da Lei Magna, em tese.
À luz do dia, contudo, todos sabem que a igualdade tem que ser buscada incessantemente, em razão do que presenciamos ao nosso redor. Para o bem de todos, a igualdade deveria ser a encontrada em cada rincão do território nacional. Deveria, mas não é por multifacetadas e multiformes razões. Uma dessas razões é porque os seres humanos não são perfeitos e muitos são inclinados ao egoísmo quando se trata de “ter” ou de “ser”.
Considera-se genericamente os homens inclinados a se considerarem diversos em termos de posses materiais ou imateriais. Há os que se empenham em ter bens que lhe tragam conforto, em certas circunstâncias, superiores às suas necessidades cotidianas. Uma casa maior, que se situe em bairro de prestígio; o carro do ano, que o diferencie na vizinhança; a roupa de grife por estar na moda e assim por diante. Isso revela propensão para a desigualdade em termos formais.
Em países colonizados por europeus ainda podem-se encontrar desigualdades étnicas (ditas raciais), em razão de os povos originários (tidos como indígenas) possuem sua própria cultura, hábitos e crenças. O dominador, em todos os quadrantes do território, tende a querer impor suas regras sobre todas essas características, como acontece quando se fala em “aculturação”. Diga-se que nem sempre isso funciona dessa forma. Não há aculturação possível quando as etnias estão inseridas na proteção legal ou na resistência das estruturas existentes em seu domínio há séculos.
Por outro lado, no meio urbano, não será difícil encontrar desigualdades entre pessoas e situações em que elas se encontram. Um exemplo clássico pode se notar no acesso à informação. Os que estão em melhor posição social possuem todas as condições de estar bem-informados. Podem ler jornais e informativos de qualquer parte do mundo porque possuem equipamento correspondente para o acesso desejado. O poder aquisitivo de muitas pessoas facilita a compra de livros de interesse, no mesmo dia do lançamento. Mas, para as pessoas de baixo poder aquisitivo (pobres) o acesso a livros não é fácil. Ou frequentam bibliotecas públicas, de universidades ou em pontos de ônibus como já se notou em Brasília.
Ainda no meio urbano, as desigualdades podem ser notadas nas estruturas de habitação. Nas metrópoles, o centro urbano geralmente atrai construções em altura com a oferta de apartamentos de variados tamanhos. Há edifícios com um mix de imóveis de um a quatro quartos, favorecendo a aquisição por diferentes estratos da população. Isso não revela grandes disparidades sociais porque quem aluga ou compra um imóvel o faz de acordo com seu poder aquisitivo ou capacidade de pagar prestações a médio ou longo prazo.
Em contraste, por vezes não muito distante de prédios de luxo, estão as comunidades pobres com habitações feitas com materiais já utilizados em obras como tábuas, telhas de amianto (com uso condenado) ou placas de cimento. É emblemática, a esse respeito, uma fotografia aérea que mostra o contraste entre um prédio de muitos andares no Morumbi, com piscina na varanda, contrastando ao fundo com a comunidade de Paraisópolis (tida como favela, com mais de 40 mil habitantes), ao sul da capital paulista. Notabilizada como a segunda comunidade pobres de São Paulo, é notória a desigualdade do padrão construtivo entre os ricos dos prédios do Morumbi e dos barracos das pessoas desvalidas de Paraisópolis.
Há também desigualdades expressivas na alimentação dos brasileiros. Constata-se que há diferenças também nos centros urbanos entre o local de alimentação de pobres e ricos. É um truísmo afirmar que a camada mais abonada tem acesso a bons restaurantes ou pode adquirir variada gama de alimentos em feiras ou supermercados. As pessoas pobres não podem comprar frutas, verduras, carnes, peixes e produtos enlatados. Isso é da alçada dos que possuem bom poder aquisitivo. Por isso, a dieta dos empobrecidos, é insatisfatória quanto à capacidade nutritiva e pode ser causa de enfraquecimento físico em crianças e jovens, podendo causar mal formação física e mental. Esse quadro de insuficiência alimentar pode ser responsável por atraso escolar ou na formação corporal dos desnutridos na infância e adolescência. Portanto, essa questão é de saúde pública e deve ser levada em conta pelos governantes. Urge tomar as devidas providências para que todos tenham acesso à alimentação equilibrada e saudável para que as pessoas consumindo boa alimentação possam completar seus estudos e posterior inserção em atividades produtivas e de serviços.
*Aldo Paviani, geógrafo, é Professor Emérito da Universidade de Brasília (UnB).