Por BRUNO RESCK*
Do sucateamento ao desafio da extrema direita
É inegável a importância histórica da criação dos Institutos Federais de Educação e a expansão das Universidades Federais ao longo dos governos do Partido dos Trabalhadores desde 2003. No entanto, é igualmente inegável que o processo de desmonte da educação federal tenha começado, infelizmente, ainda no governo da presidente Dilma Rousseff, com os ajustes fiscais promovidos pelo então ministro da Fazenda, Joaquim Levy.
De 2016, com Michel Temer, até o final do governo de Jair Bolsonaro, as Instituições Federais de Ensino (IFEs) sofreram um intenso processo de destruição física e subjetiva. Sucateamento físico pelos sucessivos cortes orçamentários, e subjetivo pelos intensos ataques à educação (sob alegações de doutrinação e balbúrdia) e aos servidores públicos pela consolidação da lógica neoliberal privatista.
A eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para o seu terceiro mandato em 2022, foi um alento para os servidores da educação e uma esperança para estancar o processo de desmonte dos serviços públicos. No entanto, a postura do terceiro mandato do presidente Lula perante os servidores da educação federal, levanta sérias inquietações, especialmente, para uma administração que almeja ser reconhecida como progressista.
Ao que parece, o governo elegeu o setor da educação para demonstrar ao mercado financeiro sua capacidade de controlar os gastos públicos e ajustar as contas conforme o Novo Regime Fiscal Sustentável, conhecido como Arcabouço Fiscal (Lei Complementar 200/2023). Esta postura contrasta fortemente com o tratamento dado às “carreiras típicas de Estado” como a Polícia Rodoviária Federal, Polícia Federal e Auditores Fiscais que receberam significativos reajustes salariais nesse ano.
Conforme demostrado por Antônio José Alves Junior e Miguel Carvalho, em artigo recente,[i] caso o governo atendesse as demandas apresentadas pelo sindicato Andes, os impactos orçamentários seriam na ordem de R$ 600 milhões para o ano de 2024, e algo em torno de 0,02% do PIB nos próximos anos. Os autores também destacam os efeitos multiplicadores dos investimentos públicos e os retornos desses gastos aos cofres públicos na forma de recolhimento de impostos. A opção pela austeridade é uma opção política adotada pelo governo federal que promove reuniões a portas fechadas com banqueiros e trata os servidores da educação com rigorosa intransigência.
No dia 10 de junho, o presidente se reuniu com reitores das Universidades e Institutos Federais para anunciar investimentos da ordem de R$ 5 bilhões do Novo PAC, para a construção de novos campi e a recomposição orçamentária das IFEs. O evento festivo contou com uma enxurrada de números e ações por parte do governo. O evento não foi uma reunião em que se busca o diálogo e troca de ideias, mas, sim, uma peça de propaganda política com o objetivo de autoelogio e desmobilizar o movimento grevista. Evidentemente, é de se comemorar investimentos para a educação, sempre.
Acontece que quando o presidente discursava, os servidores da educação (técnicos administrativos e docentes) estavam de braços cruzados numa greve que já se arrasta por mais de sessenta dias. Boa parte das ações e valores apresentados deverão ser aplicados em construções de novas unidades, portanto, ações de longo prazo. Ao fim do palavrório e palmas constrangidas dos presentes, nada foi dito sobre a recomposição salarial dos servidores.
A consciência ingênua de alguns docentes acreditava que a reunião com os reitores poderia ser um momento de boa vontade do ex-sindicalista, na tentativa de atender as demandas dos servidores e encerrar a greve. No entanto, o discurso de Lula foi o ápice que humilhou a greve e consolidou a marca do terceiro mandato ao emparedar os líderes sindicais: ou encerram a greve, ou enfrentarão a desmoralização.
A fala do presidente deixou evidente a cadeia de comando e o posicionamento do governo. Do negociador Luiz Feijóo (que assumiu que estaria dando um tiro no pé), passando pela ministra Esther Dweck (professora), pelos ministros Camilo Santana, e Fernando Haddad (professor) até o presidente Lula, ficou evidente a sintonia do governo em torno da defesa do Arcabouço Fiscal.
As mídias sociais do governo anunciaram, recentemente, que somos a 8ª maior economia do planeta. Somos um país rico. Portanto, é inconcebível que um dos setores primordiais ao desenvolvimento, como a educação, esteja brigando por migalhas orçamentárias. Como construir um país com soberania tecnológica contando moedas para o ensino, pesquisa e extensão?
No âmbito do Ministério da Educação, é preocupante o rumo que o governo toma. É preocupante que o ministro Camilo Santana (PT) não tenha revogado normativas retrógradas editadas por Michel Temer e Jair Bolsonaro, como o Novo Ensino Médio e a Portaria 983/2020, que causa danos à carreira docente e limita a produção científica nos Institutos Federais. A revogação dessas normativas são medidas administrativas que não envolvem a ampliação de gastos; portanto, ao não revogar, o ministério mostra concordância com essas normativas.
Também é preocupante o silêncio de Camilo Santana diante do avanço das privatizações das escolas estaduais e o avanço das escolas cívico-militares. Quem cala consente? O ministro deve respeitar os entes federativos, mas, politicamente, tem o papel de pautar o debate nacional e promover a disputa política/ideológica sobre tais temas. Por fim, é inaceitável a colonização do MEC pelas fundações empresariais (Fundação Itaú, Fundação Lemann, Fundação Todos pela Educação etc.) que influenciam, direta, ou indiretamente, decisões e o orçamento ministerial.
Ao mesmo tempo em que é anunciado recursos financeiros para a expansão das IFEs, o governo fala grosso com os grevistas e não coloca no horizonte uma justa valorização da carreira dos servidores. Como adequar a criação de novos campi e suas demandas por servidores ao Arcabouço Fiscal? Não é possível. Estaria no radar do governo o proposital sucateamento das carreiras e a consequente terceirização dos serviços?
É alarmante que o MEC conduza, há décadas, uma privatização silenciosa da educação de nível superior, uma vez que o arrocho orçamentário para as instituições públicas é acompanhado da transferência de um volume maior de recursos para a iniciativa privada, que já detém número superior de matrículas em cursos presenciais e na modalidade ensino à distância (uma tragédia!).
O PT que teve nas suas origens as mobilizações populares e um discurso contra a ordem estabelecida, hoje, é a própria ordem, e tem aprofundado as políticas neoliberais de diminuição do Estado, dando continuidade ao projeto da “Ponte para o Futuro” do governo Michel Temer. A determinação de Fernado Haddad, pelo ajuste fiscal, custe o que custar, sob o aval do presidente Lula, mesmo que promova pífios suspiros no crescimento do PIB não será capaz de desenvolver o país e muito menos conter o avanço da extrema direita.
Lula III parece estar jogando de salto alto, e não entende que não está mais lidando com as notícias falsas do tipo “bolinha de papel” do José Serra nas eleições de 2010. O inimigo atual é uma extrema direita com uma impressionante capacidade de articulação, engajamento social e uma significativa coordenação internacional.
Atualmente, uma geração de egressos das políticas públicas educacionais do PT que não conseguem exercer sua profissão e sobrevivem na informalidade, ou em trabalhos precarizados, alimentando profundos ressentimentos com essa política que defende o status quo e não oferece um horizonte de futuro. O governo carece de um plano de futuro para os jovens e para classe trabalhadora. Esse é o ambiente fértil para o avanço da extrema direita.
*Bruno Resck, geógrafo, é professor no Instituto Federal de Minas Gerais (IFMG) – Campus avançado Ponte Nova.
Nota
[i] A viabilidade fiscal da proposta do movimento de greve dos docentes das IFES. Jornal GGN. https://jornalggn.com.br/educacao/a-viabilidade-fiscal-da-proposta-da-greve-dos-docentes-das-ifes/?utm_term=Autofeed&utm_medium=Social&utm_source=Twitter#Echobox=1717278733
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