Eleições na Venezuela

Imagem: Arturo A
image_pdf

Por MANUEL DOMINGOS NETO

Os que gostam da democracia, da liberdade; os que lutam pela soberania de seus países e não querem guerra devem torcer pela vitória de Nicolás Maduro neste domingo

1.

Desde que, sob a liderança de Hugo Chávez, a Venezuela desafiou o imperialismo estadunidense, as informações sobre esse país foram sistematicamente embaralhadas. O domínio secular de Washington sobre a América do Sul fora trincado. Urgia desmoralizar Hugo Chávez e seu discurso libertário.

A Venezuela buscou exercer soberania sobre seus recursos naturais, estabeleceu cooperação militar alternativa, investiu na integração regional e deu suporte a Cuba, evitando seu colapso programado.

O exemplo venezuelano tornou-se intragável para os Estados Unidos: poderia estimular rebeldias em espaço vital a sua hegemonia. Washington incluiu Caracas no “eixo do mal” e acionou infindáveis expedientes para sabotar o governo venezuelano, inclusive, impondo grandes sacrifícios à sociedade.

Estive na Venezuela há vinte anos e, mesmo conhecendo intimamente as disparidades do Nordeste brasileiro, as condições sociais venezuelanas me chocaram. Como poderia um país tão rico ter tanta gente na penúria?

2.

Nessas eleições, não é o caso de restringir a análise ao desempenho das políticas públicas venezuelanas ou às idiossincrasias de governantes. O que merece mais atenção é o significado geopolítico desse embate. Estará em pauta neste próximo domingo o enfrentamento do imperialismo. Washington conseguirá silenciar a voz altiva da Venezuela?

Depois de tentativas frustradas de golpe, boicote econômico, sequestro de ativos financeiros, apoio a um fantoche autoproclamado presidente e intensa propaganda mentirosa, os estrategistas do imperialismo conseguirão interromper a experiência dita bolivariana?

Não tem cabimento repudiar o avanço mundial da extrema direita e lavar as mãos frente ao caso venezuelano. Não dá para torcer pela derrota dos ultraconservadores franceses e fechar os olhos diante de vizinhos do mesmo naipe.

É incoerente protestar contra a matança na Faixa de Gaza e vacilar no apoio a Nicolás Maduro, que defende os palestinos.

Não faz sentido propugnar pela integração sul-americana e ignorar a ofensiva da extrema direita na Venezuela. Obedientes à Washington, os reacionários desse país sabotam iniciativas integracionistas.

3.

Sem analisar corretamente uma declaração de Nicolás Maduro, Lula ajudou involuntariamente (espero!) os fascistas venezuelanos. Maduro não prometeu guerra caso perca as eleições: denunciou as pretensões da extrema direita venezuelana!

Lula se intrometeu erroneamente na eleição de um país vizinho e amigo. Sua palavra pesa na sociedade venezuelana. Caber-lhe-ia ensinar ao seu colega como se conduzir?

O que se noticiou antes da posse de Lula é que agentes de Washington contiveram iniciativas golpistas de militares brasileiros. Lula estaria agora cumprindo possível compromisso de conter o bolivarianismo?

Nicolás Maduro reagiu corretamente ao pedir-lhe que tomasse calmante. Errou depois, ao criticar a validade do processo eleitoral brasileiro. Mas a atitude do Judiciário brasileiro, cancelando o envio de observadores eleitorais a Caracas, foi inadmissível: ajudou a extrema direita venezuelana. O Judiciário brasileiro, que hoje encena a defesa da democracia, mostrou sua índole histórica de colaboração com golpistas.

Uma eventual derrota de Nicolás Maduro neste domingo impulsionará a extrema direita mundial. Seria retumbante vitória de Washington, justamente quando cresce seu isolamento internacional.

Os riscos de instabilidade continental crescerão. Governos democráticos da América do Sul, hoje minoritários, verão o cerco reacionário se fechar.

Os que gostam da democracia, da liberdade; os que lutam pela soberania de seus países e não querem guerra devem torcer pela vitória de Nicolás Maduro neste domingo.

*Manuel Domingos Neto é professor aposentado da UFC, ex-presidente da Associação Brasileira de Estudos de Defesa (ABED). Autor, entre outros livros de O que fazer com o militar – Anotações para uma nova Defesa Nacional (Gabinete de Leitura). [https://amzn.to/3URM7ai]


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja todos artigos de

MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

1
O segundo choque global da China
06 Dec 2025 Por RENILDO SOUZA: Quando a fábrica do mundo também se torna seu laboratório mais avançado, uma nova hierarquia global começa a se desenhar, deixando nações inteiras diante de um futuro colonial repaginado
2
Simulacros de universidade
09 Dec 2025 Por ALIPIO DESOUSA FILHO: A falsa dicotomia que assola o ensino superior: de um lado, a transformação em empresa; de outro, a descolonização que vira culto à ignorância seletiva
3
A guerra da Ucrânia em seu epílogo
11 Dec 2025 Por RICARDO CAVALCANTI-SCHIEL: A arrogância ocidental, que acreditou poder derrotar a Rússia, esbarra agora na realidade geopolítica: a OTAN assiste ao colapso cumulativo da frente ucraniana
4
Uma nova revista marxista
11 Dec 2025 Por MICHAE LÖWY: A “Inprecor” chega ao Brasil como herdeira da Quarta Internacional de Trotsky, trazendo uma voz marxista internacionalista em meio a um cenário de revistas acadêmicas
5
Raymond Williams & educação
10 Dec 2025 Por DÉBORA MAZZA: Comentário sobre o livro recém-lançado de Alexandro Henrique Paixão
6
A riqueza como tempo do bem viver
15 Dec 2025 Por MARCIO POCHMANN: Da acumulação material de Aristóteles e Marx às capacidades humanas de Sen, a riqueza culmina em um novo paradigma: o tempo livre e qualificado para o bem viver, desafio que redireciona o desenvolvimento e a missão do IBGE no século XXI
7
A crise do combate ao trabalho análogo à escravidão
13 Dec 2025 Por CARLOS BAUER: A criação de uma terceira instância política para reverter autuações consolidadas, como nos casos Apaeb, JBS e Santa Colomba, esvazia a "Lista Suja", intimida auditores e abre um perigoso canal de impunidade, ameaçando décadas de avanços em direitos humanos
8
Norbert Elias comentado por Sergio Miceli
14 Dec 2025 Por SÉRGIO MICELI: Republicamos duas resenhas, em homenagem ao sociólogo falecido na última sexta-feira
9
Asad Haider
08 Dec 2025 Por ALEXANDRE LINARES: A militância de Asad Haider estava no gesto que entrelaça a dor do corpo racializado com a análise implacável das estruturas
10
A armadilha da austeridade permanente
10 Dec 2025 Por PEDRO PAULO ZAHLUTH BASTOS: Enquanto o Brasil se debate nos limites do arcabouço fiscal, a rivalidade sino-americana abre uma janela histórica para a reindustrialização – que não poderemos atravessar sem reformar as amarras da austeridade
11
Ken Loach: o cinema como espelho da devastação neoliberal
12 Dec 2025 Por RICARDO ANTUNES: Se em "Eu, Daniel Blake" a máquina burocrática mata, em "Você Não Estava Aqui" é o algoritmo que destrói a família: eis o retrato implacável do capitalismo contemporâneo
12
A anomalia brasileira
10 Dec 2025 Por VALERIO ARCARY: Entre o samba e a superexploração, a nação mais injusta do mundo segue buscando uma resposta para o seu abismo social — e a chave pode estar nas lutas históricas de sua imensa classe trabalhadora
13
Impactos sociais da pílula anticoncepcional
08 Dec 2025 Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA: A pílula anticoncepcional não foi apenas um medicamento, mas a chave que redefiniu a demografia, a economia e o próprio lugar da mulher na sociedade brasileira
14
Benjamim
13 Dec 2025 Por HOMERO VIZEU ARAÚJO: Comentário sobre o livro de Chico Buarque publicado em 1995
15
Violência de gênero: além do binarismo e das narrativas gastas
14 Dec 2025 Por PAULO GHIRALDELLI: Feminicídio e LGBTfobia não se explicam apenas por “machismo” ou “misoginia”: é preciso compreender como a ideia de normalidade e a metafísica médica alimentam a agressão
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES