Por JULIAN RODRIGUES*
A partida precoce de Eliseu Neto deixa enorme lacuna no ativismo LGBTI e uma saudade ainda maior no coração de seus amigos
“É tão estranho / os bons morrem jovens/ assim parece ser/quando me lembro de você/que acabou indo embora/ cedo demais”
(“Love in the Afternoon”, Renato Russo)
Quando o mundo for reinventado haverá uma lei proibindo que as pessoas morram jovens, no ápice de suas vidas. É excruciante assistir à partida precoce de gente querida — mas faz parte do absurdo da existência…
Uma semana triste. O movimento nacional de lésbicas, gays, bissexuais, travestis, transexuais e pessoas intersexuais não conta mais com a inteligência, compromisso, capacidade de articulação e sobretudo com a generosidade e carisma de Eliseu Neto (1978-2024).
É difícil escrever sobre um amigo tão querido como Eliseu. Chorei muito quando soube de sua morte. Mais novo que eu, tinha 45 anos apenas!. Tínhamos nos falado por telefone há cerca de 20 dias. Lutava contra uma doença autoimune. Estava animado com os efeitos da cannabis medicinal. Tínhamos expectativa de que melhorasse. Parece que é mais difícil lidar com o adoecimento e morte de pessoas tão jovens. E que estavam conosco até ontem, trabalhando, rindo, pensando, agindo, sonhando.
Não me lembro exatamente quando, como e onde conheci Eliseu Neto. Deve ter sido em Brasília em algum dos inúmeros eventos de articulação das pautas dos direitos LGBTI.
Eu, da esquerda petista, ele militando no PPS. Em tese, não daria “match”. Mas, pelo contrário, foi uma amizade à primeira vista. Penso que a paixão pela política e a dedicação às pautas LGBTI e de Direitos Humanos nos aproximou quase que instantaneamente.
Sem mencionar o humor, simpatia e a inteligência do meu amigo seguidor do Roberto Freire. Aliás, adorávamos nos provocar mutuamente. Ele espinafrando o PT e eu, o PPS (não adianta, sempre me recusei peremptoriamente a chamar esse partido de Cidadania).
Militante de centro-esquerda, pragmático, preparado, vocacionado e com gosto para luta política. Diria que ele estava um tanto à esquerda da opinião média de seu Partido, o que, entretanto, não tinha repercussão em sua organicidade e disciplina partidárias.
Eliseu Neto – junto com Paulo Iotti e outros militantes históricos – foi um dos principais responsáveis por grandes conquistas da população LGBTI, como, por exemplo, a ação judicial junto ao STF que resultou na equiparação, para efeitos penais, da homofobia e transfobia ao racismo. Um marco em nossa jornada por reconhecimento e cidadania plena.
Conversei com ele algumas vezes depois do diagnóstico de sua condição de saúde. Apesar de um pouco debilitado em sua fala, seguia lúcido e bem humorado. Mas a doença autoimune é implacável. Meu amigo era psicólogo e psicanalista, o que provavelmente o ajudou a lidar com certa temperança frente ao fim iminente.
Em momentos como esse tenho até certa inveja dos que creem na metafísica, em vidas outras, em céus, paraísos e quetais.
Todavia, fica somente o que se foi e o que se fez. Eliseu Neto continuará vivo na memória de sua família e amigos e na história do movimento LGBTI brasileiro.
Eliseu Neto: presente!
*Julian Rodrigues, jornalista e professor, é militante do movimento LGBTI, do movimento de Direitos Humanos e do PT.
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