Por BENICIO VIERO SCHMIDT*
Comentário sobre acontecimentos recentes
O presidente Jair M. Bolsonaro acaba de postergar mais uma vez a entrega ao Congresso Nacional do projeto Renda Brasil. Isso significa muita coisa. Primeiro, atesta a existência de um impasse dentro do governo acerca dos valores a serem disponibilizados para a execução do programa. Segundo, indica uma indecisão acerca da fonte dos recursos necessários. A proposta de Guedes recai sobre as classes médias e, de certa forma, sobre os próprios pobres, pois se assenta, entre outras coisas, na adoção de medidas que inviabilizam a manutenção do abono salarial. A classe média seria penalizada especialmente por conta das modificações das regras do Imposto de Renda. Há um impasse dentro do governo, mas, muito mais do que isso, há um impasses em torno da grande questão: o teto de gastos públicos deverá ser mantido ou não nos próximos anos?
Na semana passada foi lançado um manifesto de 381 economistas “desenvolvimentistas” organizado pela Associação Brasileira de Desenvolvimento, pregando uma flexibilização no teto para que especialmente as políticas de subsídios aos gastos sociais primários possam ser mantidas e eventualmente ampliadas, como tem sido o caso durante a pandemia. Do programa Bolsa Família, por exemplo, que tem uma média de cobertura de R$ 190 por família, passou-se ao auxílio emergencial de, no mínimo, R$ 600.
De outro lado, os economistas ortodoxos lançaram também um manifesto com mais de 90 assinaturas – reunindo basicamente o pessoal das finanças, da Avenida Faria Lima – pregando a manutenção do teto, e mais, o desinvestimento social como forma de manter as finanças em nível saudável no Brasil. Isso significa que há uma forte resistência do mercado financeiro às medidas imaginadas pelos desenvolvimentistas e mesmo por Jair M. Bolsonaro que disse que não aceita que subsídios aos pobres sejam retirados das camadas mais pobres.
Se a PEC 95 que mantém o teto não for extinta teremos um conflito no qual talvez não seja possível a permanência do Ministro da Economia, uma vez que as suas teses que têm sido negadas pelo presidente da República. Os desdobramentos disso serão visíveis nos próximos dias e nas próximas semanas. Essas decisões devem ser tomadas até 31 de agosto, data do envio do orçamento ao Congresso Nacional.
Circula nas redes sociais cenas do documentário Fórum, realizado pelo diretor alemão Marcus Vetter, em Davos na Suíça. Elas mostram o isolamento ao qual foi relegado o presidente do Brasil durante o evento e sua atitude risível diante do ex-vice-presidente da República dos Estados Unidos, Al Gore. O documentário escancara o isolamento do Brasil. Os convidados dos outros países, neste último Fórum, defenderam as políticas em favor do meio-ambiente acima de qualquer coisa. O Brasil caminha na contramão.
No dia 26 de agosto, quarta-feira, o Brasil ultrapassou os Estados Unidos na média de letalidade do Covid-19. Tornamo-nos assim o país com maior índice, atingindo a média de 56,8 mortos por cada 100 mil habitantes, superando neste item os Estados Unidos que ainda mantém, em números absolutos, o maior número de mortos nessa pandemia.
Um fato estarrecedor foi a defesa do trabalho infantil feita nessa semana, em uma cerimônia pública, pelo presidente da República. Ora, isso vai contra a legislação arduamente conquistada no ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente, que faz do Brasil um dos modelos de defesa dos jovens. Conforme essa legislação, eles só podem trabalhar como aprendizes aos 16 anos e, profissionalmente, depois dos 18. Lamentável.
Por fim, aquilo que era uma pergunta simples de um jornalista ao presidente se transformou em meme na rede nacional: “Por que Fabrício Queiroz depositou 89 mil reais na conta da primeira dama?”
*Benicio Viero Schmidt é professor aposentado de sociologia na UnB. Autor, entre outros livros, de O Estado e a política urbana no Brasil(LP&M).