Entre mão e bala

Barbara Hepworth (1903-1975), Pelagos, 1946, Olmo e cordas em carvalho, 430 x 460 x 385mm
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Por FERNANDO RIOS*

Um poema pacifista

1.

bala e mão
embalam e manejam
atraem e rejeitam
corpos
………………doentes…
ou sãos…
corpos todos portadores
de seres
para o bem ou para o mal
………………chamados humanos
bala e mão
trazem bons sabores
e péssimos horrores

 

2.

tirar bala e mão do dicionário
requer exímio aprendizado
entre as ciências principais
quem mais se apresenta…
é a política
sobretudo, de corpo a corpo
ela
………………afasta, arrasa
………………ou
………………atrai, aconchega
porque bala e mão
fora do dicionário
tanto multiplicam vítimas e mortos e feridos
quanto procriam aliados e amados e queridos

 

3.

que palavra
fere mais que bala
que palavra
adoça mais que bala
que palavra
agride mais que mão
que palavra
afaga mais que mão

 

4.

a bala que penetra
deixa um rastro oco, amargo
preenchido com sangue
do próprio corpo
ser humano em molho pardo

a mão que esbraveja
deixa um rastro de furacão
que faz cambalear o corpo
perdido em busca de um norte
ser humano em tempestade

 

5.

uma bala que escorre na garganta
deixa um caminho doce
que se preenche em memórias
feitas em mil infâncias alfenins

entranhas de ser humano em delícia

a mão que encontra um rosto
e desenha um gesto um toque uma ternura
faz seu próprio caminho sereno eterno
feito de preciosas pedras pétalas perfumes

estranho ser humano gentilmente gente

 

6.

as palavras estão prontas
ávidas aptas aladas
e se repartem
entre bala e mão
entre mão e bala

palavra bala palavra
bala palavra bala
mão palavra mão
palavra mão palavra

 

7.

dedos e gatilhos
se entendem e desentendem
na falta de palavras
e/ou talvez com elas

e que palavras aladas
tanto atingem faces
quanto acariciam rostos

como pontas de dedos adagas
como pontas de dedos plumas

 

8.

não basta decorar o dicionário

vale mais desenhar gestos amenos
e polvilhar hidromel na boca
e escorrer e aquecer momentos pelo corpo
e preparar um intenso abraço
e sentir o sabor do cálido cândido sôfrego beijo

e se embalar e se manejar
chagalmente klimtement
barcos corpos velas ventos árvores
asas sopros ondas voos
envoltos palavrosamente em dicionários
cuidadosamente em palavras ímãs
e então
conviver
calidamente
quentemente
intensamente

coloridos amantes
fraternos amigos
fogo água terra ar

humanas mentes
de chão e vento e mar

 

9.

e para construir
utopicamente
em qualquer horizonte
algum lugar qualquer
………………de seres
………………………………ditos humanos
………………………………………………………..dos bons e dos melhores
há que sempre resgatar
e desejar (e)ternamente
a mão que embala
a bala que saliva

*Fernando Rios é jornalista, poeta e artista plástico.

 

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