Por ANDREW KORYBKO*
Arrendar Zangezur aos EUA não é só sobre um corredor: é sobre trocar Moscou por Washington, transformar soldados russos em alvos e reescrever o futuro do Cáucaso — um jogo onde a Armênia pode pagar o preço mais alto
Em meados de julho, o embaixador dos EUA na Turquia, Tom Barrack, propôs que seu país arrendasse o Corredor de Zangezur por 100 anos como forma de romper o impasse entre a Armênia e o Azerbaijão sobre essa questão. A porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da Rússia, Maria Zakharova, reagiu negativamente à sugestão, acusando os EUA de tentarem assumir o controle do processo de paz e comprometer a estabilidade regional.
Seus comentários ocorreram após uma reportagem alegando que um memorando secreto já havia sido assinado para a criação da “Ponte Trump”.

O jornal espanhol Periodista digital afirmou que membros da diáspora armênia obtiveram este documento de seus contatos estatais, o que também implicará no envio de cerca de 1.000 PMCs americanos para proteger esta rota.[i]
A chefe da RT, Margarita Simonyan, etnicamente armênia e apaixonada pelos assuntos de sua terra natal ancestral, popularizou o relatório compartilhando-o no X. Ela também tem criticado duramente o primeiro-ministro armênio, Nikol Pashinyan, a quem ela acusou anteriormente de vender a Armênia para a Turquia.
Se aprovada, e o relatório permanece sem confirmação por enquanto, a “Ponte Trump” pode levar à expulsão da Rússia do Cáucaso do Sul.
A última cláusula do cessar-fogo de novembro de 2020, mediado por Moscou, entre a Armênia e o Azerbaijão prevê que os Guardas de Fronteira do FSB da Rússia protejam o que Baku passou a chamar de Corredor de Zangezur, na região de Syunik, no sul da Armênia. Substituí-los por PMCs americanas poderia preceder a expulsão das tropas russas da Armênia.
Nikol Pashinyan confirmou em meados de julho que a Armênia provavelmente deixará a OTSC em vez de descongelar sua filiação, que ele suspendeu unilateralmente. Isso poderia ser o pretexto para solicitar a retirada das tropas russas simultaneamente à recepção de tropas PMC americanas.
De sua perspectiva, o envio delas poderia funcionar como uma garantia informal de segurança em relação ao Azerbaijão e à Turquia, já que pensariam duas vezes antes de colocar cidadãos americanos em perigo, especialmente aqueles que guardam um projeto chamado “Ponte Trump”.
O que os EUA querem com isso, além de alguns lucros fáceis, é colocar em movimento a sequência de eventos necessária para a retirada das forças russas da Armênia, conforme explicado acima. Os EUA também podem monitorar o tráfego militar turco na rota para a Ásia Central, enquanto possivelmente alimentam o separatismo Azeri nas regiões vizinhas do norte do Irã, de maioria Azeri.
Outro benefício é que Donald Trump poderia apresentar esse acordo como tendo evitado a guerra e, assim, possivelmente aumentar as chances de receber o Prêmio Nobel da Paz.
A recente agitação política na Armênia, no início deste verão, foi motivada em parte por preocupações de que Nikol Pashinyan estivesse prestes a fechar um acordo para abrir o Corredor de Zangezur sem qualquer intervenção russa. Esse cenário, somado à possível retirada iminente da Armênia da OTSC, poderia deixar Syunik vulnerável a uma invasão azerbaijana (ou turca?).
Ele pode ter pensado que convidar as Forças Armadas Armênias (PMCs) americanas para substituir o FSB russo poderia apaziguar seu povo, mas eles ainda poderiam protestar se ele arrendasse terras armênias para os EUA.
Caso ele o faça e não seja deposto por uma revolução popular ou golpe militar patriótico, espera-se que a “Ponte Trump” resulte em um aumento da influência turca na Ásia Central, o que pode levar o Cazaquistão e o Quirguistão a desertarem da OTSC.
O meio mais fácil para esse fim geopolítico é a Armênia firmar um acordo de segurança econômica com os EUA que exclua o papel previsto da Rússia no monitoramento do tráfego militar turco para a Ásia Central. Está pouco claro como a Rússia poderia impedir isso.
*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]
Tradução: Artur Scavone.
Nota do tradutor
[i] PMCs: Empresas militares privadas ou empresas de prestação de serviços de segurança (em inglês, private military company, sigla PMC ou private military and security company, sigla PMSC) aquelas que oferecem aconselhamento ou serviços de natureza militar, sendo também classificadas ou definidos como mercenárias (“soldados de aluguel”). [Wikipedia]
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