Por Airton Paschoa*
Seis peças curtas
[porto seguro]
Faço saber, a quem intrigar possa, que é possível, sim, ser feliz sendo securitário. De manhã, estremunhando, a torrente ao telefone, cristalina, cascateante, espraia um bom-dia de inundar a terra. Como é que… Ora, o céu do cético ou cínico, sinistro, vazio de planos, desaba inteiro em face do firmamento de promessas, risonhos ambos, céu e securitário, plenos de apólice & apocalipse. Mas coberto! eis a revelação, apocalipse coberto — com um dilúvio de vantagens! Tem bom-dia mais cheio de bondades?
Picada
Absolutamente moderno, (qual rimbombava o moderno poeta, largando mão de letras e armas indo traficar na África) a gente contava morrer de tudo, qualquer coisa, assalto, avião, batida, bike, celular, drone, bomba, blitz, raio, bala na cabeça perdida que fosse. Ou, na pior das hipóteses, dignamente moderno, suicídio, infarto, AVC, ATV, overdose, overbode, overbody, esteroide, asteroide que seja, meu Deus! Mas pifar de peste, praga, epidemia, no terceiro milênio do Salvador! pifar de pandemia, e suplicando por vacina! é de derrubar o índice de gini mental de qualquer narcicristão. É o fim da picada! ou pior — o começo das picadas sem fim.
[my better]
Faço saber, a quantos invejar possa, que não canso nunca nunquinha never neverzinha de exaltar a América, botando-a (sem ex) no devido e devoto altar. Lá todo mundo faz seu melhor, óoex, people faz seu melhor, qualquer gai, qualquer americara de qualquer buraquaquara não hesita paçoca — vou fazer meu melhor! Aqui… ai de nós, ai de mim… (sem exclamação, sem interjeição, sem injeção… reticentindo) a gente faz o que pode.
Coroa de cristo
As questões espinhosas, comprimindo o cérebro a ponto de exumar das órbitas os globos oculares, à imagem e semelhança da coroa de cristo, não, não o arbusto ornamental que guarnece cercas vivas, e guarnecido é de hifens, o instrumento de persuasão ressuscitado há poucos lustros, as questões espinhosas, com perdão da solução de continuidade, vão espichando ao longo da estrada e do estrado, espichando — estrado, sim, natural, onde passo parte boa do tempo especulando, por exemplo, por que não lançaram mão do leito de Procusto… Custosa demais em sangue a versão short? e a versão longa-metragem? Hemorragia é sangue, quem duvida? entanto interno, sangue clandestino, sob o ritmo suave da manivela… Conheci que a atualizaram, a versão engrandecedora, com dois carros a puxar em oposição os membros inferiores e superiores, democraticamente nivelados então, mas, se nos é lícito palpitar em vetor conservador, o emprego de melhoramentos da vida moderna como que afeta a integridade do mito, o qual não se deve, sob pena de ferir o bom senso e bom gosto, espichar. Pra encurtar, não se resolvem, lasseiam, é o que assegura este couro velho, sim, senhor, isso lá lasseiam! O tempo tudo anistia.
Estatística
Somos capazes de tudo, quem não sabe? Da ternura extrema à extrema tortura, o bicho homem espicha a gosto. Na média é rúim que só. Isto, mirando caso a caso, isolado. Em redil, não sei se atinge melhor score a amostragem. O desvio-padrão humano sempre dá o ar da graça, do UFC ao PCC, passando por MPF, STJ, e sabe deus quantas tantas mais combinatórias letrais e letais.
Em função da invariância, assomam à demente as seguintes derivadas: escapar como à forma quadrática? à cadeia de Markov? à Abscissa à vista?
Portanto, das duas uma: ou se aniquila a média ponderada ou segue cega a curva fora do ponto.
Réptil
Ao Jappe
Sem querer engrossar a cauda da psicologia evolucionista, o fato é que diversas vezes deparei, repugnado, o cérebro de réptil que nos habita. Entre tantos, foi choque de chocalhar quando não pude esconder de mim mesmo, revoltado, que dificilmente poderia adotar. Como não ser nosso quem pegava no colo e jogava pra cima e trocava a fralda? Uma merda, bem sei, e bem mais nauseabunda do que simplesmente, qual acusam nossos pares comunistas, carregar a pecha de reaça, burguês, patrão, narciso ou coisa que não valha. É primitivo, primata, primórdio, sub-reptilício cio de cerca e berço.
*Airton Paschoa é escritor, autor, entre outros livros, de Ver Navios (e-galáxia, 2021, 2.ª edição, revista).