Fragmentos XXXVI

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Por AIRTON PASCHOA*

Quatro sonetos em prosa

1.

Poema sem pé nem cabeça…
escolho. Tal o que cabe
ao poeta sem eira nem ira,
que nele mergulha inteiro
de corpo, não por poética,
nem por desgosto da época,
senão por falta de escolha,
por Egoísmo, nome da escola,
ou por ignorância da Memória,
de Alquimia, de Náutica mesmo.
Não trará título o ignaro,
nota, escólio, glossário.
Citação, se houver alguma no espólio tímido,
de terceiros, em lugar incerto e não sabido.

2.

Os melhores poemas virão aos quarenta,
sabe o poeta jovem, com certeza infeliz.
Que fazer? hélas!  Agasalha os desenganos,
segredam-lhe em casa os botões, que deles
hão de rebentar, eternos quão tardios,
esses filhos da moça idade bastardos.
Viver para escrever! À tona! À vista!
Às Índias! O poeta descobre a América.
De pé! Que faltem vinte, doze, dez…
Não é a poiesis progressão aritmética,
com razão negativa, de cãs e cãibras?
Ah resolvesse com palavras o problema,
passaria a vida, palavra, a fazer poemas!

3.

Poema após poema o pânico
o assalta… Será o último?
Encara-o sério e lastima:
outro igual… Será o único?
Atravessa o vate atroz
dúvida. São João Batista,
perde a cabeça, à vista
do que vai avante, atrás.
Ora declama no deserto,
salve! fervorosa oração,
que o papelão amaldiçoa
de só enxergar de perto.
E lava as mãos pias, cínico,
após o verso… o versículo.

4.

Escrever não é ofício primitivo,
mau grado o carisma de motivos
óbvios: o transporte de bálsamo,
próprio dos hinos e dos salmos;
o altar frio e vazio, à altura
do peito em chama; a escritura
sagrada; pouco espanta ardendo
o cigarro, em lugar do incenso;
a aura do sacrifício complementa
o ar sofrido do velho paramento
de braços abertos e – ó cimo
do cinismo! a imolar do próximo
a paciência… salta! contados teus dias estão.
Pregar no deserto tem nada de santo, antão.

*Airton Paschoa é escritor. Autor, entre outros livros, de Peso de papel (e-galáxia). [https://amzn.to/3XVdHE9]


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