Guerra na Ucrânia: antessala de um mundo multipolar?

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Por DURVAL SIQUEIRA SOBRAL*

A guerra na Ucrânia é anti-imperialista e está atingindo de maneira dura a OTAN e os Estados Unidos

“Eu ouvia as declarações, do novo secretário-geral da OTAN, o ex-primeiro-ministro da Noruega. Quanto ódio em seu rosto! Que empenho incrível para promover uma guerra de extermínio contra a Federação Russa.” ( Fidel Castro em 2014).

“Putin está fazendo o que os Estados Unidos fariam se tropas e misseis russos fossem enviados a Cuba.” (Coronel Douglas McGregor, em entrevista à Fox News).

Estamos vivendo um momento de teste da correlação de forças consolidada na década de 1990. Com o fim da União Soviética, foi inaugurado um novo período de ofensiva neoliberal e de consolidação da hegemonia dos Estados Unidos. A OTAN – que nasceu sob a pretensão de defender seus signatários de uma possível agressão da URSS – se manteve altamente ativa. Esse tratado de defesa pode ser interpretado enquanto o “arco de alianças” internacional da política dos EUA.

A partir do fim da URSS a Alemanha, EUA, França e Inglaterra firmaram um compromisso de que não avançariam ao leste europeu[i]. Esse compromisso foi quebrado, tendo ocorrido diversas ondas de adesão ao tratado de defesa e interferências na região, destacando-se a guerra na Iugoslávia (1999) e mais recentemente a crise ucraniana (2014-2022).

É imprescindível perceber que a OTAN e os EUA atuaram em diversas outras invasões e interferências unilaterais, como na Síria, Afeganistão, Líbia e Iraque. Sob os mais diversos – e falsos – argumentos foi possível o bombardeio e ocupações militares no norte da África e no Oriente Médio.

O avanço e permanência da OTAN na Europa não foi recebido sem protestos. Países como a Servia[ii], Portugal[iii], Alemanha[iv], Islândia[v], Ucrânia[vi], Grécia[vii] e outros, por diversas vezes registraram manifestações contra aliança militar. É compreensível que, parte dos europeus entendam que as ações da OTAN são um risco de escalada bélica e de provocações irresponsáveis.

Neste sentido a ex-deputada socialista alemã, Diana Golze, protestou contra exercícios militares realizados em 2018, afirmando que “achamos que este não é um bom momento para o deslocamento de tropas para a fronteira entre a Polônia e a Rússia. Precisamos pensar em como sair dessa espiral de escalada violenta. É preciso haver um caminho diplomático, e não apenas chocalho de sabre”[viii].

 

Todas as guerras são iguais?

Enquanto os EUA propalavam que estavam em “guerra ao terror” e contra a posse Iraquiana de armas de destruição em massa e armas químicas, o tempo correu e o conjunto desses argumentos restaram-se sem base, demonstrando que os objetivos das operações eram, na verdade, outros. De início, uma observação pertinente é reconhecer que as guerras não são iguais. Os seus motivos fundantes, as suas justificativas, os seus reais interesses e os próprios métodos aplicados, diferenciam um embate militar de outro.

A título de exemplo, a doutrina da “Guerra Total” aplicada no Iraque, tinha como princípio o bombardeio indiscriminado de regiões civis com vistas a alcançar um profundo grau de estresse e desmoralização, tendo como objetivo inviabilizar as tentativas de resistência. Essa doutrina lembra muito a doutrina de “Bombardeios Estratégicos”[ix] aplicada largamente na Segunda Guerra Mundial, onde infraestruturas civis de abastecimento, serviços, transporte, água e energia eram varridas em conjunto com vilas e cidades.

Para termos um saldo das últimas ações da OTAN-EUA, vejamos a seguinte tabela:



Por outro lado, é inegável que a ação russa até o momento tem como princípio o direcionamento de suas ações[x]. Priorizando bombardeios a infraestruturas militares e táticas, o que tem surtido o efeito de uma taxa de letalidade muito mais branda do que as ações dos países que compõe a OTAN. Os motivos gerais dessa linha de ação são: (1) os efeitos colaterais de uma ação de bombardeio indiscriminado seriam terríveis para um país vizinho, aprofundando ressentimentos; (2) Para trazer a Ucrânia para um status neutro frente a OTAN e desmilitariza-la, não é necessário construir um cerco sangrento; (3) Quem mais quer que o sangue ucraniano seja derramado é os EUA e a OTAN, trabalham em diversas frentes, seja instigando uma guerra de guerrilhas, justificando sanções e a aumentando disseminação de informações Anti-Rússia.Fontes: Observatório Sírio dos Direitos Humanos (OSDH), Iraq Body Count, Wikileaks, Libya Body Count, Tribunal Penal Internacional. *Não existe diferenciação clara.

Mas, a observação mais relevante é: a guerra na Ucrânia é defensiva e legítima. Se nesse momento a Rússia não interviesse o que ocorreria era a continuação das violações aos acordos de Minsk (2014), com agressão da Ucrânia a região de Donbass, além do aumento do armamento ucraniano via EUA-OTAN. Por sua vez, o governo Zelensky persistiria elevando o grau de risco no leste europeu, podendo inclusive instalar sistemas de ataque direto a Rússia. Portanto, a Rússia está perfurando um cerco e redesenhando limites da ação do imperialismo.

Sim, está fazendo isso a força, quais outros meios lhe restaram? Chamar a paz abstratamente ou condenar a ação russa com base apenas nas questões do direito internacional e dos direitos humanos é abordar a questão de maneira precária e simples. Além do que, é uma abordagem muito conveniente a linha da OTAN. Aliás, onde estavam as condenações, sanções e coberturas midiáticas nos bombardeios ilegítimos que ocorreram esse ano na Somália, Iêmen e Síria?[xi] Onde estavam essas questões quando os EUA assassinaram o general Qasem Soleimani (2020) e lançaram 59 misseis Tomahawk (2018) contra o governo na Síria?

 

A OTAN e os EUA estão armando e organizando nazistas ucranianos?

Recentemente o senador democrata Bob Menendez apresentou uma proposta de auxílio financeiro de 500 milhões de dólares [xii] a Ucrânia, com vistas a ajudar o país a adquirir armas e equipamentos. Ao ser interpelado por jornalistas, sobre quais seriam os mecanismos de controle e monitoramento de equipamentos militares comprados por esse auxílio, o senador se demonstrou despreocupado. Por sua vez, a senadora Jeanne Shaheen, também do partido democrata, confirmou que “Não estão considerando nada disso agora”.

Ocorre que a ausência de monitoramento desse auxílio é uma política consciente e deliberada, para que essas armas cheguem as mãos de milicias nazistas ucranianas. Em destaque, a milicia nazista de maior relevância é o Batalhão Azov, que foi integrado a organização da defesa nacional ucraniana.

Um dos ex-líderes mais proeminentes do Batalhão Azov é Andriy Biletsky. Que foi deputado (2014-2019) pelo partido “Assembleia Social-Nacional”. O Seu partido prometeu proibir as relações inter-raciais e “preparar a Ucrânia para uma maior expansão e lutar pela libertação de toda a Raça Branca da dominação do capital especulativo internacionalista”[xiii].

A cooperação entre os EUA e nazistas ucranianos remonta a algumas décadas atrás. Os laços foram estreitados com a atuação do braço lobista da Organização dos Nacionalistas Ucranianos [OUN] nos EUA, em que seus dirigentes têm como herói o colaboracionista Stepan Bandera[xiv], ucraniano que auxiliou a ocupação nazista na Ucrânia em 1941.

Desde então os EUA têm estreitado relações com as mais diversas organizações nazistas da região. Como foi o caso do comparecimento do ex-senador John Maccain, em um comício do partido Svoboda. Assim como, a reunião da sub-secretaria de estado Victoria Nulland com os dirigentes do Svoboda. Portanto, nãos e trata de uma posição de “vista grossa” da parte dos Estados Unidos, mas uma postura de colaboração ativa, onde seus líderes conspiram e arquitetam ações.

Por fim, desde 2014, Ucrânia e EUA vem votando contra uma resolução na ONU que condena o Nazismo.[xv]

 

O governo Zelensky coopera ativamente com o nazismo ucraniano?

Importante relembrar que a Ucrânia teve um papel de destaque na colaboração com os nazistas alemães. A OUN existia desde 1920, e foi uma organização civil que apoiou a formação do 14ª Divisão Waffen SS[xvi], uma divisão paramilitar composta por ucranianos e comandada pelos alemães, que auxiliou na identificação, busca e assassinato de judeus, poloneses, ciganos, comunistas e outros. Atualmente a OUN possui laços com o partido Svoboda[xvii]. Imagens icônicas foram registradas, a exemplo do desfile de Stanyslaviv (1942), onde civis ucranianos recepcionaram militares e autoridades nazistas.

É possível afirmar que o governo Zelensky coopera ativamente com as organizações nazistas da região. Seja reconhecendo e glorificando colaboradores nazistas[xviii], integrando o batalhão Azov a defesa nacional[xix] ou premiando com medalhas dirigentes de organizações nazistas[xx]. Logo, o governo de Zelensky vem auxiliando a reabilitação do nazismo na Ucrânia.

Porém, esse elemento vem sendo pouco abordado e explorado, seja nas reflexões de parte da esquerda ou na cobertura da grande mídia. Evidentemente, se tal elemento fosse devidamente explorado no noticiário teríamos uma outra impressão geral do que é a “pobre Ucrânia”.

 

A correlação de forças internacional está sendo “testada”?

Destacam-se três elementos, que neste momento podem incidir de maneira muito relevante nesse conflito:

A questão militar: o “terreno militar” foi ativado, logo ele ganha relevância determinante. Quem será o vencedor? Como a Rússia pretende levar essa guerra? Os objetivos de quebrar a infraestrutura militar da Ucrânia e desnazificar a região podem ser alcançados em qual prazo? O ocidente conseguirá organizar uma reação dolorosa a Rússia? Resumindo, a Rússia conseguirá dobrar o governo fantoche da Ucrânia?

Os efeitos das sanções: boa parte das grandes economias ocidentais organizaram diversas rodadas de sanções econômicas a Rússia. O que se tem observado é que Rússia se preparou parcialmente para esse momento, transferindo parte dos seus fundos para “lugares” onde as sanções não podem incidir, dentre outras medidas preventivas. Todavia e no longo prazo? Quais os efeitos das sanções? Essas sanções podem abalar a ordem econômica mundial? Afetar o poder do dólar? São questões a serem observadas e monitoradas.

A guerra informacional: foi deflagrada uma ampla campanha de desinformação sobre a guerra, fakes news sofisticas e esdrúxulas estão sendo propagandeadas em um ritmo terrível. Dias depois são desmentidas, todavia os seus efeitos já se realizam. Esta guerra informacional tem como parâmetro colocar a Rússia como “o mal” ou “a vilã”, a exemplo do artigo ridículo do advogado Nelson Willians em que afirma que Putin é a fusão de todos os vilões da Marvel e DC comics, uma pobreza de narração terrível[xxi]. Os grandes efeitos colaterais tem sido: (a) A apreciação irracional, emotiva e desproporcional dos fatos; (b) A solidariedade seletiva, onde está claro que as vidas de ucranianos valem muito mais do que os líbios, palestinos, sírios, iraquianos, somalis, iemenitas, afegãs[xxii]; (c) A censura das mídias russas, como RT, Sputnik e outras.

Importante ressaltar que a guerra informacional visa incidir também sobre a esquerda brasileira, onde o PSTU e o MES (corrente interna do PSOL), assim como os mandatos de Fernanda Melchionna[xxiii] e Sâmia Bonfim[xxiv] já assumiram uma narração de fatos pró-OTAN, chegando ao cumulo de Luciana Genro deputada estadual do Rio Grande do Sul, propagandear notícias falsas em suas redes[xxv], o que não surpreende, tendo em vista que Luciana Genro[xxvi] declarou apoio ao golpe na Ucrânia em 2014.

 

Como os revolucionários devem se posicionar?

Trata-se de uma situação complexa, onde é fácil limitar-se em afirmações de princípios gerais no lugar da análise de uma situação concreta. Tradicionalmente as forças de esquerda e revolucionarias são partidárias da paz e da autodeterminação dos povos. Mas, os revolucionários também devem conhecer os interesses do imperialismo estadunidense. A paz e a luta contra a guerra não são princípios inflexíveis e imutáveis. Logo, a linha política e as palavras de ordem são preenchidas pela análise de uma situação, e não por princípios norteadores pré-estabelecidos. Os princípios e instrumentos de análise servem para apreciar a situação, ajudar a resolver o problema e indicar o caminho, eles ajudam a parir uma solução. Eles não produzem a solução unilateralmente.

Sobre apoiar ou não guerras, Lenin refletiu: “O marxismo deduz a aceitação da defesa da pátria nas guerras, por exemplo, na Grande Revolução Francesa, ou nas guerras de Garibaldi na Europa, e a renúncia à defesa do país na guerra imperialista de 1914-1916, a partir de uma análise das peculiaridades históricas concretas de cada guerra, e nunca de um certo “princípio geral” ou de qualquer ponto de um programa. Lenin em “A Revolução Socialista e o Direito das Nações à Autodeterminação”, 1916.

Quanto a questão da autodeterminação dos povos, Lenin também ressaltou que: “O reconhecimento pelo partido social-democrata do direito de todas as nacionalidades à autodeterminação não significa de forma alguma que os social-democratas renunciem a uma avaliação independente da conveniência da separação estatal de uma ou outra nação em cada caso concreto. Pelo contrário, a social-democracia deve fazer sua avaliação independente, levando em consideração as condições do desenvolvimento capitalista e a opressão dos proletários das diferentes nações pela burguesia unida de todas as nacionalidades, bem como as tarefas gerais da democracia, em primeiro lugar e sobretudo, os interesses da luta de classe proletária pelo socialismo”, Lenin, em “Teses Sobre o Problema Nacional”, 1913.

A conclusão que se chega é: as guerras podem sim desempenhar um papel progressista. O relevante historiador Edward Carr ressaltou que a posição de Karl Marx e Engels frente as guerras revolucionarias de 1815-1845 eram de avaliação positiva daqueles conflitos: “Os revolucionários franceses estabeleceram uma clara distinção entre guerras de libertação para libertar os povos do domínio de monarcas opressores e guerras de conquista para submeter os povos ao domínio monárquico; e eles aprovaram o primeiro com tanto entusiasmo quanto condenaram o último. Nenhuma objeção foi dirigida à guerra em si, ou mesmo à “agressão” no sentido popular de ser o primeiro a iniciar uma guerra. O teste era se a guerra estava sendo travada em nome de “povos” ou “nações” ou em nome dos autocratas”. Edward Carr, “A atitude marxista em relação à guerra” em História da Rússia Soviética, vol. 3.

Os revolucionários estão acostumados a reconhecer o caráter progressista do enfrentamento bélico quando estão diante de guerras de libertação nacional e guerras civis revolucionárias. Todavia, diante de uma nova realidade global, terão que se acostumar a analisar as guerras preventivas defensivas, que não são necessariamente conduzidas pelas forças revolucionárias. Se nós vivemos em uma conjuntura parida pela hegemonia dos EUA, por que não existiriam guerras defensivas? Se a hegemonia dos EUA está em crise por que não existiriam guerras preventivas defensivas que visam furar sua ofensiva restauradora[xxvii]?

 

Uma guerra inter-imperialista?

Nesse momento nos cabe entende qual o conflito dirige a situação internacional. Um conflito interimperialista? Um conflito antiimperialista?

Entendendo que a guerra na Ucrânia seja interimperialista deveriam, por lógica, as forças revolucionarias agitar que os trabalhadores boicotem o conflito e se socializem na fronte, além de denunciarem que a ação militar é uma ação opressiva e exploratória. Deveriam subsequentemente, agitar que a tomada de poder é necessária e está na ordem do dia.

No Brasil essa linha está materializada, grosso modo, principalmente nas palavras de ordem de “Nem Putin, Nem OTAN, pela revolução” e seus sinônimos… Como é confortável levantar essa linha de ação. O triste é perceber que o conforto dela se cruza também com a sua inaplicabilidade com a situação real. Os trabalhadores russos e ucranianos passaram por processos de amadurecimento de sua consciência de classe? Eles estão de alguma forma organizados pelas forças revolucionárias? Existe uma crise-revolucionária no interior do estado ucraniano e do estado russo? A resposta é não.

Essa linha de ação também tem mais um defeito (por assim dizer), ao colocar em pé de igualdade a reação russa com a provocação da OTAN. Nessa marcha qualquer reação as provocações imperialistas seriam ilegítimas e condenáveis logo de princípio. E se a Colômbia (que tem um governo fantoche) fosse invadida pelo Brasil ou pela Venezuela, com vistas a impedir um assédio ainda maior da OTAN em nossa região, seriamos nós imperialistas? Sub-imperialistas?

O saldo final dessa linha (além de não se desdobrar em ações concretas) é anti-popular. Pois, deslegitima a reação legitima, o que indiretamente ajuda os EUA e a OTAN. Linhas parecidas foram levantas quando correntes esquerdistas e trotskistas brasileiras propagandearam as palavras de ordem “Fora Assad, Fora Putin e EUA” na guerra da Síria (2011) e quando puxaram o famoso “Fora Todos” enquanto estava em curso um golpe de estado no Brasil (2016).

Poderiam argumentar que a burguesia russa tem interesse nessa guerra, nas riquezas da Ucrânia e na região de Donbass. É evidente que sim, ou achamos que a burguesia russa vai observar de braços cruzados os recursos naturais ucranianos?

Qualquer fenômeno político da luta de classes é uma expressão de uma síntese, em suas subcamadas cabem interesses/determinações secundárias e conflituosas. Agora, imaginemos um fenômeno político internacional, quantas variáveis e contradições lhe constituem?

A questão a aferir aqui é: foi essa “ambição” da burguesia russa determinante para deflagrar o conflito?

Não é o que parece. Até porque a burguesia russa está sendo duramente penalizada e isolada com a guerra.

A guerra da Ucrânia pode englobar uma sequência de interesses da burguesia russa e dos trabalhadores russos. Por quê? Porque até agora, a sua síntese é a da defesa da segurança e soberania da Rússia. Nestes termos, a unidade de suas classes sociais é possível, ainda que luta entre as classes (trabalhadores versus burguesia) sejam latentes e constantes. Para recuperar um exemplo, seria o da Frente Única Anti-Japonesa, em que o Partido Comunista Chinês selou uma aliança baseada na unidade-luta com o Kuomitang, para enfrentar o imperialismo Japonês.

Neste sentido, não é por acaso que o maior partido de oposição a Putin, o Partido Comunista da Federação Russa esteja apoiando a ação[xxviii][xxix]. Em sequência, é bastante claro que a unidade de classes antagônicas e de suas organizações não ocorre aleatoriamente, a defesa da integridade nacional russa está em claro risco, o que afeta a existência e reprodução de ambas as classes.

 

O que está de fato em jogo na Ucrânia nesse momento?

O que está em jogo é a viabilidade de um mundo multipolar e a limitação da ação do imperialismo. Estamos vendo o conflito mais relevante desde o fim da URSS. Encontramo-nos, diante de uma guerra antiimperialista e nesse caso, não sendo as forças revolucionarias dirigentes do conflito, nos cabe aplicar uma política de apoio crítico a ação russa.

No que consiste o apoio crítico? Consiste em reconhecer os motivos e a legitimidade da resposta russa, ao mesmo tempo que não devemos nos subordinar a visão do governo Putin da situação. Disputando a avaliação dos fatos e erguendo as bandeiras/palavras de ordem, que acumulem em favor da classe trabalhadora e desgastem o imperialismo. Nesse bojo, a base dessa linha deveria atender as seguintes afirmações: (i) A guerra é motivada pela ação imperialista dos EUA-OTAN; (ii) É preciso reconhecer que o governo Zelensky é um fantoche imperialista e colaborador do nazismo; (iii) É positivo o combate e enfraquecimento das organizações nazistas na Ucrânia.

Temos que apoiar criticamente a ação russa, agitando e defendendo a autonomia das repúblicas de Lugansk e Donetsky, rechaçando as sanções à Rússia e as repúblicas, denunciando a campanha de cerco da OTAN e a ascensão nazista. Teoricamente um cessar-fogo que levasse em conta as demandas acima seria positivo, mas na prática, devemos saber que ele é pouco provável de ser alcançado.

Um mundo mais contraditório, com mais variáveis, saturado de crises e com uma OTAN brecada nos interessa. Um mundo mais próximo disso é um mundo mais frutífero para a ação revolucionária. Um mundo nessas condições nos dará mais oportunidade de agir, também permitirá que países que se posicionam contrariamente aos interesses dos EUA tenham mais chances sobreviver.

Uma derrota da OTAN-EUA no leste europeu, abrirá mais as possibilidades de ação dos trabalhadores e das lutas de libertação nacional. Neste sentido, não há dúvida, que nos termos atuais, a guerra na Ucrânia é anti-imperialista e está atingindo de maneira dura a OTAN e os Estados Unidos.

*Durval Siqueira Sobral, advogado, é militante da Consulta Popular e do Levante Popular da Juventude.

 

Notas


[i] Recentemente um documento secreto foi trazido à tona, comprovando que de fato os EUA, França, Inglaterra e Alemanha se comprometeram quanto a não expansão ao leste europeu: https://actualidad.rt.com/actualidad/420506-documento-confirmar-otan-expandirse-este

[ii] https://www.islamtimes.org/en/news/785011/serbia-anti-nato-protest-held-on-20th-anniv-of-bombing

[iii] https://www.dreamstime.com/stock-image-anti-nato-protests-lisbon-image17109331

[iv] https://www.dw.com/en/germans-protest-us-military-movements-outside-berlin/a-43990723

[v] https://www.nato.int/cps/en/natohq/declassified_162083.htm

[vi] https://www.theguardian.com/world/2006/jun/12/ukraine.russia

[vii] https://www.euronews.com/2020/10/06/protesters-hold-anti-nato-rally-in-greece

[viii] https://sputniknews.com/20180531/germany-us-troops-eastern-europe-1064981609.html

[ix] https://stringfixer.com/pt/Strategic_bombing

[x] Recomendo fortemente a leitura dessa reportagem onde oficiais e informantes norte-americanos reconhecem o direcionamento das ações russas: https://www.newsweek.com/putins-bombers-could-devastate-ukraine-hes-holding-back-heres-why-1690494

[xi] https://www.brasildefato.com.br/2022/02/25/guerras-pelo-mundo-siria-somalia-e-iemen-tambem-sofreram-ataques-aereos-nos-ultimos-dias

[xii] https://theintercept.com/2022/02/18/ukraine-weapons-neo-nazis-bob-menendez/

[xiii]https://web.archive.org/web/20210622074335/https://www.bbc.com/russian/international/2014/07/140716_ukraine_swedish_sniper

[xiv] https://fpif.org/seven-decades-nazi-collaboration-americas-dirty-little-ukraine-secret/

[xv] https://www.un.org/press/en/2021/ga12396.doc.htm

[xvi] https://weaponsandwarfare.com/2016/03/17/the-galician-division/

[xvii] https://fpif.org/seven-decades-nazi-collaboration-americas-dirty-little-ukraine-secret/

[xviii] https://www.abrilabril.pt/internacional/ucrania-volta-assinalar-aniversario-do-nascimento-do-fascista-bandera

[xix] https://www.aljazeera.com/news/2022/3/1/who-are-the-azov-regiment

[xx] https://twitter.com/nomelouco37/status/1498741691637026825

[xxi] https://estudio.folha.uol.com.br/nelson-wilians/2022/02/putin-e-o-coringa-o-thanos-e-o-loki-do-ocidente.shtml

[xxii] https://theglobalherald.com/entertainment/ukraine-war-is-exposing-racial-disparities-in-refugee-treatment-the-daily-show/

[xxiii] https://twitter.com/fernandapsol/status/1498710485176397826?s=20&t=GRlruARPPSkl6lJuNCXhOA

[xxiv] https://twitter.com/samiabomfim/status/1496828197513617409

[xxv] https://twitter.com/lucianagenro/status/1499087720483799050?s=20&t=vJ2ATkNEkAfHXXxZBRof5g

[xxvi] https://lucianagenro.com.br/2014/03/sobre-o-levante-revolucionario-e-os-perigos-que-assombram-a-ucrania/

[xxvii] Restauradora no sentido de restaurar a hegemonia estadunidense no mundo. Exemplo: A ofensiva restauradora que ocorreu contra os governos populares da América Latina, atingindo Brasil (2016), Bolívia (2019), Honduras (2009), Paraguai (2012)

[xxviii] https://www.peoplesworld.org/article/russian-communist-leader-the-west-is-backing-fascists-and-using-ukraine/

[xxix] https://operamundi.uol.com.br/permalink/73442

 

 

 

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