Uma teoria crítica da compulsão econômica

Josef Albers, Diptic, 1934
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Por WERNER BONEFELD*

Introdução do autor ao livro recém-publicado

As preocupações deste livro podem ser mais bem resumidas pela seguinte citação das Palestras sobre história e liberdade, que Theodor Adorno proferiu na Universidade de Frankfurt, em 1964-65: “Dado o estado atual do desenvolvimento técnico, o fato de que ainda haja incontáveis milhões que sofrem fome e carência deve ser atribuído às formas de produção social, às relações de produção, e não à dificuldade intrínseca de atender às necessidades materiais das pessoas”.

A concepção de Immanuel Kant do Iluminismo como meio de fuga da humanidade de sua imaturidade autoimposta ainda possui astúcia subversiva. Esse filósofo não fala apenas da imaturidade autoimposta tal como está posta pelo homem. Ele também vê a humanidade como um sujeito que pode se libertar da imaturidade implicada em suas condições sociais.

A noção de homem que emerge da imaturidade autoimposta pressupõe uma oposição às relações sociais existentes. A concepção de Kant sobre o papel do estudioso consiste já no reconhecimento desta tese. Argumentava que só é verdadeira a ciência que ajuda o homem comum a obter dignidade. Kant exigia, portanto, do trabalho acadêmico que ele revelasse o verdadeiro caráter da constituição política e que o fracasso em o fazer equivalia a uma publicidade enganosa.

Marx ecoou a ideia iluminista de Kant quando argumentou que a história humana começaria apenas quando existissem relações sociais nas quais a humanidade não seria mais mantida no cativeiro do assalariamento. Eis que, nessa condição, o homem é apenas um meio vivo para a acumulação da riqueza capitalista. Na história, a humanidade se tornaria um propósito, um fim em si mesma.

Pôs-se, por isso, contra o ideal burguês de igualdade abstrata, que reconhece os ricos e os pobres como parceiros iguais na obtenção de riqueza, independentemente de sua desigualdade de propriedade. Contra isso, Marx defendeu a igualdade das necessidades humanas. Ao contrário de Kant, Marx não concebeu as relações sociais existentes como “imaturas” em relação à promessa de seu desenvolvimento posterior.

Essa ideia de promessa de humanidade é fundamental na formação das noções socialistas contemporâneas de, por exemplo, Nancy Fraser, David Harvey e o falecido Leo Panitch. Eles defendem a transformação das relações sociais capitalistas para alcançar a justiça social e a igualdade através do estabelecimento de um modo aperfeiçoado de economia baseada no trabalho.

Para Marx, em contraste, as normas vigentes de liberdade, justiça e igualdade expressam os valores das relações sociais existentes às quais estão conceitualmente vinculadas. Além disso, ele rejeitou a ideia do socialismo como um sistema aperfeiçoado de economia baseada no trabalho. Fê-lo com mais veemência na sua Crítica ao programa de Gotha, que havia sido criado pela social-democracia alemã.

Para sua consternação, esse Programa declarava a economia baseada no trabalho como a fonte de toda a riqueza em todas as sociedades. Em vez de uma liberdade além do trabalho, um mero “tempo para o gozo”, ele exigia a liberdade do trabalho em relação ao capital, pois isso era necessário para alcançar todo o seu potencial no socialismo.

Nessa conceituação, as relações sociais ainda existentes não contêm perspectiva de emancipação humana. Pelo contrário, contemplam apenas as suas próprias necessidades sociais. Como argumentam Max Horkheimer e Walter Benjamin, ao fazer do trabalho a categoria central de seu programa anticapitalista, a social-democracia acomoda-se àquelas mesmas condições sociais que denuncia como “exploradoras”, “discriminatórias”, “violentas” e “injustas”.

A teoria crítica de Marx se propõe a mostrar que a sociedade capitalista compreende formas definidas de prática social humana e que, portanto, são essas mesmas relações sociais – e não apenas a economia baseada em trabalho –, que requerem uma revolução. Esta vem em prol de uma sociedade que chama de comunismo, em que a humanidade se torna um propósito, e não apenas um meio. Segundo Marx, as relações de liberdade a serem postas equivalem a uma liberdade da compulsão econômica.

Reformula, assim, o imperativo categórico de Kant, segundo o qual a humanidade, sujeito das necessidades em suas relações sociais historicamente específicas, não deve ser tratada como um meio, mero material humano explorável, mas como um fim, pois defende a abolição das relações sociais capitalistas. Essa abolição é a premissa para o surgimento de uma sociedade fundada na satisfação das necessidades humanas individuais e, com isso, uma sociedade que não é mais governada por abstrações (econômicas), mas pelos próprios indivíduos comunistas livremente associados.

Que liberdade humana seria viver a vida sem ansiedade e sem preocupação com a satisfação das necessidades, dispondo de tempo de sobra para o prazer. Enquanto isso, apesar de uma imensa acumulação de riqueza material, os pobres e os miseráveis continuam a “mastigar palavras para encher a barriga”.

Rumo a uma teoria crítica da compulsão econômica:  riqueza, sofrimento, negação

A teoria crítica pensa contra o fluxo do mundo, pelo menos esse é o seu propósito. O termo oposto a uma teoria crítica da sociedade não seria uma teoria acrítica. Vem a ser a teoria tradicional, pelo menos segundo Max Horkheimer, que invocou a noção de uma teoria crítica da sociedade em seu ensaio seminal Teoria tradicional e teoria Crítica, de 1937.

Para entender a diferença entre elas temos de ver, primeiro, que a melhor teoria tradicional analisa o mundo das abstrações reais (econômicas) para compreender a sua verdade política, econômica, cultural, psicológica, social e histórica a partir de vários pontos, incluindo o ponto de vista do trabalho. Ao argumentar do ponto de vista do trabalho no registro do existente, a teoria tradicional estabelece o que falta à sociedade em termos de justiça e racionalidade em sua organização do trabalho e, portanto, o que precisa ser feito para superar o que considera deplorável na economia do trabalho capitalista.

Em contraste, a teoria crítica examina a inverdade das abstrações econômicas. Questiona a constituição social das relações de compulsão econômica. Em vez de “afirmar o que falta à sociedade” no que diz respeito à organização racional de sua economia, pergunta “o que a práxis deve realizar” para alcançar uma “versão mais perfeita da sociedade industrial”. A teoria crítica de Marx e Adorno destaca “o que é deplorável na sociedade atual e que tem, por isso, de ser abolido”.

Em sua opinião, a sociedade capitalista não promete libertação da carência. Em vez disso, promete àqueles sem propriedade, livre vendedores de sua força de trabalho, que terão que trabalhar para o lucro do comprador dessa sua capacidade, como forma de ganhar a vida. Com efeito, entendem que tanto o capitalista quanto o trabalhador estão sujeitos às relações de compulsão econômica. Os empregadores da força de trabalho estão sob a ameaça de falência e, por isso, estão obrigados a procurar lucrar com o trabalho vivo do vendedor de força de trabalho. O que prevalece na sociedade capitalista é a lei do valor, que é a lei da valorização com base na apropriação de trabalho vivo.

A lei do valor postula a necessidade do dinheiro para gerar mais dinheiro, sob pena de ruína. Marx concebeu, assim, o caráter social da sociedade capitalista como uma “abstração em ação”. Como disse Slavo Žižek no contexto das lutas contra a austeridade na Grécia, durante a crise da zona euro, trata-se do “real do capital”, aquilo que transforma as lutas contra a hegemonia por fins progressistas em estratégias alternativas de desenvolvimento capitalista.

Herbert Marcuse expressou bem o significado crítico da sociedade como uma “abstração em ação” ao argumentar que na sociedade capitalista o mundo se manifesta “pelas costas dos indivíduos; ainda que seja obra deles”. Por um lado, os indivíduos devem sua vida ao que a sociedade, como processo de compulsão econômica, lhes fornece.

Por outro, seu esforço para ganhar a vida fornece à sociedade uma abstração convincente, assim como uma consciência independente e uma vontade. As quantidades econômicas se movem como que por vontade própria, para além do controle humano. No entanto, esse movimento manifesta as práticas dos indivíduos sociais na forma da coisa econômica.

No que se refere às classes sociais, a sociedade como abstração em movimento implica, grosseiramente, que os trabalhadores livres dependem, para a sua reprodução social, da eficácia com que seu trabalho vivo. Este, contudo, é explorado para o lucro pelos compradores de sua força de trabalho. Os empregadores que buscam lucros contratam trabalhadores, aqueles que falham somem dos mercados. Para os trabalhadores livres, o acesso aos meios de subsistência depende da obtenção sustentada de uma renda salarial, cuja premissa é a exploração de sua força de trabalho para a obtenção de lucro.

O livro argumenta que o dinheiro que rende mais dinheiro é o poder real da sociedade como um processo de compulsão econômica. Seguindo Simon Clarke, “o impulso para forçar a redução dos salários, intensificar o trabalho (…) não advém apenas da motivação subjetiva do capitalista, mas obriga o capitalista por meio da força objetiva da competição… A concorrência obriga todo capitalista a buscar meios de reduzir custos ou acelerar o giro do capital; ele precisa suportar de modo melhor a pressão competitiva imediata ou antecipada. Assim, o capitalista individual não está menos sujeito ao poder do dinheiro do que o trabalhador”.

Ou seja, explorar o trabalho para obter lucro é o meio de evitar a erosão competitiva, a liquidação e a falência. O capitalista é “apenas uma engrenagem” da sociedade já que esta é um processo constituído por uma verdadeira abstração econômica. Ela “o obriga a continuar ampliando seu capital, de modo a preservá-lo, e ele só pode estendê-lo por meio da acumulação progressiva”, isto é, convertendo a mais-valor acumulado como capital para produzir mais, sempre mais, mais-valor. O risco de não explorar eficazmente o trabalho é a falência. E isso é particularmente doloroso para os trabalhadores que, sem emprego, se veem privados dos meios de subsistência. O lucro tem primazia no capitalismo.

A satisfação das necessidades é apenas um colateral. A valorização do capital é primordial e é ela que mantém o acesso dos assalariados aos meios de vida. Trata-se de um processo de extração de mais-valor do trabalho vivo de uma classe que ganha a vida como vendedores livres de força de trabalho. O trabalhador é “livre no duplo sentido”. Ele “está livre de todos os meios necessários” para ganhar a vida e é livre para trocar sua força de trabalho para se reproduzir como uma “pessoa carente” que “produz riqueza para outras pessoas”.

Como argumenta Amy De’Ath, a compreensão da sociedade como um processo de compulsão econômica, depende da relação da abstração de valor, dinheiro como mais dinheiro, com violentos processos históricos de espoliação que criaram o trabalhador livre como material humano explorável. O divórcio do trabalhador de seus meios é o fundamento histórico da relação entre capital e trabalho. É a premissa social da forma capitalista de riqueza como abstração em ação.

A crítica de Marx à economia política é, ao mesmo tempo, uma crítica às relações sociais capitalistas e uma argumentação em favor da sociedade sem classes. Sua crítica à economia política não é, portanto, uma crítica à classe capitalista que vive da exploração. Não põe um argumento a favor da classe trabalhadora como aquela que merece um melhor acordo por meio de restrições legais à exploração, garantias de emprego, níveis mais altos de renda salarial.

Também não é um argumento para a racionalização da economia do trabalho capitalista em uma economia política socialista. Como “lobisomem” explorador do trabalho vivo, o capitalista personifica uma lógica social que domina as relações de compulsão econômica. Tanto o trabalhador quanto o capitalista não podem se ausentarem da sociedade que os obriga a personificar as categorias econômicas – um comprando força de trabalho para evitar a falência, lucrando por meio do emprego de outros, enriquecendo-se; já o outro vendendo força de trabalho para ganhar a vida como produtora de mais-valia da sociedade.

Todos vivem do processo de valorização, seja como donos do dinheiro ou como produtores de mais-valor, seja também como servidores públicos cuja renda depende de tributação. Na verdade, a riqueza capitalista aparece na forma de um movimento de quantidades econômicas fantasmagóricas que se manifestam pelas costas dos indivíduos sociais, obrigando-os a agir – para sustentar sua relação com o mundo da riqueza. Essa relação não é estável nem previsível. Ela prospera por meio de crises.

Ou seja, “o trabalho dos particulares só se manifesta como elemento do trabalho total da sociedade por meio das relações que o ato de troca estabelece entre os produtos e, por meio de sua mediação, entre os produtores”. Produtos que não podem ser trocados por dinheiro não valem nada. São mercadorias falidas.

O que permanece intocado pelo dinheiro é queimado, independentemente das necessidades humanas. O que conta é o dinheiro que produz mais dinheiro. Portanto, o que conta é o gasto socialmente necessário do trabalho vivo. Não se ganha dinheiro com o dispêndio socialmente desnecessário do trabalho. Esse dispêndio de mão de obra é uma perda de tempo e de esforço. Desvaloriza o capital avançado e ameaça o trabalhador com desemprego.

O capitalista se parece com um “vampiro que só vive sugando o trabalho vivo… e que vive quanto mais, mais-trabalho ele suga”. Ele opera em concorrência com todos os outros vampiros como empregadores de trabalho vivo em escala de mercado mundial. Ademais, o trabalhador vive produzindo mais-valor para o comprador de sua força de trabalho; assim, ele sobrevive enquanto produtor de mais-valor para a sociedade; assim, enriquece o dono do dinheiro por meio do gasto oportuno de seu trabalho vivo.

A sociedade fantasmagórica baseada no valor econômico caracteriza-se pela frieza das interações sociais. As relações aparentes se dão estritamente para que os negócios aconteçam. O que move tudo é a competitividade para alcançar recompensas lucrativas sobre o capital avançado. Não há lucro em coisas que não podem ser trocadas por dinheiro. Essas coisas não têm valor. O trabalho vivo despendido sobre eles se afigura como socialmente supérfluo. “A linguagem dos proletários é ditada pela fome”.

Do ponto de vista normativo da razão na sociedade do trabalho, ou seja, na economia política socialista, reconhece que é “uma desgraça” ser um trabalhador livre. Por conseguinte, proclama uma versão mais perfeita e equitativa da economia que organiza o trabalho. O livro que aqui se apresenta argumenta que as críticas normativas ao capitalismo, incluindo os argumentos a favor de uma economia do trabalho socialista, expressam o que Walter Benjamin chamou de “pesadelo da consciência histórica”.

Essa razão identifica situações verdadeiramente deploráveis e defende os interesses dos produtores de mais-valia carentes, com intenção redentora certamente. No entanto, os trabalhadores continuam impedidos de “fugir” do sistema. Eis que a sua liberdade continua mantida porque são mantidos como vendedores de força de trabalho.

Segundo Herbert Marcuse, os homens estão presos na sociedade capitalista por meio do “chicote da fome”. O sistema os obriga a “vender seus serviços” em benefício de outra classe de homens. A sua escravidão não depende de situações sociais desfavoráveis, que a economia política socialista contemporânea analisa como financeirização neoliberal. O sistema estabelecido de geração de dinheiro não é uma circunstância desfavorável que possa ser superada por uma mudança de governo. Pelo contrário, é inerente ao sistema da relação de capital. Na verdade, a economia capitalista é e tem de ser uma economia monetária.

Contudo, o que é “não pode ser verdade”. É verdade que, para se reproduzir, o trabalhador “precisa produzir mais-valor. O trabalhador produtivo é somente aquele que produz mais-valor para o capitalista, ou seja, contribui para a autovalorização do capital”. Há, portanto, uma desgraça muito pior do que ser um trabalhador produtivo, que é o infortúnio de ser um trabalhador supérfluo que, privado da renda salarial, depende da caridade dos outros para sua subsistência.

A luta de classes não diz respeito às ideias abstratas que se apresentam como “socialismo”. É luta pelo acesso a “coisas brutas e materiais”. A luta de classes também não é um evento adverso que ocorre na sociedade capitalista. Pelo contrário, pertence ao seu conceito. É a história secreta das relações sociais capitalistas que assume a forma de um movimento de quantidades econômicas abstratas que obriga toda uma classe de trabalhadores livres a produzir mais-valia, que é a pré-condição social para evitar a miséria.

Se por socialismo se entende a luta para humanizar o tratamento que a sociedade dá aos seus trabalhadores; julga-se que ele possa ter sucesso. O seu tratamento humano é preferível ao tratamento frio dos que os tomam como exploráveis. No entanto, o esforço de humanização tem como pressuposto as condições desumanas. Os capítulos da Parte II deste livro argumentam que uma política contra-hegemônica de transformação capitalista acaba endossando o sistema de exploração aparentemente rejeitado. O livro não argumenta contra uma política de “humanismo prático”, que é o fundamento ético do programa da economia política socialista. Pelo contrário, visa compreender o seu conceito.

Formas de crítica: forças de produção e crítica social

As muitas variantes na tradição marxista giram em torno de duas leituras contrastantes da crítica da economia política como uma crítica do capitalismo do ponto de vista do trabalho ou, alternativamente, como uma crítica da economia do trabalho capitalista. De acordo com o primeiro, o capitalismo equivale a um modo historicamente específico de economia do trabalho. Essa leitura apreende o modo socialista de economia do trabalho apenas como uma alternativa progressista ao capitalismo.

A sua concepção de socialismo é programática na medida em que proclama um sistema aperfeiçoado de organização do trabalho por meio do planejamento central. Segundo essa concepção, a crítica da economia política não se desenvolve sob o ponto de vista do trabalho. Pelo contrário, trata-se de uma crítica negativa à economia do trabalho capitalista. Essa crítica mais radical carece de recursos programáticos. Em vez disso, sustenta que o conteúdo conceitual do comunismo, a “sociedade dos seres humanos livres e iguais”, pode emergir da negação das relações capitalistas.

De acordo com o ponto de vista da crítica trabalhista do capitalismo, a economia do trabalho soe ser um princípio ontológico. Rejeita o capitalismo como um sistema de exploração do trabalho propenso a crises para ganho privado e exige a emancipação do trabalho da dominação capitalista no socialismo. O seu argumento a favor do socialismo é fundado em uma teoria dos modos de produção como formas organizacionais historicamente específicas da economia do trabalho.

De acordo com esse ponto de vista, uma vez que “em qualquer forma de sociedade os seres humanos gastam produtivamente seus poderes corpóreos”, a crítica à economia do trabalho capitalista tem que diferenciar entre a “materialidade genérica” da vida humana como pressuposto transistórico dos modos de produção e a “forma histórica de riqueza” capitalista específica.

O foco analítico dessa crítica ao capitalismo recai sobre “a unidade contraditória entre a materialidade da vida humana e suas formas sociais historicamente determinadas”. Ou seja, vê como historicamente ativa a relação entre as forças de produção concebidas transitoriamente e as relações sociais de produção historicamente específicas, como dinâmica decisiva para a compreensão do capitalismo como modo de produção em “‘transição para o comunismo'”.

Em suma, o argumento de uma economia de trabalho socialista reconhece o modo de produção capitalista como um modo de economia de trabalho historicamente determinado. Por meio do desenvolvimento das forças econômicas, esse modo faz a história. Ele expande as forças de produção, que entram em conflito com as relações capitalistas. Estas, então, se tornam muito estreitas para abrigar essas forças, o que cria, assim, as condições objetivas para a transição para o socialismo. Como crítica da economia política capitalista, o argumento sobre uma materialidade transistórica da economia do trabalho é tão pobre quanto a concepção das forças produtivas como sujeito histórico.

A concepção da economia do trabalho como a “essência transistórica da vida social” que será aperfeiçoada no socialismo no interesse dos trabalhadores por meio da aplicação da razão socialista estatal é ilusória em sua compreensão da economia política capitalista. Emerge de fato, realmente, como uma distopia. Substitui a aparência de liberdade em formas de coerção social mediadas pelo mercado pela liberdade do socialismo de Estado como uma forma não mediada de coerção. Segundo Adorno, a crítica da economia política do ponto de vista do trabalho perverte a intensão crítica do materialismo histórico de Marx. Ela faz uma ontologia da economia capitalista do trabalho e naturaliza as categorias econômicas capitalistas.

A circunstância de que o homem precisa comer e, portanto, tem que trocar com a natureza não explica o capitalismo nem o capitalismo deriva disso. O homem não come em abstrato. Nem o homem luta pela vida em abstrato. A luta pela vida, invocada por Marx (e Engels) como uma história da luta de classes, se dá em formas definidas de sociedade. Em vez, então, de transpor “cada luta dada para a expressão ‘luta pela vida'”, a teoria crítica de Marx requer análises da “luta pela vida tal como ela se manifesta historicamente em várias formas específicas de sociedade”.

O materialismo histórico criticamente concebido consiste em uma crítica à sociedade capitalista entendida, dogmaticamente, como uma forma historicamente determinada de leis econômicas naturais de desenvolvimento. O que aparece na aparência da sociedade como uma relação entre coisas econômicas não tem uma natureza econômica abstrata, tal como é concebida. Ao contrário, o que aparece na sociedade capitalista como natureza econômica é o homem em suas relações sociais historicamente específicas. As leis econômicas capitalistas forçam os indivíduos sociais à ação como se elas fossem uma pessoa à parte. Contudo, a natureza dessas leis é apenas social.

O que os obriga os indivíduos à ação é o próprio mundo social. Nas palavras de Marx, “é, na realidade, muito mais fácil descobrir pela análise o núcleo terreno das criações nebulosas da religião do que fazer o contrário, isto é, desenvolver a partir das relações reais e dadas da vida as formas em que estas se tornaram apoteóticas”. Este último método, continua, “é o único materialista e, portanto, o único científico”. Para ele, o primeiro método pertence ao “materialismo abstrato das ciências naturais, que exclui o processo histórico”.

Há apenas uma realidade, que é a realidade das formas de vida historicamente definidas. O ponto de Marx sobre as relações reais da vida é fundamental para a análise da forma social. Questiona a constituição social das categorias econômicas e expõe sua “natureza” como coisa social. Para a análise da forma social, portanto, as forças de produção e as categorias normativas do humanismo socialista, de Althusser a Fraser, são as forças e normas das relações sociais reais.

Nas palavras de Moishe Postone, “a crítica de Marx transforma as categorias de economia política de categorias transistóricas da constituição da riqueza em categorias críticas da especificidade das formas de riqueza e das relações sociais no capitalismo”. A análise de formas é uma crítica às categorias econômicas como formas apoteóticas de relações sociais definidas. Concebe o materialismo histórico como crítica à sociedade capitalista, incluindo os seus valores normativos e as formas de pensamento.

A abordagem da forma social para a crítica da economia política emergiu da nova esquerda emergente em 1968. Contém três abordagens metodológicas sobrepostas. São elas: a crítica imanente, a dialética sistemática e a crítica ad hominem das categorias econômicas. Consiste na decifração das abstrações econômicas como formas apoteóticas de relações sociais definidas.

A crítica imanente julga a realidade pelo padrão de suas próprias pretensões. Por exemplo, julga a realidade da igualdade social pelo padrão de sua pretensão normativa de igualdade. Ao julgar a realidade por seus próprios critérios, procura fazer com que as “relações petrificadas (…) passem a dançar cantando sua própria melodia para eles”. Em vez de criticar a realidade por não estar à altura de seus padrões normativos, ela tanto desmistifica as ideias normativas de, digamos, liberdade e igualdade como normas agradáveis de um conteúdo social terrível, quanto retém um vislumbre do que poderia ser.

Matthias Benzer mostra bem esse ponto sobre o duplo sentido da crítica imanente quando diz que, em relação à teoria crítica de Theodor Adorno, a “categoria liberal da liberdade pretende produzir a imagem utópica de um indivíduo genuinamente livre”.

Contudo, “por meio de uma inspeção mais detalhada, vê-se que retrata simultaneamente um indivíduo liberto das estruturas sociais feudais, um indivíduo ao qual foi concedida a autonomia que a economia capitalista exige dele. Trata-se, pois, de um “escárnio da verdadeira liberdade (…) pois obriga o indivíduo se tornar mais robusto”.

Ao mesmo tempo, ela critica “a sociedade por não cumprir padrões conceituais” que ela “não pode deixar de defender” e que, portanto, levam a demandas por “sua realização social”. A crítica imanente interroga a frieza social desse padrão normativo. Há rachaduras em tudo e é por meio delas que a luz pode entrar.

A dialética sistemática está associada à obra de Chris Arthur no Reino Unido e à chamada Nova Leitura de Marx de Backhaus e Reichelt na Alemanha (anteriormente chamada de ocidental). A dialética sistemática foca as categorias da economia política capitalista para compreender a lógica nela imperante. Reconhece as formas sociais como abstrações reais (econômicas) e argumenta que elas estabelecem um quadro ilusório.

Como disse Reichelt, dentro desse quadro, os indivíduos se encontram para “fazer contratos na esfera da circulação, onde lidam com misteriosas formas econômicas, ou seja, com os chamados ‘bens’. Assim, se percebem sempre como sujeitos livres com iguais direitos legais. Sob essa percepção veladora de si mesmos, julgam-se sujeitos independentes. Experimentaram, assim, a sociedade de classes como uma sociedade de desigualdade, exploração e domínio por meio de um sistema autonomizado”.

A dialética sistemática pensa a sistematicidade da sociedade como um processo de abstração real e expõe o caráter categorial das relações de compulsão econômica para além das ilusões objetivas do pensamento de ordem normativa e do materialismo dogmático de uma esquerda política que se julga capaz de transformar a economia do trabalho capitalista em benefício dos produtores de mais-valor.

Charlotte Baumann caracterizou de modo pertinente a dialética sistemática e, em particular, a Nova Leitura de Marx, como um relato lógico das relações sociais capitalistas. Embora a dialética sistemática mostre a lógica da natureza social capitalista, o seu conceito de social é ainda tênue. Pois, tende a tomar como objetivo analítico a identificação da lógica da abstração real, o que acarreta o risco de recair na diferenciação (tradicional) da sociedade em sistema e mundo da vida.

Em vez de conceituar as relações de capital com referência aos elementos históricos nelas implícitos, a dialética sistemática postula o capital como uma totalidade conceitual semelhante à ideia hegeliana imposta à realidade. Para a dialética sistemática, a categoria do trabalhador livre é inquietante. Para Arthur, “a força de trabalho não é produzida pelo capital; é uma condição externa da produção capitalista”. Em contraste, Elena Louisa Lange argumenta que “a força de trabalho é (…) uma mercadoria produzida capitalistamente”.

Ela argumenta que o capital produz a mercadoria “força de trabalho” como “fonte direta” de sua “razão de ser: o lucro”. A identificação da relação capital como um sistema que produz sua própria premissa social concebe as relações sociais em termos de sua funcionalidade incorporada. O relato de Moishe Postone expressa a concepção dualista da sociedade como sistema e como mundo da vida. Ele argumenta que o capital “submete as pessoas a imperativos e constrangimentos estruturais impessoais e cada vez mais racionalizados”, que “não podem ser apreendidos adequadamente em termos de dominação de classe”.

Conforme o relato de Postone, o “capital” como sistema estabelece o quadro objetivo dentro do qual os conflitos sociais se desenrolam. O seu livro questiona a identificação do capital como um sujeito social extra. Por um lado, segundo Adorno, “a realidade em que os homens vivem não é invariável e independente deles”. Por outro, seguindo Clarke, as relações capitalistas de produção pressupõem a emergência histórica de uma classe de trabalhadores livres.

 Nesse caso, uma lógica prevalece na economia política capitalista. Incorpora os indivíduos como personificações. No entanto, sua forma permanece humana. Ou seja, os indivíduos “vivem no ser social, não na natureza [econômica]”, e seu ser social não lhes foi dado pela natureza da economia capitalista. É, antes, o resultado histórico de suas próprias práticas sociais – objetivamente compelidas.

Decifrar as relações capitalistas não requer apenas a descoberta da lógica que domina a sociedade reificada. Implica também na descoberta do simples fato de que a “ordem social capitalista não pode existir sem distorcer os homens”. Os indivíduos sociais não são apenas engrenagens de um sistema de compulsão econômica. Como engrenagens, meros “instrumentos de produção” humanos, eles estão “possuídos de consciência”.

Como diz Baumann, eles sofrem “as pressões” de sua própria existência reificada como personificações das categorias econômicas. A sociedade como processo de abstração real não sofre da natureza econômica capitalista. Não faz greve e não luta para sobreviver. Os indivíduos sociais lutam para sobreviver, e o fazem como personificações de sua própria realidade social, das categorias econômicas que os obrigam.

O livro sustenta que, por um lado, a compreensão do caráter misterioso das coisas econômicas, que “abundam de sutilezas metafísicas e sutilezas teológicas”, repousa na compreensão da prática social humana que lhes fornece uma vontade e uma dinâmica. Os indivíduos sociais “fazem isso sem se dar conta disso” na busca de sua autopreservação.

Por outro lado, embora as leis de movimento da sociedade façam abstração “de seus sujeitos individuais, degradando-os a meros executores, meros parceiros da riqueza social e da luta social, não haveria nada sem os indivíduos e suas espontaneidades”. A reificação, a sociedade como sistema, “encontra sua limitação no homem reificado”. Ou seja, a crítica à reificação equivale a uma práxis conceituada das relações sociais capitalistas.

A preponderância da sociedade como objeto reificado implica a pura inquietação da vida como seu segredo oculto e não conceitual. A necessidade de fazer falar o sofrimento, de “dar voz ao sofrimento é condição de toda a verdade”. Nesse contexto, sofrimento não é um termo existencial de puro sentimento subjetivo. Pelo contrário, é um termo objetivamente mediado. “É o peso da objetividade sobre o sujeito; eis que aquilo que o sujeito vivencia como seu momento mais subjetivo – a expressão do sofrimento – é objetivamente mediado”. Uma lógica definida prevalece nas formas sociais. A crítica da economia política é a decifração das relações sociais que as constituem. É a decifração das relações de compulsão econômica como relações da pura agitação da vida.

“Aí fala: vai”. O “vai” de Adorno não é um lamento que se opõe ao sofrimento humano com referência, como argumento abaixo, a um padrão contaminado de normatividade. O “vai” de Adorno é o “vai” de Marx. Eles reconhecem a lógica que prevalece na sociedade capitalista e o que ela faz com as pessoas. “As coisas deveriam ser diferentes”. Elas só podem ser diferentes por meio de diferentes relações sociais. “A abolição da fome” exige, portanto, “uma mudança nas relações de produção” (Adorno) para que a “lama dos séculos” acabe com a “refundação da sociedade” (Marx e Engels).

Escopo e estrutura

O livro contribui para o desenvolvimento da crítica da economia política como teoria social crítica – de crítica imanente, dialética sistemática e decifração. Interroga as categorias econômicas como formas objetivadas de relações sociais definidas e argumenta que a pura agitação da vida, a luta de classes para evitar e evitar o sofrimento, é o segredo oculto das relações de objetividade econômica, que Marx concebe como uma sociedade fantasmagórica “na qual Monsieur le Capital e Madame la Terre fazem sua caminhada fantasmagórica como personagens sociais e, ao mesmo tempo, diretamente como meras coisas”.

Como argumenta Simon Clarke, a realidade da sociedade como um processo de compulsão econômica “é a da relação de classe entre trabalho e capital; sua existência é a experiência cotidiana de milhões de trabalhadores despossuídos”. O livro se desenvolve tendo por referência os elementos da economia política socialista nos argumentos contemporâneos sobre o capitalismo financeiro. Considera as suas teorias da história e da economia do trabalho. Toma posição em relação à crítica que deplora as deficiências sociais manifestas sob promessas de que pode resolvê-las – faz isso, no entanto, sem olhar para as condições sociais que as tornam tão deploráveis.

A análise contemporânea sustenta que o capitalismo se tornou um sistema financeiro neoliberal indiferente às necessidades dos trabalhadores. Ela defende uma estratégia estatal-socialista que visa garantir o desenvolvimento de uma economia produtiva que atenda às necessidades humanas. Em contraste, o livro argumenta que o capitalismo é fundamentalmente uma economia monetária e uma sociedade de mercado mundial. O trabalho é o meio de valorização. É o meio por meio do qual o dinheiro ganha mais dinheiro. O livro argumenta que a mentalidade social dos indivíduos atuantes e suas formas de pensamento estão incorporadas ao espírito do dinheiro.

No entanto, ao contrário do que parece, o dinheiro não fala. São antes as relações sociais que falam no dinheiro e por meio do dinheiro como o poder independente das suas relações sociais. O que prevalece sobre a sociedade existe na e através da sociedade. O dinheiro não se importa com a inflação ou a deflação, se pertence a poucos ou é desejado por muitos, ou se rende descendentes vivos ou cai. A validade do dinheiro tem uma validade social; o seu poder de fazer os indivíduos competirem até a loucura é socialmente constituído. Como universal das relações capitalistas de compulsão econômica, “comprime o particular até se fragmentar, como instrumento de tortura”.

No entanto, o dinheiro não se importa com o sacrifício do trabalho vivo no altar do lucro. O capitalista se preocupa com o lucro para evitar a sua própria erosão no processo competitivo. Os trabalhadores livres também se preocupam com o dinheiro. Eles lutam por dinheiro para ganhar a vida. Em sua totalidade, o mundo da compulsão econômica é um mundo de formas definidas de prática social humana, que dotam a sociedade na forma do “sujeito do dinheiro” de uma consciência fria e calculista. O caráter definidor da sociedade burguesa é a frieza social. O livro argumenta que a crítica à frieza social tem que ser mais do que apenas um argumento normativo sobre justiça, igualdade e liberdade. Conceitos teóricos e valores normativos “não podem ser percebidos sem referência aos elementos históricos implícitos neles”.

A violência com que os produtores diretos foram separados de seus meios de subsistência empresta certo conteúdo social aos conceitos burgueses de liberdade e igualdade. Na sociedade burguesa, a violência posta pela lei aparece na forma civilizada de uma relação de troca entre sujeitos jurídicos supostamente iguais – um trocando sua força de trabalho por um salário para “driblar a liberdade de morrer de fome”, o outro consumindo a força de trabalho adquirida pelo lucro para evitar a erosão competitiva.

Os conceitos de justiça, humanidade, liberdade e igualdade não compõem um padrão normativo que permaneça de alguma forma separado de um conteúdo social completamente desagradável. Pelo contrário, são afligidos pela injustiça e desumanidade “sob cujo feitiço foram concebidos”. As críticas normativas ao capitalismo e as promessas de redenção que contêm elevam conceitos que foram já “contaminados” como parâmetros da crítica moral.

Ao imbuir as relações existentes com a promessa de humanidade, as críticas normativas servem, involuntariamente, para ocultar seu caráter, conferindo um esplendor conciliador à experiência corpórea da injustiça, da dor e do sofrimento. A verdade da crítica normativa é a inverdade da liberdade como compulsão econômica.

Na verdade, a dinâmica de todo o processo do capital como valor autovalorizado é alimentada pelas práticas sociais dos indivíduos divididos em classe que “devem sua vida ao que lhes está sendo feito”. É evidente que a regulação civilizada da frieza social é muito preferível à sua conduta autoritária. No entanto, ao defender os trabalhadores livres, a crítica normativa do capitalismo endossa o sistema que os obriga por meio de sua liberdade adquirida.

Finalmente, o livro argumenta que a crítica à sociedade de classes não encontra sua resolução positiva em uma sociedade de classes mais justa. Encontra sua resolução positiva na sociedade sem classes. Seguindo Marx, “o Estado moderno, o domínio da burguesia, baseia-se na liberdade do trabalho (…) A liberdade de trabalho é a livre concorrência dos trabalhadores entre si (…). Não se trata de libertar o trabalho, mas de aboli-lo”.

O tema geral do livro é a crítica da economia política como uma teoria social crítica das relações de compulsão econômica existentes e um argumento para a sociedade sem classes dos indivíduos comunistas. Nesse contexto, expõe a concepção benjaminiana de tempo presente como o tempo de luta contra o avanço das relações sociais existentes. Com referência a Hannah Arendt e Cornelius Castoriadis, concebe a democracia direta da comuna como a forma de governo de uma humanidade emancipada.

O livro compõe-se de seis capítulos principais. Eles estão dispostos em duas partes.

A Parte I explora a conceituação das relações sociais capitalistas. É composto por três capítulos. O primeiro capítulo expõe a compulsão econômica com referência à noção de valor de Marx como “uma abstração em ação“. Explica a abstração de valor como prática social das relações de produção historicamente específicas e argumenta que as relações de classe são o segredo oculto da sociedade como um processo de abstração econômica real. O conceito de mais-valor é a principal categoria de uma troca equivalente entre valores desiguais, de dinheiro por mais dinheiro. O seu conceito pressupõe a relação de classe entre capital e trabalho.

 O segundo capítulo discute a economia capitalista do trabalho como uma economia monetária. A validade social do trabalho despendido é afetada na troca por dinheiro. O capítulo expõe o capitalismo como um sistema monetário com referência crítica à teoria econômica da moeda e sua variante marxista que é de particular destaque na crítica contemporânea da chamada financeirização. Argumenta que o dispêndio de trabalho social não é validado por meio da satisfação das necessidades humanas. É validado em troca de dinheiro. O dinheiro é a forma de validação social.

O que não pode ser trocado por dinheiro é deixado para que apodreça. O terceiro e último capítulo da Parte I examina a lógica capitalista da riqueza como lógica de mercado mundial. O mercado mundial é o imperativo categorial do sistema estatal nacional. Com referência aos debates contemporâneos sobre a mudança do papel do Estado nas condições de globalização financeira, o capítulo rejeita o nacionalismo progressista de uma esquerda política que busca utilizar o Estado nacional como meio de enfrentar a financeirização por meio do desenvolvimento da economia nacional. O capítulo argumenta que o Estado nacional é a forma política da sociedade capitalista, aquela que assegura a força de mercado mundial da lei do valor nas relações sociais territorializadas.

A Parte II apresenta consequências práticas dos argumentos sobre a abstração real, o dinheiro como capital e as conceituações de valorização, mercado mundial e forma política. Seus três capítulos expõem criticamente, primeiro, o humanismo prático da economia política especialmente althusseriana, que identifica a economia do trabalho como uma necessidade transistórica e que proclama uma política de humanismo prático.

O capítulo quinto argumenta que uma política contra-hegemônica para fins humanistas progressistas e práticos implica uma crítica subjetiva da sociedade. Essa crítica identifica as deficiências sociais e proclama que as coisas devem ser diferentes; faz isso sem dispor de um conceito de sociedade que busca humanizar. O sexto capítulo seguinte explora a acumulação primitiva, que é a separação dos produtos diretos de seus meios de existência, como premissa histórica das relações capitalistas de compulsão econômica silenciosa.

O capítulo estabelece a relação da abstração do valor, o dinheiro como forma de riqueza capitalista, com o surgimento do trabalhador livre e sua luta pelo acesso às coisas brutas e materiais. O capítulo final revisita a concepção de revolução de Benjamin e Marcuse como negação das relações existentes de escravidão humana. Seu foco é a filosofia da história de Benjamin, que explora através do contexto histórico da destruição do comunismo de conselho na Alemanha pós-revolucionária e na Rússia bolchevique, e o contexto do nazismo e da guerra. O capítulo argumenta que a experiência corpórea do sofrimento determina o conteúdo conceitual do comunismo.

“Pensar é se aventurar além”. A verdade da crítica de Marx à economia política não se realiza por meio de sua interpretação macroeconômica e aplicação na economia política socialista; pelo contrário, realiza-se por meio de sua negação. O posfácio trata da impossibilidade e da necessidade do comunismo.

*Werner Bonefeld é professor no Departamento de Política da Universidade de York.

Tradução: Eleutério F. S. Prado.

Referência


Werner Bonefeld. A critical theory of economic compulsion: wealth, suffering, negation. Oxfordshire, Routledge, 2023, 180 págs. [https://amzn.to/3VJ4dLS]


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