Por WALNICE NOGUEIRA GALVÃO*
Uma seleção de filmes sobre Império e Colônia, com a indicação da plataforma em que estão disponíveis
Imperialismo/colonialismo/genocídio
A missão (1986)- dir. Roland Joffé. Em Sete Povos de Missões ou aldeamentos indígenas entre Brasil, Argentina e Paraguai, um padre jesuíta e um nobre espanhol em penitência lideram os índios, protegendo-os da escravização por portugueses e espanhóis, no séc. XVIII. Ambos apresentam posições divergentes, entre o não-enfrentamento e a resistência armada ante o colonizador. A trilha sonora do grande Ennio Morricone combina música barroca com cantos indígenas, em beleza raramente atingida no cinema.
Queimada (1969) – dir. Gillo Pontecorvo. Uma aula sobre imperialismo-colonialismo, localizada numa colônia açucareira do Caribe. Como infiltrar e sabotar uma revolução de escravos.
Uma passagem para a Índia (1984) – dir. David Lean. O grande cineasta inglês fez sistematicamente o processo do imperialismo da Inglaterra – e neste caso na Índia, visto por dentro. Seu cinema examina também o atrito com outros povos: A ponte do rio Kwai (japoneses), A filha de Ryan (irlandeses), Lawrence da Arábia (árabes).
A Promessa (2016) – dir. Terry George. Do mesmo diretor de Hotel Ruanda. Triângulo amoroso entre jovem armênio que vai estudar medicina na Turquia, moça armênia e fotógrafo americano. Passa-se no final do Império Otomano, às vésperas do genocídio armênio perpetrado pelos turcos.
Gandhi (1982) – dir. Richard Attenborough. A biografia do líder indiano que pregou a não-violência e a resistência passiva, até a expulsão do colonizador inglês. Sua vida exemplar, de privação e ascetismo.
Os gritos do silêncio (1984) – dir. Roland Joffé. Esta ficção inglesa reconstitui a história do Khmer Rouge e suas atrocidades, que abalaram o Camboja durante muitos anos e deixaram como saldo mais de um milhão de mortos, um país arrasado e despojos visíveis até hoje em campos de concentração.
O ato de matar (2014) – dir. Joshua Oppenheimer. Documentário que narra o percurso da brutal repressão na Indonésia dos anos 1950/60, que jamais prestou contas porque os repressores estão no poder até hoje, após trucidarem cerca de um milhão de pessoas. Assassinos e torturadores voluntariamente mimetizam seus atos, como num filme musical. Um horror.
Pequeno Grande Homem (1970) – dir. Arthur Penn. Filme que revirou do avesso as relações entre brancos e índios, mostrando seus horrores, quando o cinema era tradicionalmente arma da colonização que idealizava os caubois no faroeste.
Quando é Preciso ser Homem (1970) – dir. Ralph Nelson. Infringe as convenções do faroeste, mostrando como o exército americano massacrava índios indefesos. Instaura paralelo com episódios contemporâneos no Vietnã.
Dança com lobos (1990) – dir. Kevin Costner. Um soldado americano cruza a linha divisória e vai viver como um nativo. Das mais belas reconstituições da vida entre os pele-vermelhas: seus costumes, suas rotinas de trabalho, sua sociabilidade, seus afetos.
Timbuktu (2014) – dir. Abderraman Sissako, da Mauritânia. Chega nessa linda cidade, no Mali, tombada pela Unesco, uma milícia fundamentalista armada até os dentes, que começa a moralizar tudo. Proíbem cantar, dançar, tocar instrumentos, jogar futebol etc. Visualmente lindo, com cenas lentíssimas e até estáticas, muito deserto e areia, com imagens dos edifícios em argila. Oscar de melhor filme estrangeiro, César e Palma de Ouro em Cannes
Gunga Din (1939) – dir. George Stevens. Elogio do colonialismo por Hollywood. Um humilde aguadeiro indiano (vivido por ator americano de face artificialmente tisnada) que aspirava a ser soldado de Sua Majestade da Inglaterra, trai seus compatriotas, enviando-os à morte e imolando-se ele mesmo para salvar ingleses. O comentário de Brecht vai ao ponto, perguntando porque um filme como esse faz-nos torcer pelo traidor. Filme de grande sucesso.
Beau Geste (1939) – dir. William A. Wellman.Outro elogio do colonialismo por Hollywood. Três irmãos ingleses – nobres, naturalmente – fogem e se alistam na Legião Estrangeira, indo ajudar a matar árabes no norte da África. Paira um mistério intrincado, que ao ser solucionado salva a honra deles e justifica o título. Outro filme de grande sucesso.
Hotel Ruanda (2004) – dir. Terry George. Como um gerente de hotel com consciência cívica conseguiu salvar do massacre um grande número de tutsis desarmados em Ruanda, acolhendo-os nas dependências do hotel que administrava e impedindo a entrada dos hutus que os perseguiam. A carnificina durou meses e colheu 800 mil vidas.
Faces do racismo
Mandela, um Grito de Vitória (1996) – dir. Angus Gibson e Jo Monell. Documentário que mostra o percurso de Mandela desde a infância até a presidência, com material de arquivo bem selecionado e bela trilha sonora com músicos sul-africanos. Ver também Mandela – Longo Caminho para a Liberdade (2013) – dir. Justin Chadwick. Ficção baseada na autobiografia de Mandela. A trajetória entre os companheiros de militância como Winnie Mandela, o chefe Sisulu, Oliver Tambo, o bispo Tutu etc.
Mooladé (2004)– dir. Ousman Sembene. O “pai do cinema africano” mostra meninas aterrorizadas ante a excisão genital, sendo acolhidas pelas mulheres mais velhas da aldeia sob o “direito de asilo”, ou Mooladé.
Chocolat (1988) – dir. Claire Denis. Na República dos Camarões (África), a filha menina do administrador colonial francês e um criado doméstico negro travam amizade e reagem às tensões da situação entre ambos.
Malcolm X (1992) – dir. Spike Lee. Biografia do líder negro da linha mais aguerrida da luta racial, que foi muçulmano negro (black muslim) por opção e morreria assassinado. Do grande diretor negro que fez do cinema sua arma na luta antiracista.
Faça a coisa certa (1989) – dir. Spike Lee. Anatomia de um motim no gueto feita passo a passo, mostrando como o mais inofensivo indivíduo acaba por ser o estopim da revolta.
A hora do show (2000) – dir. Spike Lee. A propósito de um programa de TV grosseiro e racista que conquista audiências, uma análise histórica do serviço que o entretenimento presta ao preconceito de cor.
O piano (1993) – dir. Jane Campion. Na Austrália, as fricções da colonização no triângulo armado entre brancos patrões, brancos empregados e maoris nativos.
A 13ª. Emenda (2017) – dir. Ava Duvernay.A inflação carcerária de negros nos Estados Unidos, que são 5 % da população mundial mas 25 % da população carcerária mundial. Transformou-se o preconceito racial em preconceito criminal (ninguém mais xingava “negro” mas “drogado” e “criminoso”): a Guerra às Drogas de Reagan/Nixon/Clinton/Bushes foi o meio encontrado para o genocídio disfarçado.
O Ódio (1995) – dir. Mathieu Kassowitz. Exame das condições de vida dos jovens excluídos que povoam a periferia de Paris, árabes e negros, sempre prontos a se sublevar incendiando seus bairros, bem como a entrar na criminalidade e nas drogas.
Beasts of no nation (2015) – dir. Cary Fukunaga. Revela e examina uma das ignomínias da modernidade: o treinamento e utilização de crianças-soldado na África.
Selma – Uma luta pela igualdade (2014) – dir. Ava Duvernay. Ficção reconstituindo a Marcha de Selma a Montgomery, no Alabama, em 1965, à frente Martin Luther King. Ponto de referência no movimento pelos direitos civis.
Crises humanitárias/migrações
Human Flow (2017) – dir. Ai Weiwei. O famoso artista plástico chinês, exilado de seu país, foi atrás de campos de refugiados em mais de 20 nações, para documentar pessoalmente o transe dessas vidas em suspenso.
Dia de festa (2005) – dir. Toni Venturi e Pablo Georgieff. Câmera na mão, os diretores registraram no ato sete ocupações realizadas pelo Movimento dos Sem-Teto no Centro de São Paulo, bem como os choques com a Polícia Militar. Acompanha a luta de quatro mulheres em busca de seu direito constitucional à moradia. Um épico. Anos depois Toni Venturi faria um filme de ficção sobre o tema: Estamos juntos (2011). Eliane Caffé filmaria Era o Hotel Cambridge (2016), do nome de um prédio ocupado por refugiados recém-chegados e sem-teto locais.
Cafarnaum (2019) – dir. Nadine Labaki. Ficção sobre um menino de rua em Beirute, Líbano. Suas dificuldades, suas aspirações, a relação com mãe e irmã de 12 anos, esta forçada a casar com um homem bem mais velho. A vida cotidiana dos sem-teto, em ambiente urbano inóspito.
Les Mains en l´Air (2010) – dir. Romain Goupil. Na França atual, caça e deportação de crianças sem papeis, de várias origens. Há os que as ajudam e há os que ajudam a persegui-las.
O Porto (2011) – dir. Aki Kaurismaki – Marginais e clochards, de muita dignidade, que vivem em precárias moradias no cais do porto em Le Havre, França, ponto de travessia do Canal da Mancha para imigrantes clandestinos que procuram atingir a Inglaterra. Ajudam um menino africano que chegou num contêiner e escapou, enquanto sua família e todo o seu grupo foi preso e deportado.
Adú (2020) – dir. Salvador Calvo. Filme espanhol centrado na tragédia das migrações forçadas, com multidões de africanos que todos os dias tentam cruzar da África para a Europa com vistas à sobrevivência. Focaliza um menino que não tem alternativa a não ser essa. NETFLIX
Reza por chuva (2014) – dir. Ravi Kumar. Na Índia, uma fábrica da empresa americana Union Carbide é responsável pelo pior desastre industrial da história, com vazamento de gás tóxico que matou 10 mil pessoas, em 1984. Com Martin Sheen, protagonista de Apocalypse Now, grande militante hollywoodiano que já foi preso 64 vezes em manifestações de protesto as mais variadas.
Capacetes Brancos (2016) – dir. Orlando von Einsiedel. Documentário sírio que registra esta ONG de cidadãos beneméritos, que acodem os sinistrados nos bombardeios aéreos e demais ataques da guerra civil na Síria. Curta-metragem de 41 minutos. NETFLIX
Sergio (2009 e 2020) – São dois filmes com o mesmo título e obras do mesmo diretor, Greg Baker: primeiro é documentário e o segundo ficção. Ambos relatam a vida e a morte do diplomata brasileiro Sergio Vieira de Mello que trabalhava no Iraque para a ONU, na qualidade de comissário para os refugiados. Morreu num atentado, quando o prédio em que trabalhava foi bombardeado.
*Walnice Nogueira Galvão é Professora Emérita da FFLCH da USP. Autora, entre outros livros, de Lendo e relendo (Senac/Ouro sobre azul).
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