Por TARIQ ALI*
Nasrallah entendeu Israel melhor do que a maioria. Seu sucessor terá que aprender rápido
Para matar Hassan Nasrallah, um dos líderes mais populares da resistência (e não apenas entre os xiitas), as Forças Armadas de Israel (IDF) teve que destruir vários prédios, lançar ataques terroristas por meio de dispositivos de mensagens e, mais uma vez, matar centenas de inocentes, lançando pelo menos quinze bombas feitas nos EUA.
Benjamin Netanyahu deu a ordem para imolar os prédios no sul de Beirute enquanto estava nos Estados Unidos para discursar na Assembleia Geral da ONU. Só para esfregar na cara. O verdadeiro “relacionamento especial” é sagrado e eterno. Hassan Nasrallah não descansará em paz.
Como sabemos agora, nem Joe Genocida e outros líderes da gangue no Ocidente, nem os seus pivôs no mundo árabe que o apoiam se importam com quantos árabes são mortos ou em qual país. Iraque, Líbia, Síria, Iêmen: os EUA e seus representantes os irrigaram com sangue. A atitude foi resumida pela então secretária de Estado Hillary Clinton depois que Muammar Gaddafi foi linchado e a nação foi de fato entregue a facções jihadistas: “Nós viemos, vimos, matamos ele”.
As guerras pós-11 de setembro aclimataram muitos cidadãos ocidentais e os políticos que eles elegeram a tais torturas e assassinatos rotineiros. O genocídio israelense em Gaza fez o resto. Ministros exultantes do gabinete israelense aplaudiram cada atrocidade e pediram mais. Redes de TV israelenses transmitiram imagens de mulheres sionistas comuns gritando que seus filhos eram superiores aos seus equivalentes “árabes imundos”, que mereciam apenas a morte.
Os establishments políticos e culturais que toleram os campos de extermínio na Palestina agora considerarão o assassinato de Hassan Nasrallah como um triunfo e “danos colaterais” – 700 mortos em ataques aéreos e mais de 50 em ataques com pagers e walkie-talkies, além de milhares de feridos – como necessários.
Que Hassan Nasrallah era um estrategista e tático extremamente astuto é reconhecido tanto por seus apoiadores quanto por seus inimigos. Falando com Noam Chomsky uma vez em Santa Fé, ele confessou que os dois líderes políticos mais inteligentes que ele já conheceu foram Hugo Chávez e Hassan Nasrallah, mas ele não podia dizer isso em público. Ambos estão mortos agora, então eu posso dizer isso por ele. Eu nunca conheci Hassan Nasrallah pessoalmente, mas Noam Chomsky ficou impressionado com o quão bem informado ele era sobre Israel, os EUA e seus cafetões no mundo árabe.
Os comentaristas tradicionais estão perguntando se ele é “insubstituível”. O modelo exato — um militante autodidata da classe trabalhadora, radicalizado quando adolescente pela revolução iraniana, o líder das milícias que expulsaram Israel do Líbano para o deleite do mundo árabe — é difícil de recriar. Suas transmissões eram uma combinação fascinante de árabe clássico, análise incisiva e expressões populares, psicologicamente agudas, das ruas libanesas.
No entanto, há uma série de substitutos disponíveis. Hassan Nasrallah estava muito ciente de seu destino. O IDF/Mossad vinha tentando eliminá-lo há décadas. Ele supervisionou pessoalmente o treinamento político, educacional e militar de várias centenas de quadros. Os ataques regulares de Israel aos líderes do Hamas não eliminaram a organização como uma força militar, como 7 de outubro demonstrou de forma mortal. Apesar da perda de seu líder, o Hezbollah encontrará um novo. Ninguém é insubstituível.
O Irã fará uma guerra contra Israel? Difícil prever. Os líderes iranianos estão cientes de que é isso que Israel está tentando provocar, mas as relações Irã-EUA têm uma lógica diferente. Os clérigos em Teerã apoiaram a guerra do Iraque e a intervenção dos EUA no Afeganistão, esperando que esses atos de boa vontade recebessem uma resposta amigável. Talvez Barack Obama voasse para Teerã como Richard Nixon fez uma vez para Pequim para promover a paz e assinar um tratado.
O lobby de Israel nos EUA acabou com essa possibilidade. E os líderes iranianos, nacionalistas acima de tudo, que tentaram tanto isso foram deixados de lado. Parece improvável que eles lancem um ataque total. Israel, no entanto, sabe que a República Islâmica está na defensiva e quase certamente aproveitará a oportunidade para infligir mais golpes.
O Hezbollah vai se envolver em assassinatos por vingança? É bem possível, mas eles escolherão seu próprio tempo e ritmo. Benjamin Netanyahu continua extremamente popular em seu próprio país, e matá-lo não seria apreciado por muitos israelenses. Mas a máscara caiu. Gaza viu o colapso do direito internacional, das normas de direitos humanos, dos tribunais estabelecidos pela “comunidade internacional” no passado. Se os líderes dos EUA se recusarem puxar pelos pés os israelenses, quem pode?
Hassan Nasrallah entendeu Israel melhor do que a maioria. Seu sucessor terá que aprender rápido. O filósofo alemão do século XIX Bruno Bauer escreveu uma vez que “só aquele que conhece sua presa melhor do que ela mesma pode derrotá-la”. A isso pode-se acrescentar um aviso. Olho por olho pode deixar o mundo cego, o elixir da vingança pode envenenar a mente. A resistência deve refletir cuidadosamente antes do próximo ataque.
*Tariq Ali é jornalista, historiador e escritor. Autor, entre outros livros, de Confronto de fundamentalismos (Record). [https://amzn.to/3Q8qwYg]
Tradução: Rôney Rodrigues para o site Outras Palavras.
Publicado originalmente no blog da New Left Review
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