Por ARACY P. S. BALBANI*
A sociedade brasileira e seus representantes legislativos não se importam com a sonegação fiscal e as brechas para a corrupção e a prática de eventuais rachadinhas?
Muitas pessoas optaram por se alienarem da vida política na campanha das eleições municipais de 2024. Ficaram em cima do muro nas conversas do eleitorado, criticaram os candidatos indistintamente, muitas vezes sem sequer conhecerem todos, ou se abstiveram de votar.
Cidadãos que se declararam eleitores de prefeitos reeleitos, ao sofrerem a insatisfação com a qualidade dos serviços públicos municipais de que necessitavam, pouco mais de 48 horas após o fim da apuração desandaram a reclamar… das escolhas populares na urna eletrônica.
Com certa frequência, blogs progressistas abrem espaço para estudiosos experientes discutirem os custos da dívida pública brasileira, nunca auditada, e do pessoal das Forças Armadas, sobretudo o pagamento de aposentadorias e pensões de militares e a aquisição de próteses penianas, corroendo a verba destinada à defesa nacional.
É interessante que nem os veículos de informação conservadores (emissoras de TV aberta e rádio, jornalões, antigas revistas semanais) nem os eletrônicos progressistas abordaram três tópicos pertinentes à discussão sobre o equilíbrio das contas do governo federal: a volta da cobrança da CPFM, as atividades do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF) – órgão ligado ao Ministério da Fazenda que atua nos litígios de natureza fiscal ou aduaneira – e a ação da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) para ressarcir o SUS pelo atendimento deste aos usuários das operadoras de planos privados de saúde.
Segundo a Agência Senado, a Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) foi “uma cobrança que incidiu sobre todas as movimentações bancárias – exceto nas negociações de ações na Bolsa, saques de aposentadorias, seguro-desemprego, salários e transferências entre contas correntes de mesma titularidade – e vigorou no Brasil por 11 anos”.
“No final de 2000, o governo decidiu permitir o cruzamento de informações bancárias com as declarações de Imposto de Renda dos contribuintes, de modo a poder identificar discordâncias entre valores declarados à Receita Federal e a movimentação de dinheiro em bancos e possíveis fraudes”.
Também de acordo com a Agência Senado, “a contribuição foi prorrogada diversas vezes. Em outubro de 2007, a Câmara aprovou proposta que estendia a cobrança da CPMF até 2011, mas a iniciativa foi derrotada no Senado dois meses depois. À época, o governo alegou que o fim da CPMF resultaria numa perda de arrecadação de cerca de R$ 40 bilhões em 2008.
De 1997 a 2007, a CPMF arrecadou R$ 223 bilhões. Em 2007, último ano de vigência da contribuição, foram recolhidos R$ 37,2 bilhões, segundo balanço divulgado pela Receita Federal.
O crescimento da receita gerada pela CPMF entre 1998 e 2006 foi de 216,1%, enquanto o montante de tributos administrados pela Receita Federal evoluiu 78,4% no mesmo período, em termos reais”.
Em 2024, quando o mercado financeiro e seus porta-vozes exigem do Governo Federal o austericídio do povo brasileiro, e empresas dos portes mais variados insistem em descontar cheques, até os de valores elevados, na boca do caixa, desprezando as tecnologias bancárias da Ted e do Pix, por que não retomar a cobrança definitiva da CPMF?
Sobre esse assunto, é natural perguntar: onde fica a questão da ética empresarial? A sociedade brasileira e seus representantes legislativos não se importam com a sonegação fiscal e as brechas para a corrupção e a prática de eventuais rachadinhas?
O CARF foi objeto da Operação Zelotes da Polícia Federal, deflagrada em 2015 para investigar denúncias de um esquema de corrupção voltado a anular multas tributárias aplicadas a grandes empresas. O prejuízo inicial estimado com as fraudes chegou a R$ 19 bilhões.
Quase uma década depois, o que ficou comprovado? Quem foi punido? Os cofres do Governo Federal receberam, efetivamente, os tributos devidos pelas empresas investigadas na Operação Zelotes?
Segundo a ANS, a Agência “recebe do Departamento de Informática do SUS (DATASUS) a base de dados com informações sobre os atendimentos ocorridos na rede do SUS e faz a conferência dessas informações com o seu banco de dados de beneficiários de planos de saúde. Após a checagem, uma vez identificado quais beneficiários utilizaram os serviços do SUS, são encaminhadas às operadoras de planos de saúde notificações, denominadas de Aviso de Beneficiário Identificado (ABI), para que efetuem o pagamento dos valores apurados ou apresentem defesa”.
O mecanismo de ressarcimento tem a finalidade de obrigar as operadoras de planos privados de saúde a prestarem aos usuários aos serviços cobertos pelo contrato. Do contrário, elas ficam com o filé mignon (as mensalidades pagas pelos usuários) e empurram o osso para o SUS e o conjunto dos contribuintes roerem. Cabe a pergunta: esse ressarcimento tem sido feito adequadamente?
Por tudo isso que envolve as contas públicas e está muito nebuloso, depois do impostômetro e do sonegômetro, deduz-se que seria urgente instalar um hipocrisômetro no Brasil. De preferência, sob o controle civil, robusto e à prova de adulteração.
*Aracy P. S. Balbani é médica otorrinolaringologista. Atua como especialista exclusivamente no SUS no interior paulista.
Referências
Agência Senado. CPMF. Disponível em https://www12.senado.leg.br/noticias/entenda-o-assunto/cpmf
Agência Nacional de Saúde Suplementar. Espaço Ressarcimento ao SUS. Disponível em https://www.gov.br/ans/pt-br/assuntos/operadoras/compromissos-e-interacoes-com-a-ans-1/espaco-ressarcimento-ao-sus-1
Agência Nacional de Saúde Suplementar. Aspectos financeiros do ressarcimento ao SUS: Orientações sobre os procedimentos de cobrança. 2018. Disponível em https://www.gov.br/ans/pt-br/arquivos/acesso-a-informacao/perfil-do-setor/dados-e-indicadores-do-setor/dados-e-publicacoes-do-ressarcimento-ao-sus/cartilha_aspectos_financeiros_do_ressarcimento_ao_sus.pdf
Governo Federal. Dados Abertos. Percentual histórico de cobrança (%hc) do ressarcimento ao SUS. Disponível em
https://dados.gov.br/dados/conjuntos-dados/percentual-historico-de-cobranca-hc-do-ressarcimento-ao-sus Ministério da Saúde. Agência Nacional de Saúde Suplementar. Instrução Normativa – in nº 25, de 29 de abril de 2022. Dispõe sobre a contabilização dos montantes devidos de Ressarcimento ao SUS no Plano de Contas Padrão da ANS. Disponível em https://bvsms.saude.gov.br/bvs/saudelegis/ans/2022/int0025_04_05_2022.html
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