Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
As posturas financeiras dos agentes econômicos, o processo de instabilidade e o papel da política monetária e da política fiscal
A economia monetária de produção é instável devido às finanças capitalistas. Se prevalecer, por algum tempo, uma mistura de financiamento especulativo e coberto com financiamento interno e externo de investimento, haverá incentivos para mudar essa mistura surgidos dentro da própria evolução econômico-financeira.
Qualquer calmaria temporária logo se torna uma expansão ao aumentar tanto o financiamento especulativo de posições quanto o financiamento externo de investimentos. Mais adiante emerge um boom de investimentos.
Ele suga liquidez das unidades e aumenta os índices de endividamento das instituições financeiras. Então, as margens de segurança são corroídas, apesar do sucesso do boom, e levam a crer as margens anteriores (ou mesmo atuais) estarem acima do necessário.
O boom passa ao crash sempre quando as taxas de juros de curto e longo prazo aumentam o suficiente para ocorrerem reversões nas relações de valor presente. Isso normalmente ocorre depois de um aumento na demanda, financiado por finanças especulativas, ter elevado as taxas de juros, os salários dos trabalhadores e os preços das matérias-primas. Desse modo, as margens de lucro e, portanto, a capacidade de validar o passado, são corroídas.
Se a interrupção ou ruptura do boom levará ou não a uma crise financeira, deflação da dívida e depressão profunda ou recessão não tão traumática, dependerá da liquidez geral da economia, do tamanho relativo do setor público e da magnitude das ações tomadas pelo Banco Central em termos de empréstimos de última instância. Desse modo, o resultado de uma contração é basicamente determinado por características estruturais e políticas.
As tendências para o financiamento especulativo na dívida de investimento são o resultado de estruturas institucionais e expectativas políticas. Perante as dificuldades, surge o pensamento: “talvez com outras instituições e outras políticas, a suscetibilidade da economia a crises financeiras fosse menor em vez do acontecido agora”.
As evidências empíricas indicam, com a desregulamentação das instituições financeiras, houve uma progressão na gravidade das crises financeiras. Para serem eficazes, as políticas devem contrapor-se a essa tendência neoliberal.
No estudo cujo link disponível para download encontra-se no fim deste artigo-resenha, depois de apresentar o conceito-chave de decisão de portfólio, na obra de Hyman Minsky, analisei as posturas financeiras dos agentes econômicos, o processo de instabilidade e o papel da política monetária e da política fiscal.
Hyman Minsky
A decisão de portfólio refere-se a quais ativos escolher e reter (economia de mercado de capitais) e como financiar a retenção ou propriedade dos ativos (economia do endividamento). Trata-se da compatibilização de fluxos de entrada de caixa (receita e/ou crédito) com os fluxos de saída de recursos para cumprir compromissos contratuais.
A manutenção de uma postura financeira defensiva depende da normalidade do mercado de bens e fatores de produção. A postura especulativa está condicionada à normalidade do mercado financeiro. Ao assumir a postura Ponzi dependente de refinanciamento necessita-se do apoio do mercado financeiro. Em condições anormais de instabilidade financeira, os agentes econômicos são conduzidos, involuntariamente, a assumirem as posturas especulativas ou até mesmo a Ponzi.
A decisão de empréstimos refere-se ao risco do tomador de empréstimo quanto à rentabilidade esperada e ao risco do emprestador quanto à insuficiência da margem de garantia no caso de o tomador não pagar. Trata-se de conciliar pontos de vista distintos quanto ao financiamento do investimento, de acordo com os graus de aversão ao risco do credor e do devedor, cada qual levando em conta sua relação fundos externos / fundos internos.
O grau de fragilidade financeira refere-se ao nível de prudência no endividamento, dado pela capacidade de pagamento dos serviços da dívida com receitas obtidas no mercado de produtos, isto é, bens e serviços. Senão, recorre-se a refinanciamentos, conseguidos no mercado de crédito. Em última instância, apela-se para recursos resultantes da liquidação patrimonial com vendas de ativos no mercado de capitais.
A receita de política monetária, dada por Minsky, é a adoção de atitude acomodatícia quanto à endogeneidade da oferta monetária em simultâneo com rígido controle institucional e/ou fiscalização administrativa permanente sobre a atuação dos bancos.
Na prática, existem duas complicações capazes de sugerirem inconsistências na análise.
A primeira é a questão do financiamento no mercado de capitais por debêntures ou por capitalização, esta por meio lançamentos subsequentes de ações. Na visão de Minsky, é uma forma clássica de financiamento de “hedge” ou protegida. Os compromissos financeiros dependem de lucros operacionais adequados para pagar os dividendos.
Uma segunda complicação é a existência de depósitos multiplicados como a contrapartida dos empréstimos para dar continuidade ao financiamento do investimento. Esses depósitos devem aparecer na rede bancária. Surgem como depósitos dos elevados lucros das empresas e dos salários dos trabalhadores.
O investimento financiado por dívida pode, portanto, fornecer seu próprio “hedge”. Mas não necessariamente para as empresas endividadas e necessitadas de proteção financeira.
Enquanto os especuladores pedem dinheiro emprestado para comprar alguma propriedade, os protegidos, em vez de ficarem com depósitos à vista, investem para ganhar juros, por exemplo, em depósitos a prazo. Estes são passivos capazes de permitirem aos bancos lastrearem seus empréstimos.
O sistema bancário multiplica a moeda com base em empréstimos. Mas a concessão fácil de crédito se encerra quando os investidores em propriedades ficam imobilizados e justamente com necessidade de mais capital de giro para pagar seus empregados ou seus credores.
Se mais e mais devedores ficam atrasados em seus pagamentos e nada for feito para o governo intervir no problema sistêmico, tanto os bancos quanto os devedores poderão falir – e a economia se contrair. Esses ciclos de expansão e contração ocorrem, repetidamente, até surgir uma Crise de Grande Dívida, analisada por Ray Dalio.
Ray Dalio
Em geral, a resolução é obtida com um processo lento e gradual de desalavancagem financeira. Pode durar anos!
Emprestar naturalmente cria movimentos ascendentes auto reforçadores de alta de preços dos ativos. Os empréstimos baseiam-se na expectativa de seguir uma tendência de alta indefinidamente.
Mas os desconfiados dessa possibilidade vão se avolumando até predominar uma reversão geral de expectativas. Ocorre quando os rendimentos ou os ganhos de capital ficam abaixo do custo dos empréstimos.
O ciclo acaba se invertendo em movimentos descendentes com retroalimentação. Passa-se da euforia do ganho fácil para o pânico de todos os devedores venderem rapidamente, ao mesmo tempo, para cumprir os compromissos contratuais. A manada estoura – e há apenas uma porteira para a salvação de quem sai primeiro!
Em síntese, segundo Ray Dalio, uma tendência ascendente de produtividade permite o aumento da riqueza e conduz a níveis de vida mais elevados. Detectam-se, então, ciclos favoráveis em tempos de prosperidade, quando o país é forte, a dívida é baixa, as pessoas trabalham em conjunto de forma eficaz, as lacunas em riqueza ou valores políticos são pequenos, a educação e a infraestrutura são boas, a liderança é forte e capaz, e a ordem mundial é pacífica e guiada por um ou mais poderes dominantes. Estes são os períodos de bem-estar e felicidade.
Mas quando os desequilíbrios se acumulam, mais cedo ou mais tarde, esses excessos conduzem a períodos de depressão, destruição e reestruturação. As debilidades fundamentais do país são tais de modo a se observar elevados níveis de endividamento e alargamento dos fossos patrimoniais e entre valores políticos.
As diferenças cada vez mais pronunciadas entre pessoas levam elas trabalharem cada vez menos juntas e coesas. Há mudanças para pior na educação e na infraestrutura e uma complexidade crescente associada ao desafio de manter um Império muito grande. Ele também é ameaçado por um número crescente de potências rivais emergentes.
Tudo isso induz um doloroso processo de luta, destruição e reestruturação. Estabelece uma nova ordem ao inaugurar um novo período de avanço.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Brasil dos bancos (EDUSP). https://amzn.to/3r9xVNh
Versão reduzida do livro digital disponível em Fernando Nogueira da Costa. Financistas Comparados Hyman Minsky e Ray Dalio.
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