Por RICHARD D. WOLFF
É falso dizer que a IA ameaça milhões de empregos. A tecnologia não está fazendo isso, pois o autor do “delito” é o capitalismo
A Inteligência artificial apresenta uma oportunidade de lucro para os capitalistas, mas vem a ser também uma escolha crucial para a classe trabalhadora. Como a classe trabalhadora é a maioria da população, essa escolha crucial confronta a sociedade como um todo.
Tem-se agora a mesma oportunidade de lucro/escolha social que foi trazida pela introdução da robótica, dos computadores e, na verdade, pela maioria dos avanços tecnológicos ao longo da história do capitalismo. No capitalismo, os empregadores decidem quando, onde e como instalar novas tecnologias; os funcionários apenas sofrem as consequências. As decisões dos empregadores são motivadas principalmente pela pergunta: como a nova tecnologia afeta o “meu” lucro.
Se as novas tecnologias permitirem aos empregadores substituir de forma lucrativa os trabalhadores remunerados por máquinas, eles implementarão a mudança. Os empregadores têm pouca ou nenhuma responsabilidade em relação aos trabalhadores deslocados, as suas famílias, bairros, comunidades ou governos pelas muitas consequências da perda de empregos.
Se o custo do desemprego para a sociedade for de 100, enquanto o ganho para os lucros dos empregadores for de 50, a nova tecnologia será implementada. Como o ganho dos empregadores rege a decisão, a nova tecnologia é introduzida, não importa quão pequeno seja esse ganho em relação à perda da sociedade. Foi assim que o capitalismo sempre funcionou.
Um exemplo aritmético simples pode ilustrar o ponto-chave. Suponha que a Inteligência artificial duplique a produtividade de alguns funcionários. Durante o mesmo tempo de trabalho, eles produzem o dobro do que antes do uso da Inteligência artificial. Os empregadores que passam a usar essa tecnologia, então, demitirão metade de seus funcionários. Esses empregadores receberão, então, dos restantes 50% dos seus empregados o mesmo resultado que recebiam antes da introdução da Inteligência artificial.
Para manter o nosso exemplo simples, vamos supor que esses empregadores vendam então a mesma produção pelo mesmo preço de antes. As receitas resultantes serão igualmente as mesmas. A utilização da Inteligência artificial poupará aos empregadores 50% do total da sua massa salarial anterior (menos o custo da implementação da Inteligência artificial) e essas poupanças serão mantidas pelos empregadores como lucro adicional para eles. Esse lucro adicional foi um incentivo eficaz para o empregador implementar a Inteligência artificial.
Se imaginarmos por um momento que os empregados tinham o poder que o capitalismo confere exclusivamente aos empregadores, eles escolheriam usar a Inteligência artificial de uma forma totalmente diferente. Usariam a Inteligência artificial, não despediriam ninguém, mas em vez disso reduziriam os dias de trabalho de todos os funcionários em 50%, mantendo os seus salários iguais.
Mais uma vez, mantendo o nosso exemplo simples, isto resultaria no mesmo resultado que antes da utilização da Inteligência artificial; seguir-se-ia o mesmo preço para os bens ou serviços e a entrada de receitas. A margem de lucro permaneceria a mesma após o uso da Inteligência artificial (menos o custo de implementação da tecnologia). Os 50% dos dias de trabalho anteriores dos funcionários que agora estão disponíveis para lazer seriam o benefício que aumentariam. Esse lazer – a liberdade do trabalho – é o seu incentivo para usar a Inteligência artificial de forma diferente da usada pelos empregadores.
Uma forma de usar a Inteligência artificial gera lucros adicionais para alguns, enquanto a outra forma gera mais lazer/liberdade para muitos. O capitalismo recompensa e, portanto, incentiva a opção dos empregadores. A democracia aponta para o outro lado. A tecnologia em si é ambivalente. Pode ser usada de qualquer maneira.
Assim, é simplesmente falso escrever ou dizer – como tantos fazem hoje em dia – que a Inteligência artificial ameaça milhões de empregos ou titulares de empregos. A tecnologia não está fazendo isso, pois o autor do “delito” é o capitalismo. Em vez disso, o sistema capitalista organiza as empresas em empregadores versus empregados e, assim, utiliza o progresso tecnológico para aumentar o lucro, e não o tempo livre dos empregados.
Ao longo da história, os entusiastas celebraram a maioria dos grandes avanços tecnológicos devido às suas qualidades de “poupança de trabalho”. A introdução de novas tecnologias proporcionaria menos trabalho, menos trabalho penoso e menos trabalho degradante. A implicação era que “nós” – todas as pessoas – seríamos beneficiados. É claro que os lucros adicionais dos capitalistas provenientes dos avanços técnicos trouxeram-lhes sem dúvida mais lazer. No entanto, o lazer adicional que as novas tecnologias possibilitaram à maioria dos trabalhadores foi-lhes, em grande parte, negado. O capitalismo – o sistema orientado para o lucro – gerou essa negação.
Hoje, enfrentamos a mesma velha história capitalista. O uso da Inteligência artificial pode garantir muito mais lazer para a classe trabalhadora, mas o capitalismo subordina a Inteligência artificial à especulação. Os políticos derramaram lágrimas de crocodilo diante do cenário assustador de empregos perdidos para a Inteligência artificial.
Especialistas trocam estimativas de quantos milhões de empregos serão perdidos se essa tecnologia for adotada. Os liberais crédulos inventam novos programas governamentais destinados a diminuir ou suavizar o impacto da Inteligência artificial no emprego. Mais uma vez, o acordo tácito não consiste em questionar se o problema vem do capitalismo, nem em buscar a possibilidade de uma mudança do sistema como solução para esse problema.
Numa economia baseada em cooperativas de trabalhadores, os empregados seriam coletivamente os seus próprios empregadores. A estrutura central das empresas do capitalismo – o sistema empregador versus empregado – já não prevaleceria. A implementação da tecnologia seria então uma decisão coletiva tomada democraticamente.
Com a ausência da divisão empregador versus empregado do capitalismo, a decisão sobre quando, onde e como usar a Inteligência artificial, por exemplo, tornar-se-ia tarefa e responsabilidade dos empregados como um todo coletivo. Eles poderiam considerar a lucratividade do empreendimento entre seus objetivos com o uso da Inteligência artificial, mas certamente considerariam também o ganho em lazer que isso possibilita. As cooperativas de trabalhadores tomam decisões diferentes das tomadas pelas empresas capitalistas. Diferentes sistemas econômicos afetam e moldam as sociedades em que operam de forma diferente.
Ao longo da história do capitalismo, os empregadores e os seus ideólogos aprenderam a melhor forma de defender mudanças tecnológicas que pudessem aumentar os lucros. Eles celebraram essas mudanças como avanços na engenhosidade humana, merecendo o apoio de todos. Os indivíduos que sofreram devido a estes avanços tecnológicos foram rejeitados como “o preço a pagar pelo progresso social”. Se aqueles que sofreram se revoltaram, acabaram sendo denunciados por terem um comportamento antissocial – muitas vezes foram também criminalizados.
Tal como aconteceu com os avanços tecnológicos anteriores, a Inteligência artificial coloca na agenda da sociedade tanto questões novas como questões antigas e controversas. A importância da Inteligência artificial não se limita aos ganhos de produtividade que alcança e às perdas de emprego que ameaça.
A Inteligência artificial também desafia – mais uma vez – a decisão social de preservar a divisão empregador-empregado como a organização básica das empresas. No passado do capitalismo, apenas os empregadores tomavam as decisões cujos resultados os empregados tinham de conviver e aceitar. Talvez com a Inteligência artificial, os trabalhadores passem a exigir que as decisões sejam tomadas tendo em vista uma mudança de sistema para além do capitalismo, em direção a uma alternativa baseada em cooperativas de trabalhadores.
Richard D. Wolff é economista. Fundou o portal Democracy at Work. Autor, entre outros livros, de Capitalism’s Crisis Deepens (Haymarket).
Tradução: Eleutério F. S. Prado.
Publicado originalmente no portal Counterpunch.
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