Por FERNANDO NOGUEIRA DA COSTA*
O poder da máquina de desinformação é o fermento da extrema direita tupiniquim
A política de tolerância do liberalismo se refere ao direito assegurado pela maioria à minoria. Não à toa, a esquerda norte-americana, minoritária no seu país, se autodenomina “liberal”. Democracia liberal não permite o extermínio de adversários.
Liberdade: quem não a deseja para si? A diferença ideológica é o desejo individualista de tirar a liberdade de adversários, quiçá, no caso extremista do neofascismo tupiniquim, exterminá-los.
Essa ambição humanitária e universal da própria liberdade, para ser critério de definição de uma determinada ideologia, exigiria a liberdade de expressão ser concedida para quem propagandeia contra essa própria liberdade? As demais ideologias não toleram a intolerância dos pregadores derrotados contra a democracia eleitoral!
O neoliberalismo brasileiro, em sua prática, privilegia apenas a sua própria liberdade econômica e não se importa com a “igualdade de oportunidades” para todos, defendida pelo liberalismo clássico. O mote dos Faria Limers é defender, sobretudo, o austericídio (austeridade + suicídio), provocado pelos contínuos cortes de gastos públicos. Combatem o propósito de aumento da carga tributária progressiva com base na ameaça fantasiosa de insolvência na capacidade estatal de resgate dos títulos de dívida pública.
Pior, os incultos da classe média baixa (renda entre 2-5 salários-mínimos) se imaginam enriquecidos por conta própria e, por isso, poderem dispensar as políticas públicas. Ledo engano: os ruralistas/interioranos dispensariam o crédito agrícola subsidiado? Ficariam indiferentes à necessidade de saúde pública, educação pública e assistência aos miseráveis mais necessitados? Os sulistas e os habitantes do faroeste de Terrae Brasilis com o livre-armamentismo dispensariam a segurança pública por se sentirem invulneráveis ao dispor de armas para ameaçar adversários e cometer assassinatos?
Os liberais igualitários defendem a liberdade, mas não a liberdade de atacar “os outros” e/ou a liberdade absoluta de expressão, inclusive contra o Estado de Direito democrático. Os conservadores de centro-direita têm medo da mudança da hierarquia social e criticam os limites da razão humana em recriar a sociedade.
E os fascistas? Os tupiniquins vestem a camisa da corrupta CBF e não são nacionalistas no sentido de defender um renascimento nacional – tornar o país grande novamente com a retomada planejada do crescimento sustentado (e sustentável) em longo prazo.
A distinção histórica de fascistas se dá por sua glorificação da luta violenta e da coragem marcial. Defendem a pauta de costumes conservadores com rígidas hierarquias de gênero, regionais e raciais. Os xenófobos sulistas não escondem seu racismo e cantam o hino nacional fazendo a saudação nazista!
A ascensão de Hitler é incompreensível sem a emergência das assassinas milícias de direita na Alemanha, no contexto hiperinflacionário da década de 1920, quando “a vida nada valia”. Aqui, os aliados dos milicianos clamam para os militares atentarem contra a democracia e voltarem com a violência contra seus adversários de esquerda.
No estertor do desgoverno derrotado nas urnas, seu “legalismo autocrático”, aliado ao Centrão, sancionou a legislação de maneiras processualmente corretas. Ela permitiu a (re)eleição dos aliados da direita. Permite o aparelho repressivo do Estado ficar omisso e/ou não punir quem age contra o Estado de Direito.
Elisabeth Roudinesco, psicanalista biógrafa de Freud e Lacan, acredita as redes sociais, o individualismo e o narcisismo incentivam um equivocado engajamento coletivo. Como resultado, muitas pessoas assumem posições identitárias, nacionalistas, xenófobas.
Os estúpidos neofascistas ainda não conseguem fazer o ameaçado por eles. O dito soa desagradavelmente como uma cacofonia. Essas pessoas ignorantes são capazes de tudo.
Nas três últimas décadas, devido à globalização do mercado mundial, com produção industrial massiva na Ásia, os operários ocidentais tiveram perda do poder de barganha sindical e piora na distribuição de renda a seu favor. Com a precarização do trabalho, o ambiente “salve-se-quem-puder” se tornou a lei de sobrevivência para a maioria. A ascensão e a queda da mobilidade social impõem agora sua recuperação pela esquerda.
Muitos “batalhadores informais” abandonaram a esquerda. Esta, por sua vez, abandonou a ideia de revolucionar o mundo. Logo, a ameaça comunista ficou anacrônica, apesar de ainda enganar a inculta massa de manobra – e os caminhões de manobra para bloqueio das estradas! Resta à plebe ignara – evangélicos (sic) inocentes úteis – a reza frente aos muros dos quartéis pela proteção militar!
Esse novo fascismo é mais próximo de Mussolini em vez de Hitler. O fascismo se baseava na superioridade dos brancos, mas não no extermínio dos outros, como o nazismo. Os defensores da ditadura, contando com apoio empresarial (comerciantes e fazendeiros) e do protestantismo, aqui se concentra no anticomunismo, não na pureza racial.
Defendem o Império das Armas, em seus territórios rurais, e divulgam as mitologias da rede de ódio. São contrários ao internacionalismo característico da esquerda.
A militância de extrema direita tupiniquim acredita em “guerra santa contra pedófilos adoradores de Satanás”. São espantosas suas fantasias. Vestidos de verde-amarelos comemoraram ajoelhados e aos prantos a imaginária “prisão” do ministro Alexandre de Moraes. O comerciante pernambucano Junior Cesar Peixoto seguiu estrada afora, agarrado à boleia do caminhão fura-bloqueio. Dizem, a armada deputada – aquela com arma em punho trombando contra a parede em via pública – teria sequestrado um avião em fuga para os States, dependurada no seu para-brisa… e empunhando sua arma!
O poder da máquina de desinformação é o fermento da extrema direita. Os valores conservadores se enraizaram em núcleos familiares evangélicos pela pregação diuturna dos pastores a favor dos dízimos e contra as conquistas de gênero.
Temos de destacar o ridículo do renascimento da Ku Klux Klan [KKK] em Terrae Brasilis. Resta-nos usar a arma do humor para desmoralizar as ações violentas contra o Estado de Direito. Fundada no Tennessee-EUA, no período imediatamente seguinte à Guerra de Secessão, por seis ex-soldados confederados e advogados iniciantes, se viam como um círculo de pessoas com ideias em comum sobre a supremacia branca — daí o nome escolhido, “kuklux“, leve alteração da palavra grega kuklos com significado de “círculo“. A ela acrescentaram “klan” pois todos tinham ascendência no clã militar.
A Jovem Klan se escondia, usando lençóis brancos e capuzes feitos de fronhas, para aterrorizar e matar escravos alforriados. Entre os líderes havia ex-generais confederados e seus maiores defensores eram proprietários de fazendas agrícolas.
A Jovem Klan praticava o terror por meio de panfletagem, linchamentos, incêndios, castrações, surras e muitas outras formas de intimidação. Os alvos eram ex-escravos e quaisquer brancos defensores, para os negros, do direito ao voto, à propriedade de terras ou à instrução.
A KKK era uma sociedade secreta, com senhas e códigos gestuais, mas seu verdadeiro poder residia no fomentado temor público. Afinal, a Ku Klux Klan e as autoridades responsáveis pela manutenção da ordem eram companheiras de armas.
Porém, um devotado inimigo do preconceito racial, destemido e meio insensato resolveu aderir à KKK como espião. Descobriu as identidades dos líderes locais e regionais e decifrou a hierarquia, os rituais e a linguagem usada nela. Muitos dos costumes do grupo soavam ridiculamente estúpidos para quem os via de fora.
No entanto, o espião logo descobriu um fato básico da vida na KKK – e do terrorismo em geral: a maioria das ameaças de violência não passava jamais do estágio da ameaça. Era “tigrão” contra os trabalhadores e “tchutchuca” com os ricos e privilegiados…
A KKK descoberta consistia em um arremedo de fraternidade de indivíduos, a maioria deles com pouca instrução e poucas perspectivas, necessitados de um lugar para se revelar e passar seu longo tempo de vagabundagem – como em bloqueios de estradas ou em frente a quartéis. Essa fraternidade promovia a cantoria de hinos religiosos, a prestação de juramentos e a entoação de louvores a si própria – tudo de forma ultrassecreta – de modo a tornar mais sedutora.
Na verdade, a KKK era uma operação financeira vigarista para aqueles em seu topo. Seus membros contribuíam e empresários reacionários doavam muito dinheiro.
O membro infiltrado viu um grupo de meninos se divertirem com um jogo de espionagem com uso de senhas secretas tolas. Isso o fez lembrar da KKK.
Não seria interessante, pensou, passar para as crianças em todo o país as senhas e o restante dos segredos da organização? Qual melhor maneira haveria de podar as garras de uma sociedade secreta senão infantilizar ao tornar públicas suas mais secretas informações e maquinações?
O canal ideal para sua missão foi o programa de rádio As Aventuras do Super-Homem, para milhões de ouvintes em cadeia nacional. O Super-Homem passara anos lutando contra Hitler e Mussolini, mas a II Guerra terminara e ele precisava de novos vilões.
Queixaram-se os membros da KKK, “meu filho e um bando de amiguinhos estavam brincando. Uns tinham toalhas amarradas ao pescoço, como capas, e outros usavam fronhas na cabeça. Os das capas perseguiam os das fronhas. Era uma nova brincadeira de polícia e ladrão, chamada O Super-Homem contra a Klan.
Eles sabiam as senhas e tudo o mais da câmara de eco. Os adeptos da bolha nunca se sentiram tão ridículos na vida! Seus próprios filhos os descobririam vestindo o lençol branco da Klan?” KKK, pronto, ela acabou com a ridicularização pública.
*Fernando Nogueira da Costa é professor titular do Instituto de Economia da Unicamp. Autor, entre outros livros, de Rede de apoio e enriquecimento. Disponível em https://fernandonogueiracosta.wordpress.com/2022/09/20/rede-de-apoio-e-enriquecimento-baixe-o-livro/
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