Mentes de colmeia

Imagem_Marcio Costa
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por ALEXANDRE ARAGÃO DE ALBUQUERQUE*

O descaso com as 100 mil mortes, tratando essa tragédia como algo que não lhe diz respeito, dizendo que é preciso se “safar” dela, é mais uma tática imoral da guerra híbrida desmoralizadora do Brasil

O pandecinismo do governo federal, do assim chamado presidente Bolsonaro, teve em sua “live” pessoal do dia 06 de agosto mais uma expressão pensada e pronunciada da essência de sua filosofia política: “tocar a vida e se safar desse problema”. O problema a se “safar”, outrora denominado por Bolsonaro de “gripezinha”, que, segundo ele, atingiria fatalmente no máximo umas 800 pessoas, vitimou até sábado passado 100.477 (cem mil, quatrocentos e setenta e sete) brasileiros. Esses óbitos corridos a partir de março representam até então mais do que a população inteira da cidade de Mogi Mirim – SP. Do dicionário do filólogo Antônio Houaiss encontra-se que “Safar” é sinônimo de escapar, driblar, fugir. É o vocábulo de onde se origina a palavra Safado, sinônimo de trapaceiro, descarado e cínico.

Com o governo Bolsonaro, o Brasil encontra-se em plena colheita dos frutos do Golpe plantado em 2016 pela guerra híbrida, iniciada com as manifestações de rua em 2013, perpetrada pelos EUA por meio dos golpistas locais sociais, políticos, econômicos, jurídicos, midiáticos e militares. Como atesta o general estrategista chinês Sun Tzu (496 a.C.), em A arte da guerra, o mérito supremo consiste em quebrar a resistência do inimigo sem lutar. Para ele, a guerra indireta é uma das formas mais eficazes de combate ao economizar recursos que seriam despendidos em um confronto direto, além de manter a boa imagem do país agressor que permanece ocultado pelas estratégias e táticas híbridas.

Se no passado a guerra convencional foi marcada por bombardeios e tanques de guerra, no presente os EUA vêm aplicando, como na Síria e na Ucrânia, um modelo de guerra marcada pela ação de “manifestantes de rua e digitais” e “insurgentes”, protagonistas que se apresentam como desvinculados do Estado e dos Partidos Políticos, comportando-se publicamente como agentes da sociedade civil. As mídias sociais e tecnológicas, como Facebook e Twitter, substituem as armas convencionais, atuando com precisão cirúrgica na manipulação e orientação do covil dos novos “militantes”.

Em seu livro Guerras híbridas, publicado no Brasil em 2018 pela editora Expressão Popular, o jornalista Andrew Korybko demonstra que esse modelo inicia-se com a implantação de “revoluções coloridas”, como tentativas de golpes brandos; no contexto de guerra híbrida essas massas se insurgem contra os centros simbólicos e administrativos do poder, a fim de provocar a troca de regime, como ocorreu o Brasil nos ataques ao governo Dilma Rousseff (centro administrativo) e ao ex-presidente Lula e ao PT (centros simbólicos).

Korybko apresenta o conceito de Mente de Colmeia, objetivo central da inteligência estrangeira ao infiltrar-se e operar nas redes sociais (MBL, Vem pra Rua, Nas Ruas, Revoltados On-Line etc.), por meio de princípios de guerra em rede. Essa mente de colmeia faz então que seus membros formem um Enxame contra os alvos de maneira aparentemente caótica para leva-los ao colapso. A finalidade é reunir o máximo possível de pessoas que vieram indiretamente a compartilhar daquelas convicções contra o governo, como ocorreu com muitos de nossos amigos e amigas que hoje estão arrependidos, mas imobilizados e passivos, pelo fato de o litro da gasolina custar R$4,50 e o dólar R$5,45: quando reclamaram e foram para as ruas contra Dilma Rousseff, esses preços eram 50% mais baratos.

A inteligência estrangeira trabalha com a missão de “programar essas mentes” por meio de táticas de ataque para que desejem ativamente provocar mudanças quando a decisão de iniciar as agitações civis for tomada. Essa programação permite que partes díspares tornem-se “uma só mente, um só coração”, para mobilizarem-se como uma unidade, como uma consciência coletiva. A mídia hegemônica joga um papel fundamental uma vez que cabe a ela a função primordial mais ampla que consiste em interpretar > reificar as informações > transportar > transmitir as mensagens de um lugar a outro, para reforçar a geração artificial da discordância contra um determinado governo. Toda essa desestabilização deve sua gênese ao papel insubstituível das mídias. Os enxames são uma forma deliberadamente estruturada, coordenada e estratégica para atacar de todos os lados, por meio de uma pulsação sustentável de força e fogo, tanto de perto quanto de longe, como bandos organizados em aglomerados.

Portanto, boa parte do que é publicado e veiculado pelas mídias sociais, como Twitter e Facebook, por parte dos operadores oficiais governamentais, compõe a estratégia de guerra. Esses ativistas não só reproduzem em alta escala tudo o que é tornado público, como também editam em favor dos seus interesses os conteúdos de forma a alimentar as mentes de sua colmeia. O descaso com as 100 mil mortes, tratando essa tragédia como algo que não lhe diz respeito, dizendo que é preciso se “safar” dela, é mais uma tática imoral da guerra híbrida desmoralizadora do Brasil.

*Alexandre Aragão de Albuquerque é mestre em Políticas Públicas e Sociedade pela Universidade Estadual do Ceará (UECE)

Veja neste link todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

__________________
  • Um estudo do caso Ailton Krenak1974__Identidade ignorada 21/07/2024 Por MARIA SILVIA CINTRA MARTINS: Prefiro sonhar com Krenak o parentesco com a natureza e com as pedras do que embarcar na naturalização do genocídio
  • Clarice Lispector no cinemacultura a paixão segundo g.h. 22/07/2024 Por LUCIANA MOLINA: Comentário sobre três adaptações cinematográficas da obra de Clarice Lispector
  • O princípio de autodestruiçãoLeonardo Boff 25/07/2024 Por LEONARDO BOFF: Qual ciência é boa para a transformação mundial?
  • Filosofia da práxis como poiésiscultura lenora de barros 24/07/2024 Por GENILDO FERREIRA DA SILVA & JOSÉ CRISÓSTOMO DE SOUZA: Fazer filosofia é, para o Poética, fazer filosofia contemporânea, crítica e temática
  • Que horas são no relógio de guerra da OTAN?José Luís Fiori 17/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: Os ponteiros do “relógio da guerra mundial” estão se movendo de forma cada vez mais acelerada
  • Apagão digitalSergio Amadeu da Silveira 22/07/2024 Por SÉRGIO AMADEU DA SILVEIRA: A catástrofe algorítmica e a nuvem do “apagão”
  • A disputa de Taiwan e a inovação tecnológica na ChinaChina Flag 20/07/2024 Por JOSÉ LUÍS FIORI: A China já é hoje a líder mundial em 37 das 44 tecnologias consideradas mais importantes para o desenvolvimento econômico e militar do futuro
  • A produção ensaística de Ailton Krenakcultura gotas transp 11/07/2024 Por FILIPE DE FREITAS GONÇALVES: Ao radicalizar sua crítica ao capitalismo, Krenak esquece de que o que está levando o mundo a seu fim é o sistema econômico e social em que vivemos e não nossa separação da natureza
  • A radicalidade da vida estéticacultura 04 20/07/2024 Por AMANDA DE ALMEIDA ROMÃO: O sentido da vida para Contardo Calligaris
  • A questão agrária no Brasil — segundo Octávio IanniJose-Raimundo-Trindade2 19/07/2024 Por JOSÉ RAIMUNDO TRINDADE: As contribuições de Ianni podem auxiliar a reformular o debate agrário brasileiro, sendo que as obras do autor nos apontam os eixos para se repensar a estrutura fundiária brasileira

PESQUISAR

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES