Mnemo e mais

Elis Eriksson, Liten dans, 1959
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Por ANTONIO SIMPLICIO DE ALMEIDA NETO*

Quatro poemas

Fome

O cão faminto
Fareja a poesia.
Poesia a comida e
Fareja.
Famélico farejar
Poietico.
Canina poesia faminta.

Fareja
E não
Come.

Sob a morte

Desaba-acaba – finda – nada,
Ex-aura.
Fenece o tempo – e nada.
Finda – nada.
A fala cala.
A vida, noves fora, nada.
A voz embarga.
O corpo tomba – afrouxa,
Afronta e fende – lacera e pende.
Exangue.
A vista – lívida – embaça.
Desaba,
Estanca e corta – engessa e cessa,
O gesto – funesto.
Infausto!
Nada resta.
Finda a voz – o olhar embota,
O ódio inana,
O projeto balda.
A memória vórtice

D e s v a n e c e n t e
Desaba-acaba – finda – nada.

Desvão

Anseio, inquieto,
Seu retorno, seu regresso.
Acesso uns guardados,
Lampejos, penduricalhos
[sabenças, sertões, périplos, lições, histórias, não-lugares, Timboteuas, Curimatãs]

Exausto, incerto,
Espectro trôpego, cambão mnemônico.
Vacilo no desvão da casa velha
Desperto na re-presentação
[terra, trabalho, abacates, hortênsias, porão, quaresmeira, abelhinhas, coqueiros-coquinhos, mandacarus e xique-xiques]

Incorpóreo afeto,
Epidérmica presença-ausência.
Não cessa, volteia volátil.
A memória movediça, triz
[litania loquaz: agrestes e gris, melancólica luz, parás-cearás vaus, sãopaulos vis]

Lua Supérflua (2020_3)

Superlua, quase
Supérflua,
Brilhando sobre a horda brasílica
Que relincha ao rocinante de Brasília – trotando,
Que destrói guajajaras e marielles.
E a lua, Superlua!…, quase
Supérflua,
Nas trevas que encobrem e impedem
Ver escombros no presente.
E nem o anjo torto pressente,
Ao luar da Superlua, quase
Supérflua,
Tantos fragmentos e cacos
De ecos do passado de chumbo recente
Obnubilados por nuvens de rancor e fel.
Mais além e logo ali,
A lua, a Superlua evém!

*Antonio Simplicio de Almeida Neto é professor do Departamento de História da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). Autor, entre outros livros, de Representações utópicas no ensino de história (Ed. Unifesp). [https://amzn.to/4bYIdly]


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