Moraes vs. Musk – 1º round

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por JOÃO FERES JR.*

Para realmente atingir Alexandre de Moraes, Elon Musk precisaria financiar uma campanha contra o ministro que fosse capaz de romper a bolha bolsonarista

Como já mostrou Nicolau Maquiavel, circunstâncias extraordinárias pedem medidas extraordinárias para resolvê-las.

O Brasil entrou em um período prolongado de crise institucional desde a eleição de 2014, quando após constatada a derrota do candidato da direita, forças políticas, a grande imprensa e parte do sistema de justiça se juntaram na missão de sacar o PT do poder.

Essa campanha começou com os ataques de Aécio Neves ao sistema eleitoral, mas logo foi seguida pela intensificação avassaladora da Lava Jato, como uma cobertura de mídia super distorcida, seguida das campanhas pela remoção de Dilma Rousseff, seu impeachment, o governo ilegítimo de Michel Temer, a perseguição criminal e prisão de Lula, e a consequente cassação de seus direitos políticos, já em 2018.

Esses fatos críticos em sequência foram conduzidos sempre no limite da legalidade, com as instituições sendo esticadas no limite da ruptura. Só para dar alguns exemplos, Michel Temer coloca um militar à frente do Ministério da Defesa, o general Augusto Heleno dá declaração pública ameaçando o Supremo quando do julgamento do habeas corpus de Lula, Deltan Dallagnol e sua equipe de procuradores entra ao vivo na rede Globo para ameaçar o Congresso quando da votação das “10 medidas contra a corrupção”. Todo esse preâmbulo de desgaste institucional criou condições para a vitória de Jair Bolsonaro em 2018.

Sob Jair Bolsonaro o esgarçamento institucional somente piorou. Além do atrito constante entre o presidente e o Supremo, uma enorme deturpação institucional feita pelo presidente foi a transferência massiva do orçamento da União para o Congresso por meio da intensificação do Orçamento Secreto. A isso se soma o ataque sistemático encetado por ele e seus apoiadores contra o sistema eleitoral. E por fim, tivemos algumas tentativas de golpe após a derrota eleitoral.

Em suma, em uma situação dessas, de alto risco para a sobrevivência de democracia brasileira, é preciso de pessoas que ajam de maneira resoluta, mesmo que suas decisões possam ser também no limite da institucionalidade. Esse era um problema já conhecido por Jaen-Jacques Rousseau e Denis Diderot: as instituições valem até certo ponto, pois dependem de um mínimo de boa fé dos participantes.

A equação é mais ou menos assim: a grande vantagem das instituições é que elas funcionam sem assumir como premissa a virtude dos participantes. Contudo, elas raramente resistem ao assalto prolongado de sabotadores, particularmente se esses sabotadores almejam alterar o status quo a fim de que se livrem de qualquer sansão se vitoriosos.

Já em tempos de crise, aí a virtude se faz necessária. A virtude verdadeiramente maquiavélica de não se prender estritamente a padrões sancionados de comportamento. 

Ex-secretário da Segurança Pública do Estado de São Paulo durante o governo de Geraldo Alckmin, Alexandre de Moraes foi escolhido por Michel Temer para ocupar vaga no Supremo, ou seja, ele advém da direita do espectro político. Contudo, está se mostrando capaz de enfrentar as maiores ameaças à democracia brasileira e está fazendo isso sem maiores abusos institucionais.

Os bolsonaristas rapidamente agarraram a oportunidade de utilizar as declarações de Elon Musk como mais um conteúdo na sua batalha cotidiana pela opinião pública. Elon Musk é um ícone dos novos tempos, herói do empreendedorismo para uns e monstro desumano para outros. Além de ser uma figura midiática, tem poder econômico.

Contudo, Alexandre de Moraes está razoavelmente blindado nesse início de contenda. Para realmente atingir o ministro, Elon Musk precisaria financiar uma campanha contra o ministro que fosse capaz de romper a bolha bolsonarista. Mas isso deixaria rastros e indisporia todo o STF contra ele e suas empresas.

A dollar diplomacy terminou há mais de cem anos, mas a promoção de interesses comerciais privados sempre figurou com destaque nas relações dos EUA com os países do sul, inclusive o Brasil. Se os tempos fossem outros, talvez tentassem empurrar por nossa goela abaixo sua concepção absolutista do direito de expressão. De qualquer maneira, não custa nada nos precavermos, pois alguns meios de comunicação ensaiam alinhamento com Elon Musk, por mais que seus interesses econômicos não sejam os mesmos das big techs que controlam as redes sociais.

*João Feres Júnior é professor de ciência política do IESP-UERJ. Coordena o Grupo de Estudos Multidisciplinares da Ação Afirmativa (GEMAA) e o Laboratório de Estudos de Mídia e Espaço Público (LEMEP).


A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Dênis de Moraes Boaventura de Sousa Santos Fábio Konder Comparato Maria Rita Kehl Tadeu Valadares Tales Ab'Sáber Jean Pierre Chauvin Luis Felipe Miguel Eliziário Andrade Lincoln Secco Alysson Leandro Mascaro Claudio Katz Ronald León Núñez Vanderlei Tenório Berenice Bento Remy José Fontana Fernão Pessoa Ramos Ricardo Fabbrini João Adolfo Hansen Michel Goulart da Silva Manuel Domingos Neto Elias Jabbour Ari Marcelo Solon Vladimir Safatle Leonardo Avritzer Marcelo Guimarães Lima Luiz Werneck Vianna Francisco de Oliveira Barros Júnior Daniel Costa Eduardo Borges Denilson Cordeiro Antônio Sales Rios Neto Jean Marc Von Der Weid Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Andrew Korybko José Raimundo Trindade Thomas Piketty Julian Rodrigues Juarez Guimarães Marcos Aurélio da Silva Vinício Carrilho Martinez Lucas Fiaschetti Estevez Ronald Rocha Milton Pinheiro Mário Maestri Yuri Martins-Fontes Samuel Kilsztajn Antonio Martins Rodrigo de Faria Walnice Nogueira Galvão Daniel Brazil André Singer Gabriel Cohn João Feres Júnior Celso Favaretto João Paulo Ayub Fonseca Henry Burnett José Costa Júnior Rubens Pinto Lyra Chico Whitaker Tarso Genro Flávio R. Kothe André Márcio Neves Soares Sergio Amadeu da Silveira José Dirceu Marjorie C. Marona Anselm Jappe Airton Paschoa Heraldo Campos Manchetômetro Michael Roberts Gilberto Lopes Bruno Fabricio Alcebino da Silva José Luís Fiori Marilena Chauí Luiz Carlos Bresser-Pereira João Sette Whitaker Ferreira Annateresa Fabris Rafael R. Ioris Afrânio Catani Slavoj Žižek Ricardo Musse Chico Alencar Marcelo Módolo João Carlos Salles José Geraldo Couto Jorge Branco Luiz Eduardo Soares Carlos Tautz Eugênio Trivinho Leonardo Sacramento Bento Prado Jr. Renato Dagnino Anderson Alves Esteves Érico Andrade Atilio A. Boron Sandra Bitencourt Paulo Capel Narvai Henri Acselrad Gilberto Maringoni Luiz Renato Martins Lorenzo Vitral Ricardo Abramovay Bernardo Ricupero Dennis Oliveira Benicio Viero Schmidt Eugênio Bucci Ladislau Dowbor Paulo Fernandes Silveira Alexandre Aragão de Albuquerque Paulo Martins João Carlos Loebens Celso Frederico José Machado Moita Neto Daniel Afonso da Silva Carla Teixeira Luís Fernando Vitagliano João Lanari Bo Caio Bugiato Eleonora Albano José Micaelson Lacerda Morais Everaldo de Oliveira Andrade Mariarosaria Fabris Luiz Marques Plínio de Arruda Sampaio Jr. Liszt Vieira Armando Boito Flávio Aguiar Francisco Fernandes Ladeira Paulo Sérgio Pinheiro Priscila Figueiredo Osvaldo Coggiola Andrés del Río Valerio Arcary Luiz Bernardo Pericás Alexandre de Lima Castro Tranjan Marcus Ianoni Kátia Gerab Baggio Jorge Luiz Souto Maior Matheus Silveira de Souza Antonino Infranca Fernando Nogueira da Costa Luiz Roberto Alves Paulo Nogueira Batista Jr Otaviano Helene Luciano Nascimento Marilia Pacheco Fiorillo Ronaldo Tadeu de Souza Salem Nasser Bruno Machado Leonardo Boff Leda Maria Paulani Marcos Silva Michael Löwy Igor Felippe Santos Francisco Pereira de Farias Alexandre de Freitas Barbosa Gerson Almeida Eleutério F. S. Prado Ricardo Antunes

NOVAS PUBLICAÇÕES