Nota sobre a eleição

Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por LISZT VIEIRA*

A vitória de Lula no primeiro turno teria mais força para afastar qualquer tentativa de golpe

As análises políticas sobre a eleição e seus resultados podem ser resumidas em dois tipos principais. As que afirmam um único cenário, e as que analisam diversos cenários, mesmo admitindo a maior probabilidade de um deles.

Em geral, os analistas influenciados pelas ciências sociais estão acostumados a trabalhar com diversos cenários, muitas vezes comparando-os entre si. Trabalham, portanto, com a complexidade da conjuntura política, buscando averiguar o papel e o peso de seus principais atores.

Já os “políticos”, profissionais ou não, tendem a analisar um único cenário, e exagerar seus resultados para melhor obter proveito, seja ou não pessoal. Assim, é comum encontrarmos o golpe militar como único cenário pós-eleitoral, em caso de derrota de Bolsonaro. Sem dúvida, é um cenário possível, mas está longe de ser o único.

Os comandos superiores do Exército já se manifestaram contra qualquer aventura golpista. Dificilmente, policiais militares, milicianos ou sócios das CACs agiriam sem a cobertura militar. Isso não impede a possibilidade de ações isoladas, provavelmente a serem estimuladas pelo capitão perdedor. O que pode ocorrer é imprevisível, o presidente perdedor será tentado a imitar Donald Trump e sua invasão do Capitólio, mas, aconteça o que acontecer, não teria potencialidade de mudar o resultado eleitoral.

Claro que isso é uma hipótese. Mas trata-se de uma hipótese fundada na atuação firme da sociedade civil, com destaque para as manifestações Fora Bolsonaro do ano passado e para os diversos atos políticos este ano, como a Carta Pela Democracia que alcançou mais de um milhão de assinaturas. Além disso, é justo citar a atuação firme do STF em defesa do calendário eleitoral, e do TSE em defesa da urna eletrônica, barrando a tentativa de virar a mesa, por parte de alguns militares.

Last, but not least, o governo dos EUA tem pressionado em favor do processo eleitoral brasileiro. Já enviou três diplomatas para defender a urna eletrônica e dar um recado aos militares: nada de golpe! Mesmo a Procuradoria Geral da República – que desmoralizou o Ministério Público ao se transformar em escritório de defesa criminal de Bolsonaro – não se atreveu a intrometer-se no calendário eleitoral. Assim, tendo em vista a pressão da sociedade e a conjuntura internacional, a hipótese de ocorrer a eleição e seu resultado ser respeitado não pode ser afastada, como tem ocorrido com análises recentes que repercutem mais as bravatas do candidato B. do que a correlação de forças.

Os políticos, sejam ou não profissionais, comportam-se principalmente em função de duas características principais: a força e o interesse. Suas posições mudam com o tempo, uma vez que o interesse e a força são mutáveis. Assim, é comum um político mudar de posição ou de partido que, aliás, no Brasil não significa nada, é mera agremiação sem princípios.

Já aqueles que agem em função de suas ideias, mudam muito mais raramente, pois as ideias não mudam com a velocidade dos interesses e da correlação de forças. Mesmo em nosso meio, apoiando a campanha de Lula, encontramos companheiros que em 2018 defendiam Sergio Moro e apoiavam a prisão de Lula. Ou que se manifestaram no princípio deste ano contra a frente ampla para derrotar o presidente candidato, e agora apoiam com entusiasmo a frente ampla contra o fascismo.

Quando se trata de analisar a conjuntura política, os “políticos” mudam com muita facilidade em função de seus interesses e da nova correlação de forças. Já os “ideológicos” são mais fiéis a seus princípios e posições políticas. Os primeiros tendem a ser mais conclusivos em suas análises de cenário único, enquanto os segundos são mais cuidadosos e admitem vários cenários.

Mas há um elemento comum: o que Jair Bolsonaro vai dizer, todo mundo sabe. Vai dizer que venceu e que houve fraude na apuração. A questão no ar é o que farão os seus apoiadores. Uma das poucas certezas que podemos ter às vésperas da eleição é que a vitória de Lula no primeiro turno teria mais força para afastar qualquer tentativa de golpe, seja de que forma for, do que um penoso segundo turno, pleno de armadilhas e provável violência, mesmo com a vitória praticamente certa de Lula, segundo as pesquisas.

Nos últimos dias que antecedem a eleição, a campanha pelo voto útil dos eleitores de Ciro Gomes, de Simone Tebet e eleitores ainda indecisos torna-se a grande prioridade que pode garantir a vitória no primeiro turno. É a tarefa do momento.

*Liszt Vieira é professor de sociologia aposentado da PUC-Rio. Foi deputado (PT-RJ) e Coordenador do Fórum Global da Conferência Rio 92. Autor, entre outros livros, de A democracia reage (Garamond).

 

O site A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores. Ajude-nos a manter esta ideia.
Clique aqui e veja como

Veja todos artigos de

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Bolsonarismo – entre o empreendedorismo e o autoritarismo
Por CARLOS OCKÉ: A ligação entre bolsonarismo e neoliberalismo tem laços profundos amarrados nessa figura mitológica do "poupador"
Fim do Qualis?
Por RENATO FRANCISCO DOS SANTOS PAULA: A não exigência de critérios de qualidade na editoria dos periódicos vai remeter pesquisadores, sem dó ou piedade, para um submundo perverso que já existe no meio acadêmico: o mundo da competição, agora subsidiado pela subjetividade mercantil
Carinhosamente sua
Por MARIAROSARIA FABRIS: Uma história que Pablo Larraín não contou no filme “Maria”
O marxismo neoliberal da USP
Por LUIZ CARLOS BRESSER-PEREIRA: Fábio Mascaro Querido acaba de dar uma notável contribuição à história intelectual do Brasil ao publicar “Lugar periférico, ideias modernas”, no qual estuda o que ele denomina “marxismo acadêmico da USP
Distorções do grunge
Por HELCIO HERBERT NETO: O desamparo da vida em Seattle ia na direção oposta aos yuppies de Wall Street. E a desilusão não era uma performance vazia
Carlos Diegues (1940-2025)
Por VICTOR SANTOS VIGNERON: Considerações sobre a trajetória e vida de Cacá Diegues
O jogo claro/escuro de Ainda estou aqui
Por FLÁVIO AGUIAR: Considerações sobre o filme dirigido por Walter Salles
Cinismo e falência da crítica
Por VLADIMIR SAFATLE: Prefácio do autor à segunda edição, recém-publicada
A força econômica da doença
Por RICARDO ABRAMOVAY: Parcela significativa do boom econômico norte-americano é gerada pela doença. E o que propaga e pereniza a doença é o empenho meticuloso em difundir em larga escala o vício
A estratégia norte-americana de “destruição inovadora”
Por JOSÉ LUÍS FIORI: Do ponto de vista geopolítico o projeto Trump pode estar apontando na direção de um grande acordo “imperial” tripartite, entre EUA, Rússia e China
Veja todos artigos de

PESQUISAR

Pesquisar

TEMAS

NOVAS PUBLICAÇÕES