Nota sobre a padronização da cultura

Imagem: Julio Nery
Whatsapp
Facebook
Twitter
Instagram
Telegram

Por PEDRO HENRIQUE M. ANICETO*

A superficialização dos objetos de cultura tem se tornado um fenômeno cada vez mais presente

No mundo contemporâneo, a superficialização dos objetos de cultura tem se tornado um fenômeno cada vez mais presente. Essa tendência pode ser compreendida sob uma lógica econômica e antropológica, relacionada à indústria cultural e à evolução das mídias sociais associadas à sociedade do espetáculo. Neste artigo, iremos explorar esse fenômeno, porém, vale ressaltar que essa análise não tem como objetivo criar juízo de valor em relação à suposta “alta” e “baixa” cultura, mas sim evidenciar um fenômeno global que ocorre no mundo contemporâneo.

A indústria cultural, conforme teorizada pelos filósofos Theodor Adorno e Max Horkheimer, descreve a produção em massa de bens culturais como filmes, músicas, programas de televisão e outros produtos midiáticos. Nessa perspectiva, a cultura é tratada como uma mercadoria e seu principal objetivo é gerar lucro. Sob essa lógica econômica, os objetos culturais são produzidos de forma padronizada, visando alcançar um público amplo e maximizar os ganhos financeiros.

Essa padronização da cultura contribui para a sua superficialização, uma que para atingir um público maior, muitas vezes é necessário simplificar e diluir os conteúdos, resultando em uma perda de complexidade e profundidade. Nesse sentido, elementos reflexivos e desafiadores são frequentemente substituídos por narrativas previsíveis e estereotipadas. Assim, a criatividade e a originalidade são sacrificadas em favor de fórmulas já testadas e comprovadas de sucesso. Por fim, a cultura se torna rasa, desprovida de significado e de uma análise mais profunda.

A evolução das mídias sociais desempenha um papel fundamental na superficialização dos objetos de cultura, já que com o surgimento e a popularização das redes sociais, a atenção do público tornou-se uma mercadoria valiosa. As plataformas digitais competem entre si pela atenção dos usuários e o conteúdo que consegue capturar essa atenção de forma rápida e fácil acaba sendo privilegiado.

Nesse contexto, a sociedade do espetáculo, conceito desenvolvido pelo filósofo Guy Debord, exerce uma influência significativa, uma vez que valoriza a imagem e a aparência em detrimento da essência e do conteúdo. Nas redes sociais, é comum observar a busca por uma imagem perfeita, o culto à superficialidade e o consumo instantâneo. A atenção do público é frequentemente direcionada para o espetáculo momentâneo, enquanto a reflexão crítica e a análise aprofundada são deixadas de lado.

Para ilustrar esse processo de superficialização, podemos analisar algumas letras de músicas contemporâneas. Embora seja importante ressaltar que esses exemplos não refletem toda a diversidade da produção musical atual, eles nos permitem observar alguns elementos característicos desse fenômeno. Por exemplo, muitas músicas populares apresentam letras que se concentram em temas superficiais, como festas, relacionamentos superficiais, consumo excessivo e imagem corporal. As letras tendem a ser simplificadas, com estruturas repetitivas e rimas fáceis. A criatividade lírica e a profundidade temática são frequentemente sacrificadas em prol da capacidade de capturar a atenção imediata do ouvinte.

Por outro lado, ao examinarmos obras musicais de épocas anteriores, como canções dos movimentos de contracultura dos anos 1960, encontramos uma abordagem mais engajada e crítica. Letras como Blowin’ in the Wind, de Bob Dylan, ou Imagine, de John Lennon, eram marcadas por uma profundidade conceitual e um apelo à reflexão sobre questões sociais, políticas e existenciais. Essas músicas buscavam estimular a consciência do ouvinte, questionar o status quo e propor transformações sociais.

O mesmo fenômeno pode ser observado no cinema contemporâneo. Muitos filmes se concentram em narrativas superficiais, cheias de clichês e efeitos especiais deslumbrantes, mas que carecem de uma abordagem mais aprofundada dos temas. Enredos previsíveis, personagens estereotipados e diálogos simplificados são características comuns. Em contraste, clássicos do cinema, como Cidadão Kane, de Orson Welles, ou 2001: Uma Odisseia no Espaço, de Stanley Kubrick, apresentam uma complexidade narrativa e simbólica que desafia o espectador a refletir sobre os aspectos mais profundos da existência humana.

É importante ressaltar que não se trata de menosprezar ou desqualificar essas produções, mas sim de identificar um padrão presente em uma parcela significativa da música popular contemporânea. A análise dessas letras não tem como objetivo julgar a qualidade artística, mas evidenciar o processo de superficialização cultural que ocorre em nosso contexto sociocultural.

Tem-se, dessa forma, que esse é um fenômeno complexo, relacionado à lógica econômica da indústria cultural e à influência das mídias sociais associadas à sociedade do espetáculo, que resulta na perda de complexidade e profundidade dos objetos culturais, que são produzidos de forma padronizada e simplificada para atender a uma demanda de consumo imediato. A análise de letras de músicas contemporâneas nos permite observar esse processo, com ênfase em temas superficiais e estruturas líricas simplificadas.

Para lidar com essa tendência de superficialização, é necessário promover uma cultura que valorize a diversidade, a criatividade e a reflexão crítica. É importante buscar uma apreciação mais ampla e inclusiva das diversas expressões culturais, reconhecendo que a cultura é um fenômeno multifacetado e dinâmico. Somente assim poderemos desenvolver uma sociedade que valorize a profundidade e a complexidade cultural, indo além das aparências e do consumo superficial.

*Pedro Henrique M. Aniceto é graduando em ciências econômicas na Universidade Federal de Juiz de Fora (UFJF).

A Terra é Redonda existe graças aos nossos leitores e apoiadores.
Ajude-nos a manter esta ideia.
CONTRIBUA

Veja neste link todos artigos de

AUTORES

TEMAS

10 MAIS LIDOS NOS ÚLTIMOS 7 DIAS

Lista aleatória de 160 entre mais de 1.900 autores.
Eduardo Borges Berenice Bento Yuri Martins-Fontes Gilberto Lopes Tales Ab'Sáber Eleonora Albano Paulo Nogueira Batista Jr Ladislau Dowbor Eugênio Trivinho Plínio de Arruda Sampaio Jr. Flávio Aguiar Maria Rita Kehl João Feres Júnior Ronald Rocha Luciano Nascimento Manchetômetro Celso Frederico Luiz Carlos Bresser-Pereira Manuel Domingos Neto Atilio A. Boron Jean Marc Von Der Weid Carla Teixeira Francisco Fernandes Ladeira Osvaldo Coggiola Ricardo Abramovay Marilia Pacheco Fiorillo Bruno Fabricio Alcebino da Silva Antônio Sales Rios Neto Rodrigo de Faria Priscila Figueiredo Daniel Costa Eugênio Bucci Paulo Sérgio Pinheiro Fernando Nogueira da Costa Rubens Pinto Lyra Denilson Cordeiro Slavoj Žižek Annateresa Fabris Eleutério F. S. Prado Andrew Korybko Henry Burnett Everaldo de Oliveira Andrade Afrânio Catani Gabriel Cohn Alysson Leandro Mascaro Antonio Martins Michel Goulart da Silva Chico Whitaker Bento Prado Jr. Chico Alencar Valerio Arcary Sergio Amadeu da Silveira Igor Felippe Santos Paulo Capel Narvai Ari Marcelo Solon Dênis de Moraes Marjorie C. Marona João Carlos Salles Dennis Oliveira Salem Nasser Fernão Pessoa Ramos Andrés del Río Daniel Afonso da Silva Paulo Fernandes Silveira Alexandre de Oliveira Torres Carrasco Marcelo Módolo Juarez Guimarães Renato Dagnino Otaviano Helene João Paulo Ayub Fonseca José Micaelson Lacerda Morais André Singer Claudio Katz Celso Favaretto Caio Bugiato Vladimir Safatle Ricardo Antunes Leonardo Boff Ricardo Fabbrini Liszt Vieira Gilberto Maringoni Jorge Branco Marcus Ianoni Ronald León Núñez Thomas Piketty Michael Roberts Luiz Bernardo Pericás João Sette Whitaker Ferreira Luís Fernando Vitagliano Julian Rodrigues João Adolfo Hansen Eliziário Andrade Marcelo Guimarães Lima Henri Acselrad Jorge Luiz Souto Maior Lincoln Secco Francisco Pereira de Farias Bernardo Ricupero Elias Jabbour Lorenzo Vitral Vanderlei Tenório Anselm Jappe Valerio Arcary Samuel Kilsztajn Luiz Werneck Vianna Gerson Almeida Marcos Silva Luis Felipe Miguel Walnice Nogueira Galvão Érico Andrade José Geraldo Couto Luiz Renato Martins Leonardo Avritzer Jean Pierre Chauvin Milton Pinheiro Ricardo Musse Daniel Brazil Carlos Tautz Fábio Konder Comparato Alexandre de Lima Castro Tranjan Kátia Gerab Baggio Michael Löwy Leda Maria Paulani Luiz Eduardo Soares Tarso Genro José Raimundo Trindade Bruno Machado Benicio Viero Schmidt Flávio R. Kothe Matheus Silveira de Souza Vinício Carrilho Martinez Rafael R. Ioris Marcos Aurélio da Silva Sandra Bitencourt Armando Boito Marilena Chauí Francisco de Oliveira Barros Júnior Heraldo Campos José Luís Fiori André Márcio Neves Soares Ronaldo Tadeu de Souza José Dirceu Airton Paschoa Mário Maestri Antonino Infranca João Lanari Bo Alexandre Aragão de Albuquerque Boaventura de Sousa Santos Paulo Martins João Carlos Loebens José Costa Júnior José Machado Moita Neto Remy José Fontana Mariarosaria Fabris Luiz Marques Alexandre de Freitas Barbosa Lucas Fiaschetti Estevez Tadeu Valadares Leonardo Sacramento Luiz Roberto Alves

NOVAS PUBLICAÇÕES